23.12.08

Mensagem de Natal
Aos familiares e aos bebes internados na UTI Neonatal Nicola Albano

Aqui estamos,
De longe viemos...
Um longo e cansativo itinerário...
Foram inúmeras as vezes que choramos,
Foram inúmeras as dores que sofremos,
E no entanto
Tudo parece ter sido Absolutamente necessário
Para que chegássemos até aqui:
As lágrimas, a aflição, o desespero,
As noites intermináveis sem dormir,
Os descaminhos sem sol por que passamos
E as fraquezas de quase desistir...
Tudo absolutamente necessário
Para que acabássemos por descobrir
Tantas lições de vida, acolhimento,
Amparo, apoio, sustentação,
Solidariedade abrandando o sofrimento,
Perseverança alimentando o coração...
Tudo absolutamente necessário,
E imaginar que imaginávamos o contrário
Quando a nossa vida cuidou de desabar...
Tudo em volta, de repente, sem sentido...
Faltou o chão, de repente, de pisar...
Foram dias inteiros tentando descobrir
E noites sem dormir nem acordar...
Um sofrimento diário
E no entanto
Parece que absolutamente necessário
Para que mobilizássemos nossas energias
Por dias e dias e dias e dias
E muitas vezes
Até por meses
Entre tomografias e ultra-sonografias,
Entre hipoglicemias e hiperglicemias,
E anemias e arritmias
E outros tantos sinônimos de dor...
Fomos bordando assim nosso calvário
E hoje
Parece que tudo
Foi absolutamente necessário
E nada absolutamente sem valor...

Porque a fraqueza nos fez fortalecidos,
A dor nos desenhou mais resistentes,
As ameaças tornaram-nos mais vivos
E tanta angustia, mais persistentes...

Tocaram-nos o afetos dos queridos:
Esposo, esposa, pais, irmãos, parentes...
Luzes para que não quedássemos perdidos,
Sustento para que não tombássemos descrentes...

E a dor que nos fez tantas vezes tão sozinhos,
Atormentando nossos caminhos,
Fazendo nosso coração passar tão mal,

É a mesma dor, condição transformadora,
Que com sua força renovadora
Nos traz aqui, nesse dia de Natal...

E a mesma dor que nos fez tão diminuídos
É a dor que nos tornou fortalecidos
E nos mostrou o caminho de saída,

E a mesma dor que tentou-nos derrotados
É a dor que nos traz hoje renovados
Valorizando mais que nunca a própria vida...

E a vida como uma dádiva sagrada
É o bem maior que em sua caminhada
Os nossos filhos vão preservando...
Vão resistindo, heróis, a tempestades,
Saindo ilesos de calamidades,
Salvando-se de enormes vendavais...

E a vida como uma graça alcançada
Por cada um deles nessa jornada
É o bem maior que cada um vai conquistando,
Vestidos de esperanças e vontades,
Superando, como heróis, dificuldades,
Conquistando, com sua dor, a própria paz...

Aqui estamos
Foi como se o coração parasse o calendário
E o tempo desistisse de passar...
E no entanto
Tudo parece ter sido absolutamente necessário
Para que chegássemos
A essa hora
E hoje, a esse dia,
Completa e inteiramente renovados
Dispostos como nunca a continuar...

Crescemos
Com a dor que enfrentamos, amadurecemos,
Amadurecidos, aprendemos a compartilhar
A nossa dor com a dor de toda gente,
E foi isso que nos fez seguir em frente
E nos deu força pra perseverar...

Crescemos
A dor que um dia nos fez sentir pequenos
Foi a mesma que nos ensinou a caminhar...
Uma lição de se aprender diariamente...
Uma lição de durar eternamente...
Um aprendizado que se chama amar...

16.12.08

Reeditar-se
Para Roberta Profice

Viver é reeditar-se diariamente
Entre palavras e gestos, renascendo
A cada dia, e sempre lentamente
Como uma criança crescendo...

E cada dia é um dia diferente
Por isso é que é vivendo e aprendendo...
Viver é reeditar-se avidamente
Como um riacho correndo...

Nada acontece da mesma maneira.
Uma segunda feira e outra segunda feira
Não são exatamente o mesmo dia...

Reeditar-se. E a unica certeza
É estar em paz com a própria natureza,
É estar de bem com a própria poesia...
Desperdicio

Gastaste meia hora
Pensando num verso
Que a tua pena
Não conseguiu escrever?
Que pena...
Gastei minha vida
Com amores insanos ,
E não consegui ,
Mesmo assim, compreender
As dores de amores
E as outras dores...
Gastei minha vida
Sem viver...

