26.2.10

Constatação
para M.

Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana
Ferreira Gullar in Cantada

Voce é mais bonita do que um céu azulado,
Mais bonita do que uma tarde à beira-mar,
Voce é mais bonita do que um abraço apertado,
Mais bonita do que um verso de Gullar...

Voce é mais bonita do que um beijo roubado,
Mais bonita que o azul de Avatar,
Mais bonita do que eu teria imaginado,
Mais bonita do que eu saberia explicar...

Voce é mais bonita que a lua cheia
Espalhando prateados pela areia,
Desestabilizando o céu azul escuro...

Voce é mais bonita do que uma noite estrelada,
E diria a poesia, encabulada ,
Quase tão bonita quanto um bebe prematuro...
Oferenda

Não posso te oferecer o mundo inteiro,
Tudo que der na imaginação:
Um caminhão cheinho de dinheiro,
Milhões de premios num grande caminhão,

A paisagem do Rio de Janeiro,
A lua cheia pra iluminação,
Passagens prum passeio de cruzeiro,
Milhões de lojas em liquidação...

Não posso te oferecer porque primeiro:
Seria acusado logo de exagero,
Segundo: não teria a minima condição...

Por isso procuro ser mais verdadeiro,
E se não posso dar-te o mundo inteiro,
Entrego inteiro a ti meu coração...

3.2.10

A duvida

Que graça a vida teria se não houvesse poesia?
Escrever prosa sem rima, palavra não versejada,
Acordar, dormir, comer, trabalhar sem garantia,
Beber cerveja, enfartar, namorar, jogar pelada...

Pagar imposto de renda, mandar um mail pra tia,
Tomar remedio de verme depois de comer empada,
Aprender a dedilhar no violão Leo e Bia,
Gastar o tempo corrido com a hora sempre atrasada,

Que graça teria a vida se não houvesse Bandeira?
Que coisa... O que é que seria de nossa segunda feira?
Para que é que serviriam os  cadernos de escrever?

Se não houvesse Cecilia, se não houvesse Ferreira,
Será que a gente escreveria alegria de que maneira?
Se não houvesse a poesia como seria viver?
E se (ainda)...

E se eu votasse no outro candidato?
E se eu me mudasse para Araraquara?
E se eu não assinasse esse contrato?
E se eu não me entregasse assim de cara?

E se eu deixasse comida no prato?
E se eu me apaixonsse pela Guanabara?
E se eu decidisse ir morar no mato?
E se eu comprasse a coleção da Nara?

E se eu quisesse declamar poesia?
E se eu perdesse o prazo de garantia?
E se eu cantasse pra poder dormir?

E se eu fosse dormir hoje mais cedo?
E se eu dormisse sem perder o medo?
E se meu sonho era voce sorrir?
E se...
Para M.

E se eu soubesse conquistar seu coração?
Se eu descobrisse como voce ficar bem?
Se eu inventasse canções como o Barão?
Se eu não deixasse voce nunca ficar sem?

E se eu não contasse pra ninguém não?
E se eu não me importasse com ninguém?
E se eu chegasse pela contra-mão?
Se eu não ligasse de perder o trem?

Se eu me virasse todo pelo avesso
Trocando o final do fim pelo começo
E o começo assim não tivesse fim?

E se eu fizesse um verso que nem esse,
E se eu mostrasse a voce, se voce lesse,
Voce diria será o que de mim?

2.2.10

A casa

A casa onde eu moro não tem parede,
Por não ter muros, não tem portão,
E por não ter parede, não tem rede,
Nem rua, nem quintal, nem céu, nem chão...

Tem agua boa pra matar a sede,
E pra matar a fome, muito pão,
Não é azul, não é branca, nem é verde,
Não é casinha nem é casarão...

Nem endereço tem a minha casa,
Enchente não enche, tufão não arrasa,
E olha que haja tufão...

Eu moro num lugar desconhecido,
Eu moro ali desde recem-nascido,
Eu moro dentro do meu coração...