21.5.06

A rima

A rima é o piercing no umbiguinho na palavra,
É o brinco de ouro na orelhinha da Princesa,
É a outra voz dentro da mesma oitava,
Não é o Pato com laranja. É a sobremesa.

É a ponte entre Itaipu e Itaipava,
É o que dá vida ao verso, e ligeireza,
E outra profundidade à poça rasa,
E empresta à podridão delicadeza...

A rima é a gota exata do tempero,
É o Redentor pro Rio de Janeiro,
É Dorival Caymmi pra Bahia...

É como o drible de Garrincha, a rima,
Não é o Mapa do Tesouro. É a Mina...
A rima é a sístole da poesia.

19.5.06

Requiém para Izabel

Adeus, amiga minha,
Passarinha...
És livre agora...
Nada te prende...
Saudade muita...
E se há também tristeza
É porque há coisas que o coração
Não compreende...

17.5.06

Minha amiga Izabel foi morar com Deus

De pele clara como um nevoeiro,
De voz suave como uma balada,
De pensamento ligeiro
E deliciosa risada,

Tijucana do Rio de Janeiro
Sempre discreta, lucida e delicada,
Parecia pertencer ao mundo inteiro
Aquela minha amiga mais amada...

Um dia a minha amiga, pele clara,
Discreta, delicada, suave, rara,
Seguiu viagem... Foi morar no Céu...

"Eu te amo para sempre", amiga pura,
Mistura de saudade com ternura...
Fica com Deus, Izabel...
A Companheira

Às vezes a poesia, companheira,
Permanece em silencio do meu lado
Como se fosse, umas vezes, minha esteira,
Como se fosse, outras vezes, meu estrado.

Calada e ao mesmo tempo faladeira,
Fonte sem fim do meu palavreado,
A poesia, incansável conselheira,
Minha Arca do Tesouro sem cadeado...

Que outro amigo ama assim dessa maneira,
O tempo inteiro, pela vida inteira,
Integralmente e o tempo inteiro dado?

A poesia, amiga verdadeira
Como uma Guarda Costeira
Por quem eu vou, pra sempre, acompanhado...

11.5.06

A poesia

A poesia volta, vez em quando,
Discretamente, a me provocar,
Como um zumbido, um pingo de chuva,
Uma goteira a pingar,

Discretamente, vez em quando, volta,
Como quem sente medo de acabar,
E faz um verso desses, sem motivo,
E em tudo ve um motivo de rimar...

E volta sempre, a mesma poesia
Como a manhã que volta a cada dia,
Como um pedaço de cachoeira.

Que volte sempre então. Que sempre venha
Imponderável, como é a ordenha,
Eterna, ainda que apenas passageira...

9.5.06

Batucadeira

Às vezes a poesia, brincalhona,
Brincando de fazer versos sem sentido,
Busca palavras como prednisolona
Só para agradar nosso ouvido,

E rima Chico Buarque com Madonna,
Ou, sem razão, rajada com rugido...
E ri, como quem curte da poltrona
Da sala o seu seriado preferido...

Esmera-se, essas vezes, em ser nada
Similando o ziriguidum da batucada
Que agrada mas não tem significação...

A poesia por pura brincadeira,
Batucada de ritmos passageira
Sem dolo, sem disfarce e sem perdão...

8.5.06

A poesia errada...

Às vezes a poesia, estabanada,
E absolutamente sem cuidado,
Desenha a rima errada, a letra errada,
O verso errado, o soneto errado...

Talvez por se sentir imunizada,
Rima sem dolo, ritmo sem pecado,
Palavra livre, forma liberada,
Sem culpa por seu verso mais ousado...

A poesia, às vezes, sem limites,
Como quem não precisa de convites,
Diz o que quer, sem perceber se agrada...

E segue, imune, a poesia, a tudo,
Usando o proprio verso como escudo,
E a rima como marca imaculada...

3.5.06

A disfarçada

Às vezes a poesia, disfarçada,
Dissimulada, vem me visitar...
E vem assim, como uma convidada
Que não precisa de convite para entrar...

E sem convite, a poesia, dada,
Como se fosse a dona do lugar,
Segura a minha mão encabulada
Fazendo o verso da mão escorregar...

Às vezes a poesia, de mansinho,
Como quem faz um carinho,
Enrosca-se na folha de papel

E deita, e dorme a poesia, assim,
Que disfarçada, às vezes chega a mim
Como uma gota de mel...
A Governanta...

Às vezes a poesia me alimenta
Como se fosse fonte de energia...
Palavra integra que me sustenta
E me faz companhia...

E me resguarda do mal que tenta
Asfixiar-me em espasmos de agonia...
Às vezes a poesia me orienta
Imunizando-me dessa asfixia...

Às vezes a poesia, barulhenta,
Incomodada, não se contenta
Em ser somente letra muda e fria...

Escapa da palavra e me acalenta
E cuida, como governanta atenta,
Da minha vida inteira, a poesia...

2.5.06

Lucidez

Às vezes a poesia, letra lúcida,
Vem de onde eu não sei onde me acudir.
Conhece o que eu não ousaria perceber
Percebe o que eu não imaginaria pressentir

E as coisas todas que eu jamais diria
Nem arriscaria assumir
Pegam carona na poesia e saem
Espalhando coerências por ai...

Às vezes a poesia, letra lírica,
Banha em seu éter a palavra histérica
Tornando doce toda amargura...

A poesia, lúcida e precisa,
Segue alinhando tufão e brisa
E rascunhando a morte com doçura...