6.12.08

A poesia IV

A poesia, letra comezinha,
Não muita coisa além de um palavreado,
Mas com o mesmo efeito que a salsinha
Causa num belo prato de ensopado...

Nada demais. Palavra arrumadinha
Sem freio, sem portão e sem cadeado...
Pode conter um elefante, uma bimbinha,
Ou um mar todo nunca dantes navegado...

Por ser assim discreta e desregrada
Possui a força de uma enxurrada
E a delicadeza de uma brisa...

A poesia, letra abusada
Que quer ser mais que ser letra... Inconformada...
A poesia, fronteira sem divisa...

5.12.08

A poesia III

A poesia, palavra enfileirada
Por conta de um arranjo calculado
Gerando um som que geralmente agrada
À medida em que o poema é declamado...

E veja que não é preciso quase nada,
Basta que a gente coloque lado a lado
Muitas palavras de uma maneira arrumada,
Muitas palavras de um modo encadeado,

E é assim que a poesia ganha um aroma
Onde cada palavra é um som que soma
E é essa soma mágica que cria

A poesia, palavra penteada,
A poesia, palavra perfumada,
Prosa vestida de gala, a poesia...

4.12.08

A hora certa

Nada é tão frágil que não consiga crescer,
Nada é tão bom que não necessite mudar...
É tudo uma questão de perceber...
É tudo uma questão de acreditar...

Nada é tão "sonho" que não possa acontecer,
Nada é tão "hoje" que não mereça sonhar...
Tudo na vida é uma questão de fazer...
Tudo na vida é uma questão de tentar...

É amanhã o dia que há de ser,
Se ontem foi o tempo de aprender,
O hoje é a hora de se trabalhar...

É tudo uma questão de se envolver...
Nada é tão forte que não se possa vencer...
Nada é tão longe que não se possa alcançar...

2.12.08

A poesia II

A poesia, rima calculada,
Palavra articulada, a poesia,
Matematicamente desenhada,
Um exercicio de lógica, eu diria...

Milimétricamente metrificada,
Tática travestida de harmonia,
É técnica mesmo quando exagerada:
Nenhuma letra aonde não devia...

A poesia, frase articulada,
Fiel como é uma peça dissecada,
Ainda que sem destinação ou guia...

Letra estratégicamente alinhavada,
Pilula de emoção premeditada,
A poesia, pura engenharia...
A poesia I

A poesia, palavra ritimada,
Vestida toda de métrica e rima...
Para onde vai assim tão arrumada
Essa menina?

Possui ao mesmo tempo a voz calada
E a multipla atividade de uma enzima.
A poesia. Como a madrugada...
A poesia. Como a ocitocina...

Composta bem mais do éter que da letra,
Possui a efemeridade de um cometa
E a eternidade do infinito...

A poesia. Eterna e passageira.
Lampejo que perdura a vida inteira.
Eterna a poesia. Como um mito.

23.11.08

O coração e a palavra
(para minha amiga Roberta Profice)

Se o coração não pensa antes de sentir
E quando sente é sempre por inteiro,
E não escolhe nunca pra onde ir,
E vai sempre pra onde pensou primeiro,

E quase nunca sabe decidir
Entre o que é falso e o que é verdadeiro,
E ao mesmo tempo não consegue se omitir
Nem tentar esconder o proprio cheiro,

Então também assim, amiga minha,
Quando disseres qualquer palavrazinha,
Antes de tudo, preste atenção

Pra que ela esteja sempre em sintonia
Com sua alma, com sua poesia,
Com sua vida e com seu coração...

21.11.08

A morte do poeta
Ao poeta Antonio Roberto Fernandes, falecido nas primeiras horas de hoje...

Não diga "morte" quando o poeta parte,
Posto que quando parte não se acaba
Mas dignifica a vida com sua arte,
Fazendo brotar vida da palavra...

Posto que a morte é apenas uma parte
Por meio da qual toda a vida se alinhava,
Resume tudo, como um estandarte
Bem justo quando ninguém imaginava...

Não diga "morte", portanto... Diga um verso...
O poeta não morreu... Está disperso
Inundando todos nós com os versos seus...

Não diga "morte"... Diga: "Até um dia
Quando conversaremos em poesia"...
Diga ao poeta: "Fica com Deus"...

