16.3.03

Carta ao Prefeito de Campos dos Goytacazes
Carta escrita para representar a equipe médica da Emergencia do Hospital Geral de Guarus em Campos, RJ, junto à Prefeitura após fracassarem inumeras tentativas de contato. Publicada na edição de hoje da Folha da Manhã, um dos principais jornais de nossa região.

Sr. Prefeito,
Desculpe-nos a forma inusitada e incomum de comunicação.
Mas reconheça:
Um Prefeito é mais difícil de ser encontrado
Do que um médico de plantão.
A gente bem que tentou, Sr. Prefeito,
Mas em vão.
Até documento assinado e carimbado
Foi devidamente por seu Gabinete protocolado
Mas nenhuma resposta chegou à nossa mão.
Por isso é que arriscamos essa carta inusitada
E nos organizamos para que fosse publicada
Nesse jornal de grande circulação.
É a sua ajuda que pedimos, Sr. Prefeito,
E a sua compreensão.
A gente tem trabalhado com presteza
Tentando estar à altura da grandeza
Do Hospital Geral de Guarus,
A menina dos olhos da sua gestão.
Mas não tem sido fácil, Sr. Prefeito.
É imenso e complicado e desgastante
O atendimento à população.
É gente grave que chega à cada instante
Precisando de atenção.
E a eficiência na forma do atendimento
Nem sempre é reconhecida
E nem sempre é tratada com gratidão.
É mais fácil para um Prefeito receber o reconhecimento
Do que para um médico de plantão.
Mas se é aqui que se diagnostica e trata, Sr. Prefeito,
O infarto, a arritmia, a hipertensão,
A hipofonese das bulhas,
A precordialgia e a fibrilação,
Se a gente não pode contar com o apoio
Daquele que é conhecido como o Prefeito do Coração
Com o apoio de quem a gente poderá contar então?
E não é muito o que a gente quer, Sr. Prefeito:
Somente conversar sobre a nossa complementação.
Um adicional qualquer sobre o salário
Que é ganho com tanto trabalho
E que merece uma compensação.
Por ser sincero nosso pedido
E delicada a nossa situação
Já recebemos o apoio da nossa Direção.
Igual apoio tivemos
Do Presidente da Fundação.
Todo esse apoio legitima nossa luta, Sr. Prefeito,
E reconhece que o salário que recebemos
Precisa de uma injeção.
Mas sem a sua palavra, Sr. Prefeito,
Sem a sua aprovação,
Tudo dito, nada feito,
Não há solução.
Por isso essa forma inusitada, Sr. Prefeito
Merecidamente eleito
Publicamente merecedor do conceito
De melhor Prefeito da Região,
Por isso esse pedido: Sr. Prefeito
Recebe nossa Comissão.
É de uma boa conversa
Que muitas vezes
Nasce a tranqüilidade e a harmonização.
Recebe nosso respeito,
Sr. Prefeito,
Nosso colega de profissão.
Agradecemos sua paciência
E desde já aguardamos a sua convocação.

6.3.03

A primeira vez que eu vi um anjo...
Ao meu irmão Carlinhos
Perdi de alguma maneira o meu irmão Carlinhos em fevereiro de 1973 aos 17 anos de idade. Aos 7 meses, de uma queda acidental de seu carrinho, foi ao chão. Acudiram-lhe dois anjos incansáveis: meu pai e minha mãe. Em 3 de março Carlinhos estaria fazendo 47 anos. Foi a primeira vez que vi um anjo...

I
Foi a primeira vez que eu vi um anjo.
Cabelos negros. Pele clara. E ria.
Ele falava sem usar palavra.
Trazia em seu olhar a sua energia.

E quase não se mexia e nem andava.
Não pronunciava as coisas que dizia.
Era a linguagem dos anjos que ele usava.
Era a voz do seu coração que a gente ouvia.

Talvez a linda negra cabeleira
E a pele branca e leve feito pêra
Deixassem sugerir fragilidade...

Foi a primeira vez que vi um anjo.
Eu sempre vi meu irmão dessa maneira.
Sem culpa. Sem pecado. Sem maldade.


II
Foi a primeira vez que vi um anjo.
De nome Carlos, mas que poderia
Chamar-se luminosidade, cântico,
Delicadeza, abnegação, poesia...

E numa madrugada, fevereiro,
Sobressaltado, acordei. Meu pai chorava.
Jesus chamou nosso anjo... ele dizia...
E a madrugada, longa, não passava.

Naquela noite eu pude ouvir um anjo
Chorando um outro anjo que partia,
Esvaziando aquela madrugada.

A noite mais cruel. A mais comprida.
A derradeira dor da despedida.
A curva anunciando a nova estrada.


III
Foi a primeira vez que vi um anjo.
Como era doce a cor do seu olhar.
Falava a língua dos anjos. Parecia
Que não precisava da voz para falar.

Que era a sua alma que sorria.
Que percorria tudo sem andar.
Um pássaro sem asas que sabia
Como voar e para onde voar.

Foi a primeira. A mais desconcertante.
A mais especial e impressionante.
Um sonho sem dormir nem acordar.

Foi a primeira vez que vi um anjo.
E hoje eu trago em mim a sua estória.
E guardo dentro de mim o seu olhar.