23.12.08

Mensagem de Natal
Aos familiares e aos bebes internados na UTI Neonatal Nicola Albano

Aqui estamos,
De longe viemos...
Um longo e cansativo itinerário...
Foram inúmeras as vezes que choramos,
Foram inúmeras as dores que sofremos,
E no entanto
Tudo parece ter sido Absolutamente necessário
Para que chegássemos até aqui:
As lágrimas, a aflição, o desespero,
As noites intermináveis sem dormir,
Os descaminhos sem sol por que passamos
E as fraquezas de quase desistir...
Tudo absolutamente necessário
Para que acabássemos por descobrir
Tantas lições de vida, acolhimento,
Amparo, apoio, sustentação,
Solidariedade abrandando o sofrimento,
Perseverança alimentando o coração...
Tudo absolutamente necessário,
E imaginar que imaginávamos o contrário
Quando a nossa vida cuidou de desabar...
Tudo em volta, de repente, sem sentido...
Faltou o chão, de repente, de pisar...
Foram dias inteiros tentando descobrir
E noites sem dormir nem acordar...
Um sofrimento diário
E no entanto
Parece que absolutamente necessário
Para que mobilizássemos nossas energias
Por dias e dias e dias e dias
E muitas vezes
Até por meses
Entre tomografias e ultra-sonografias,
Entre hipoglicemias e hiperglicemias,
E anemias e arritmias
E outros tantos sinônimos de dor...
Fomos bordando assim nosso calvário
E hoje
Parece que tudo
Foi absolutamente necessário
E nada absolutamente sem valor...

Porque a fraqueza nos fez fortalecidos,
A dor nos desenhou mais resistentes,
As ameaças tornaram-nos mais vivos
E tanta angustia, mais persistentes...

Tocaram-nos o afetos dos queridos:
Esposo, esposa, pais, irmãos, parentes...
Luzes para que não quedássemos perdidos,
Sustento para que não tombássemos descrentes...

E a dor que nos fez tantas vezes tão sozinhos,
Atormentando nossos caminhos,
Fazendo nosso coração passar tão mal,

É a mesma dor, condição transformadora,
Que com sua força renovadora
Nos traz aqui, nesse dia de Natal...

E a mesma dor que nos fez tão diminuídos
É a dor que nos tornou fortalecidos
E nos mostrou o caminho de saída,

E a mesma dor que tentou-nos derrotados
É a dor que nos traz hoje renovados
Valorizando mais que nunca a própria vida...

E a vida como uma dádiva sagrada
É o bem maior que em sua caminhada
Os nossos filhos vão preservando...
Vão resistindo, heróis, a tempestades,
Saindo ilesos de calamidades,
Salvando-se de enormes vendavais...

E a vida como uma graça alcançada
Por cada um deles nessa jornada
É o bem maior que cada um vai conquistando,
Vestidos de esperanças e vontades,
Superando, como heróis, dificuldades,
Conquistando, com sua dor, a própria paz...

Aqui estamos
Foi como se o coração parasse o calendário
E o tempo desistisse de passar...
E no entanto
Tudo parece ter sido absolutamente necessário
Para que chegássemos
A essa hora
E hoje, a esse dia,
Completa e inteiramente renovados
Dispostos como nunca a continuar...

Crescemos
Com a dor que enfrentamos, amadurecemos,
Amadurecidos, aprendemos a compartilhar
A nossa dor com a dor de toda gente,
E foi isso que nos fez seguir em frente
E nos deu força pra perseverar...

Crescemos
A dor que um dia nos fez sentir pequenos
Foi a mesma que nos ensinou a caminhar...
Uma lição de se aprender diariamente...
Uma lição de durar eternamente...
Um aprendizado que se chama amar...

16.12.08

Reeditar-se
Para Roberta Profice

Viver é reeditar-se diariamente
Entre palavras e gestos, renascendo
A cada dia, e sempre lentamente
Como uma criança crescendo...

E cada dia é um dia diferente
Por isso é que é vivendo e aprendendo...
Viver é reeditar-se avidamente
Como um riacho correndo...

Nada acontece da mesma maneira.
Uma segunda feira e outra segunda feira
Não são exatamente o mesmo dia...

Reeditar-se. E a unica certeza
É estar em paz com a própria natureza,
É estar de bem com a própria poesia...
Desperdicio

Gastaste meia hora
Pensando num verso
Que a tua pena
Não conseguiu escrever?
Que pena...
Gastei minha vida
Com amores insanos ,
E não consegui ,
Mesmo assim, compreender
As dores de amores
E as outras dores...
Gastei minha vida
Sem viver...

6.12.08

A poesia IV

A poesia, letra comezinha,
Não muita coisa além de um palavreado,
Mas com o mesmo efeito que a salsinha
Causa num belo prato de ensopado...

Nada demais. Palavra arrumadinha
Sem freio, sem portão e sem cadeado...
Pode conter um elefante, uma bimbinha,
Ou um mar todo nunca dantes navegado...

Por ser assim discreta e desregrada
Possui a força de uma enxurrada
E a delicadeza de uma brisa...

A poesia, letra abusada
Que quer ser mais que ser letra... Inconformada...
A poesia, fronteira sem divisa...

5.12.08

A poesia III

A poesia, palavra enfileirada
Por conta de um arranjo calculado
Gerando um som que geralmente agrada
À medida em que o poema é declamado...

E veja que não é preciso quase nada,
Basta que a gente coloque lado a lado
Muitas palavras de uma maneira arrumada,
Muitas palavras de um modo encadeado,

E é assim que a poesia ganha um aroma
Onde cada palavra é um som que soma
E é essa soma mágica que cria

A poesia, palavra penteada,
A poesia, palavra perfumada,
Prosa vestida de gala, a poesia...

4.12.08

A hora certa

Nada é tão frágil que não consiga crescer,
Nada é tão bom que não necessite mudar...
É tudo uma questão de perceber...
É tudo uma questão de acreditar...

Nada é tão "sonho" que não possa acontecer,
Nada é tão "hoje" que não mereça sonhar...
Tudo na vida é uma questão de fazer...
Tudo na vida é uma questão de tentar...

É amanhã o dia que há de ser,
Se ontem foi o tempo de aprender,
O hoje é a hora de se trabalhar...

É tudo uma questão de se envolver...
Nada é tão forte que não se possa vencer...
Nada é tão longe que não se possa alcançar...

2.12.08

A poesia II

A poesia, rima calculada,
Palavra articulada, a poesia,
Matematicamente desenhada,
Um exercicio de lógica, eu diria...

Milimétricamente metrificada,
Tática travestida de harmonia,
É técnica mesmo quando exagerada:
Nenhuma letra aonde não devia...

A poesia, frase articulada,
Fiel como é uma peça dissecada,
Ainda que sem destinação ou guia...

Letra estratégicamente alinhavada,
Pilula de emoção premeditada,
A poesia, pura engenharia...
A poesia I

A poesia, palavra ritimada,
Vestida toda de métrica e rima...
Para onde vai assim tão arrumada
Essa menina?

Possui ao mesmo tempo a voz calada
E a multipla atividade de uma enzima.
A poesia. Como a madrugada...
A poesia. Como a ocitocina...

Composta bem mais do éter que da letra,
Possui a efemeridade de um cometa
E a eternidade do infinito...

A poesia. Eterna e passageira.
Lampejo que perdura a vida inteira.
Eterna a poesia. Como um mito.