14.11.08

Improviso ao poeta Antônio Roberto


Melhora, amigo, sua poesia
Faz falta nesse mundo tão mesquinho...
Vem logo para nossa companhia,
Ler um soneto, contar um versinho...

Tem gente contando nos dedos esse dia...
E cada dia falta menos um pouquinho...
Por que essa falta de pressa tão Bahia?
Por que tão assim devagar, devagarinho?

A vida é como um poema bem comprido
Que quase nunca termina de ser lido:
Há sempre um verso livre por dizer...

Os pratos de vovó estão esperando...
Vem, poeta, estamos te aguardando...
Fica com Deus, meu poeta... Até mais ver...

31.10.08

Ao poeta Antonio Roberto

Versos traçados em eletrocardiografia,

Sonetos feitos de venopunção,

Rimas fingindo-se antibioticoterapia,

Quadrinhas sustentando a intubação...


 

Redondilhas contornando a arritimia,

Sextetos comandando a oxigenação...

Rimas ricas para a hipocalcemia,

Metáforas estimulando o coração...


 

O poeta, entre potássios e glicoses,

Vai declamando seu verso a várias vozes

E não esmorece, absolutamente...


 

Traduz em poesia tudo em torno

E faz da própria vida um grande forno

Que prepara poesia eternamente...

22.10.08

A busca
(Poeminha após a leitura das explanações fonoaudiológicas sobre o reflexo da busca)

Eu não a imaginava assim, tão importante,
E nem sabia, sinceramente,
Que ela era um marco tão significante,
O começo de tudo, praticamente...

Dominado pelo estigma do eterno principiante,
Eu sempre vi nela um reflexo somente,
Primário como o de Moro, e desimportante,
E temporário, e menor, e inaparente...

Mas a vida, de forma delicada e brusca,
Tratou de me ensinar a compreender a busca
De uma maneira jamais por mim antes compreendida...

A busca além de um dos reflexos primitivos...
A busca além da busca que há nos livros...
A busca como preservação da própria vida...

7.8.08

Somos mamiferozinhos

Somos mamiferozinhos
Assim como são os gatinhos
E os cachorrinhos
E os filhotinhos das elefoas,
Como as oncinhas e os cavalinhos,
Como os bezerros e os macaquinhos,
Da mesma forma que os filhotes das leoas,
E as girafinhas e os canguruzinhos,
E como também são as ovelhinhas
Somos mamiferozinhos.
Mamamos do mesmo modo
Que os ursinhos,
Crescemos do mesmo jeito
Que os miquinhos,
Ficamos fortes
Como os tigrezinhos
Porque como esses bichinhos
Desde pequenininhos
Mamamos o leite de peito
Que a mamãe nos dá.
Mamiferozinhos nós somos.
Crescemos fortinhos
E desde miudinhos
Aprendemos, como eles, a falar:
Mamãe eu quero mamar

5.8.08

A minha amiga

Para Carla Brasil


 

Minha amiga doce e mais amada

E mais querida amiga e mais presente

E mais escrita amiga e mais lembrada

E mais suavemente transparente


 

Amiga tão gentil, tão educada

Quem olha quase não sabe o que ela sente

Quando esta triste sorri, a disfarçada,

Quando feliz, fala pausadamente


 

Amiga decidida e bem dosada

Não troca a coisa certa pela errada

Não vive a vida de modo inconsequente...


 

Não fosse real, seria um conto de fada,

Nem precisava ser tão iluminada

A minha amiga que eu amo imensamente...

16.7.08

A lista

Calúnia, infâmia, perseguição...
Que outros sinônimos tem a palavra roubalheira?
Desfalque, tombo, desvio... Quantos são?
Incorrigível essa política brasileira...

Os acusados negam a acusação...
A cidade assiste, assustada, à bandalheira...
Sobrou algum dinheiro? Quase não...
E olha que ainda era só segunda feira...

_Tudo mentira! Afirmam os aliados...
Habeas corpus - impetram os advogados...
Aonde afinal essa gente vai parar?

A lista quase sem fim dos envolvidos...
Tantos bilhões por tão poucos subtraidos...
Restou alguém em quem acreditar?

13.7.08

Cidade Pobre

Ah, Campos, cidade pobre...

Pobres por todos os lados...

É dessa forma, sem cobres,

Que seremos governados...


 

Por sermos tão pobrezinhos

Dinheiro aqui ninguém tem...

Que Deus abençoe os caminhos

Da cidade sem vintém...


 

Tão sem grana essa cidade

Que aguarda a felicidade

Enquanto a mesma não vem...


 

Ah, Campos, cidadezinha...

Ah, Campos, cidade minha

Governada por ninguém...

8.7.08

Versos para Eunice Begot


 

Quando tudo que há em volta é paz serena

E a brisa boa tem sabor de mar,

E quando a vida dessa forma vale à pena,

E nada em torno parece incomodar,


 

E nenhum rastro há de nenhum problema,

E nenhum saldo há de contas a pagar,

E a vida é bela, como no cinema,

E perfeita como uma musica de Bach,


 

É nessas horas que a maldade humana,

Hipócrita, cruel e leviana,

Costuma invariavelmente conspirar...


 

Mas Deus é mais que o mal. Então confia.

Nada é maior que a Sua companhia,

Nada é capaz de o desafiar...


 

Segue portanto, Eunice, a sua luta.

Supera com amor a força bruta

E o bem, por fim, há de triunfar...


 


 


 


 


 

9.6.08

A Natureza


 

E pouca coisa há tão impressionante
Maravilhosa, de gosto delicado,
E lúcida e limpa, feito um diamante
Que é lindo sem precisar ser lapidado,

E quase nada na vida é tão intrigante,
E a tantos tem desse modo maravilhado:
A natureza, que é assim como um gigante
E é como um sopro de brisa perfumado...

Nenhuma coisa no universo inteiro,
Nenhum poder militar, nenhum dinheiro,
Nenhuma dinastia ou realeza

Possui mais maravilhas que uma planta...
Nada no mundo dos homens, não adianta,
É mais perfeito que a natureza...

5.5.08

A mãe prematura


 

A mãe prematura do bebe prematuro

Nascida antes do que era para ser,

Como quem antecipa o seu futuro,

Como quem torna-se sem perceber...


 

A mãe prematura do bebe prematuro

E a luta por seu bebê sobreviver...

Às vezes tudo é tão sombrio e escuro...

Tudo tão frio, sem amanhecer...


 

A longa dor de quem aguarda a cura,

Como quem, sem saber o que, procura,

E assim, nessa procura, se desfaz...


 

Segura nas mãos de Deus, mãe prematura...

Segura nas mãos de Deus que te segura...

Segura nas mãos de Deus e segue em paz...

30.4.08

Uma Declaração Universal de Direitos para o Bebê Prematuro

Artigo I

        Todos os prematuros nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão  e consciência. Possuem vida anterior ao nascimento, bem como memória, aprendizado, emoção e capacidade de resposta e interação com o mundo em sua volta.    

Artigo II

        Todo prematuro tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.    

Artigo III

        Nenhum prematuro será arbitrariamente exilado de seu contexto familiar de modo brusco ou por tempo prolongado. A preservação deste vínculo, ainda quando silenciosa e discreta, é parte fundamental de sua vida.   

Artigo IV

        Todo prematuro tem direito ao tratamento estabelecido pela ciência, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Sendo assim, todo prematuro tem o direito de ser cuidado por uma equipe multidisciplinar capacitada a compreendê-lo, interagir com ele e a tomar decisões harmônicas em seu beneficio e em prol de seu desenvolvimento.   

 Artigo V

Todo prematuro tem direito à liberdade de opinião e expressão, portanto deverá ter seus sinais de aproximação e afastamento identificados, compreendidos, valorizados e respeitados pela equipe de cuidadores. Nenhum procedimento será considerado ético quando não levar em conta para sua execução as necessidades individuais de contato ou recolhimento do bebê prematuro.

Artigo VI

        Nenhum prematuro será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Sua dor deverá ser sempre considerada, prevenida e tratada através dos processos disponibilizados pela ciência atual. Nenhum novo procedimento doloroso poderá ser iniciado até que o bebê se reorganize e se restabeleça da intervenção anterior. Negar-lhe esse direito é crime de tortura contra a vida humana.

Artigo VII

        Todo prematuro tem direito ao repouso, devendo por isso ter respeitados seus períodos de sono superficial e profundo que doravante serão tomados como essenciais para seu desenvolvimento psíquico adequado e sua regulação biológica. Interromper de forma aleatória e irresponsável sem motivo justificado o sono de um prematuro é indicativo de maus tratos.

Artigo VIII

        Todo prematuro tem o direito inalienável ao silencio que o permita sentir-se o mais próximo possível do ambiente sonoro intra-uterino, em respeito a seus limiares e à sua sensibilidade. Qualquer fonte sonora que desrespeite esse direito será considerada criminosa, hedionda e repugnante.

Artigo IX

        Nenhum prematuro deverá, sob qualquer justificativa, ser submetido a procedimento estressante aplicado de forma displicente e injustificada pela Equipe de Saúde, sob pena da mesma ser considerada negligente, desumana e irresponsável.

Artigo X

        Todo prematuro tem direito a perceber a alternância entre a claridade e a penumbra, que passarão a representar para ele a noite e o dia. Nenhuma luz intensa permanecerá o tempo inteiro acesa e nenhuma sombra será impedida de existir sob a alegação de monitorização continua sem que os responsáveis por estes comportamentos deixem de ser considerados displicentes, agressores e de atitude dolosa.

Artigo XI

Todo prematuro tem o direito, uma vez atingidas as condições básicas de equilíbrio e vitalidade, ao amor materno, ao calor materno e ao leite materno que lhe são oferecidos através do Método Mãe Canguru. Caberá à Equipe de Saúde prover as condições estruturais mínimas necessárias a esse vinculo essencial e transformador do ambiente prematuro. Nenhum profissional ou cargo de comando em nenhuma esfera tem a prerrogativa de impedir ou negar a possibilidade desse vinculo que é símbolo da ciência tecnocrata redimida.

Artigo XII

Todo prematuro tem o direito de ser alimentado com o leite de sua própria mãe ou, na falta desta, com o de uma outra mulher tão logo suas condições clinicas assim o permitirem. Deverá ter sua sucção corretamente trabalhada desde o inicio da vida e caberá à equipe de saúde garantir-lhe esse direito, afastando de seu entorno bicos de chupetas, chucas ou de qualquer outro elemento que venha interferir negativamente em sua sucção saudável, bem como assegurando seu acompanhamento por profissionais capacitados a facilitarem esse processo. Nenhum custo financeiro será considerado demasiadamente grande quando aplicado com esse fim. Nenhuma fórmula láctea será displicentemente prescrita e nenhum zelo será descuidadamente aplicado sem que isso signifique desatenção e desamparo. O leite materno, doravante, será considerado e tratado como parte fundamental da sua vida.

25.4.08

A pizzaria


 

Construíram uma imensa pizzaria

No coração da planície goitacá.

É casa cheia : o trenzinho da alegria

Não deixa a pizzaria esvaziar...


 

Sabor de tombo, de pilantraria,

Borda de recheio anti-liminar,

Só dá primeiro escalão: procuradoria,

Assessoria, vereadores, todos lá...


 

Tem pizza pro arquiteto e pra mocinha,

Tem pizza, dizem, de bananinha,

Quem come tá sempre querendo voltar...


 

Fizeram da minha cidade sem justiça

Uma imensa e imunda e incompreensível pizza

E a conta o povo é que vai pagar...

23.4.08

A hora da poesia
(para Margot)

A hora da poesia não tem hora,
É ao meio dia, é em plena madrugada,
É daqui a pouco, é amanhã, é agora,
É logo depois da próxima alvorada,

E por não ter hora, às vezes demora
Dias e dias, outras vezes nada...
Às vezes é quando todos vão embora,
Outras vezes é bem no meio da balada...

A hora da poesia é um parto e tanto,
É natural e ao som de um acalanto
Que embala a mãe amamentando a cria...

E não tem hora, definitivamente,
A poesia que alimenta a gente...
É toda hora a hora da poesia...

17.4.08

A falta

Ao meu pai Clóvis Tavares em lembrança de seus 24 anos de partida. 13 de abril 1984-13 de abril 2008


 


 

A boa palavra nunca mais escrita,

A frase boa nunca mais falada,

A boa conversa não mais repetida,

E, como a conversa, o olhar, a risada...

 
 

A personalidade do homem espírita

E uma vida inteira dedicada,

E a voz intensa, doce e às vezes aflita

Para a poesia belissimamente recitada...

 
 

O zelo, a perseverança, a inteligência,

A História, a poesia, o Cristianismo, a ciência

E uma presença desconcertante...

 
 

Ah, quanta falta, pai, do teu carinho...

E esse silencio que é escrever sozinho...

E essa saudade quase dissecante...

Capitulada

A minha cidade resiste à solidão,

Ao abandono, ao desespero, à mágoa,

Ao desencantamento, à ingratidão...

A minha cidade só não resiste à água...


 

Resiste à miséria, resiste à corrupção,

Ao poder publico submerso no atoleiro,

Ao grampo no telefone do ladrão...

A minha cidade só não resiste a um aguaceiro...


 

Resiste aos homens da Policia Federal,

Resiste ao camarote e ao carnaval

E ao rio das enchentes de águas turvas...


 

Resiste às pontes e aos golpes dos corruptos

E aos podres poderes dos homens estúpidos...

A minha cidade só não resiste às chuvas...


 

10.4.08

O sonho

Se não tiver nessa padaria
Procure naquela outra logo adiante,
Mas se a prateleira também estiver vazia
Não troque ainda o seu sonho por um refrigerante.

Segue, e duas quadras depois da livraria
Uma confeitaria muito elegante
Também vende sonhos... Mas que ironia:
Acabou de ser comido o sonho gigante...

Mas não desista ainda. Vai em frente.
Sonho que é sonho é sempre persintente,
Por isso nunca deixe de sonhar...

Persiga seu sonho na confeitaria
Ou no imporoviso de alguma poesia...
Só toma cuidado na hora de acordar...

17.3.08

O mar de lama (versão 2008)

Seja bem vindo ao mar de lama obscura
Que fez morada na minha cidade
Transformando-a em estranha criatura
Mancomunada com a imoralidade...

Seja bem vindo ao mar de lama impura
Que encheu de sombra escura a claridade
Como se fosse uma doença sem cura,
Um cancer descoberto muito tarde...

Seja bem vindo à imensa lamaceira
Que fez da minha cidade uma lixeira
E hoje é parte da sua própria vida...

Seja bem vindo ao mar de lama, irmão...
É como se não houvesse outra opção...
É como se não houvesse outra saida...

16.3.08

Poema sujo

Gritaram: pega ladrão...
Não sobrou um no lugar...
Anos a fio metendo a mão,
Já não sabiam parar...

Cidade imunda de corrupção...
Larápios a conjugar
O verbo da moda que faz o ladrão
O verbo da moda: roubar...

Cidade completamente corrompida...
Enlamearam a porta de saida,
Sujaram tudo, não sobrou ninguém...

Meu Deus, tem pena da minha cidade,
Antro imoral de toda iniquidade...
Quem vive aqui sabe bem...
Moto-continuo

Faça. Não desanime de tentar mudar.
Mude. Não se envergonhe de tentar crescer.
Cresça. E não desista nunca de tentar.
Tente. Há um futuro inteiro por fazer...

1.3.08

Parada cardiaca (III)

Parou o coração, congestionado,
Enfraquecido, insuficiente,
Como um maratonista desarmado,
Como uma estrela cadente...

Parou o coração, desconfortado
Dentro de um mediastino incomplecente.
Cresceu, e o peito tornou-se-lhe apertado.
Cresceu demais, aparentemente...

Parou o coração, digitalizado,
Corretamente monitorado
E com um desfiblilador bem na sua frente...

Parou, a despeito de todo cuidado.
Parou sem perceber-se medicado.
Parou de vez o coração doente...
Parada cardiaca (II)

Parou o coração. E nem queria.
E se tentou se salvar, não conseguiu.
Parou vitimado por subita arritimia.
Como uma estátua de Trotsky, caiu.

Parou o coração naquele dia
Bem justo quando parecia estar a mil.
Massagem. Adrenalina intracardiaca.
E a vida que ali havia escapuliu.

Parou o coração, como constatado.
Já não é o mesmo o coração, parado.
Já não é o mesmo que era o que batia.

Parou o coração contra a própria vontade.
Parou vitimado de subita gravidade.
Parou quando ele nem percebia.

23.1.08

Parada cardíaca

Parou o coração, subitamente,

Congestionado de coisas por fazer.

Não deu sinais de parar. Foi de repente,

Como se estivesse saturado de viver.


 

E assim, súbita e definitivamente,

Pois não voltou a bater,

Parou, como se estivesse cansado do batente

Ou como se estivesse desistido de sofrer.


 

Guardou, com seu silencio, nomes, dias,

Desejos, desafetos, avarias,

Fragmentos da vida ainda por levar...


 

Parou o coração. Silencio. Nada.

A vida, vitima da súbita parada,

Escapuliu para nunca mais voltar...