28.8.18

A velha rede

E se o Whatsapp não existisse
E a internet não tivesse sido criada,
Se pensar em rede social fosse sandice,
E se o diário fosse a coisa mais guardada,

Ou se de repente o sinal do Wifi sumisse,
E o Android, que coisa, desse uma travada,
E o IOs caisse e ninguém visse,
E a vida subitamente desconectada?

A gente ia ter que marcar um encontro,
Desses que a gente escolhe a hora e o ponto,
E nesse encontro ia começar a conversar,

E a nova velha rede social recuperada,
Feita de abraço, de voz alta e de risada,
Talvez fizesse a gente despertar...

A poesia

No dia a dia
Que nos atordoa
Arruma um tempo pra poesia:
Drummond,
Bandeira,
Gullar,
Pessoa,
A poesia
Cura taquicardia
E causa mais bem a São Paulo
Que a garoa,
Arruma um tempo
Ao ir na padaria,
Ao voltar do trabalho
Ao comer broa,
A poesia,
Na falta de um guia,
É justo ela
Que nos abençoa...

26.8.18

Onipresença

Nada escapa aos olhos da poesia:
O nascimento, a morte, a invalidez,
A tristeza profunda, a alegria,
Num mesmo verso, súditos e Reis,

Ninguém escapa ao poder da sua magia,
A poesia não respeita leis,
O amor, o desamor,  a homofobia,
Para a poesia tudo tem vez...

Por isso a poesia alcança tudo,
É como a flexa que atravessa o escudo
E chega livre ao coração do guerreiro...

Ah, poesia, íntima da vida,
Atenta à alma humana, distraída,
Iluminada poesia o tempo inteiro...

Arturzinho

Como e que já tá todo crescidinho,
Como é que tá ficando bochechudo,
Como tá gostoso esse Arturzinho,
De pele clara e nariz pontudo,

Já nem parece aquele menininho
Prematurinho, precisando de tudo,
Já sabe por a mão no seu rostinho,
Fechar os olhinhos e ficar mudo...

Ta muito esperto, todo gostoso,
Ta se sentindo todo poderoso,
Daqui a pouco tá pedindo pra ir embora,

Calma Arturzinho. Daqui a alguns gramas
Você já vai poder comer bananas...
Que bom acompanhar a sua história

21.8.18

Duas da madrugada

Já passa das 2 da madrugada,
Vômitos, calafrios, resfriados,
Nariz entupido, garganta inflamada,
Escabiose, gânglios aumentados,

Já passa das duas. Café. Água gelada.
Um pacote de biscoitos recheados.
Uma criança chega toda vomitada.
Um pai vem conversar embriagado

2 da manhã. Plantão de emergência.
Tudo tão básico. Sem muita ciência.
O homem sofre da dor comum.

2 da madrugada. A vida dorme.
O silêncio faz tudo parecer enorme.
Parece que só eu sem sono algum.

19.8.18

O menino

Ao meu irmão Celso

De onde ele veio não havia muita gente,
Não foi difícil reconhecer,
Sempre foi um menino diferente,
Seus olhos nunca foram olhos comuns de ver.

Sempre foi assim: calma aparente
Cobrindo um coração sempre a ferver.
O menino para os seus pais foi um presente,
Para os irmãos foi o melhor que ele podia ser...

1961. 21 de março.
Seus pais o envolveram num abraço
Que até hoje permanece assim...

O irmão querido. O filho querido.
O menino como um anjo renascido.
O menino e seu amor que não tem fim...

A noite

Tudo parece em volta adormecido
A rua. A temperatura. O movimento.
Silêncio. Não existe nada parecido.
A noite é uma casca com nada dentro.

Tudo aparentemente diluído.
Nenhuma voz. Somente a voz do vento.
A noite. Pedaço de tempo esquecido.
A noite. Como um apagão do tempo.

E nada que atrapalhe a poesia.
A noite mesmo a de calor é fria
Mesmo o ruído na noite não tem som.

A noite. Som que não se pronuncia
A noite. Como a gravidez do dia.
A noite. Semente do sonho bom.

O Artur imaginário

O pequenino Artur já vem chegando,
Se aproximando devagarinho,
Artur significa amor se costurando,
Artur, amor fortalecendo o ninho,

Tão pequenino e já significando
Tanta transformação, tanto carinho,
O pequenino Artur modificando
O que todos esperavam do caminho...

Já vem chegando, tão pequenino,
Gigante disfarçado de menino,
Um raiozinho de luz silencioso,

Tão silencioso e já tão amado,
Artur, bem vindo, moço abençoado,
E fruto de um amor maravilhoso..

Abelardo e Alexandra

32 anos. Abelardo e Alexandra.
Ah, como é bom estudar neurologia...
O coração é terra em quem ninguém manda,
E assim como o coração, a poesia...

32 anos. Como o tempo anda.
E com 2 filhos. Quem é que adivinharia?
Já da pra formar uma banda
Ou tomar conta de uma enfermaria.

Abelardo e Alexandra. Que bom saber
Que a vida é mestra em nos surpreender,
Que a vida gosta de ver a gente sonhar...

32 anos de boas histórias,
Casal retumbante de glórias
Que esse soneto torto vem brindar...

Nicodemos e jalao

Não é nada fácil ser pediatra hoje em dia:
É vocação pela sobrevivência.
Tentar ser feliz por teimosia.
Dosar conhecimento com paciência.

Os títulos tem pouca serventia,
O bom resultado é fruto da experiência.
Tratados não ensinam empatia.
Protocolos não facilitam a convivência.

Não é nada fácil, mas não tem jeito:
O prematurinho, o leite de peito,
Ver de perto um bebê tornar se um rapaz...

Não é nada fácil, mas é o que podemos.
Um brinde ao Jalao e ao Nicodemos
E aos bons tempos que não voltam mais...

O leite materno

Não some durante a greve dos caminhoneiros
Não precisa ir comprar nos supermercados
Faz bem para os bebezinhos brasileiros
Crescerem fortes e bem alimentados

E faz economizar muitos dinheiro
Que pode ser melhor utilizado
Para o bebê é como um bom companheiro
Para a mamãe é o amor reafirmado

O leite materno permitiu a humanidade
Sobreviver a toda sorte de calamidade
Chegando inteira aos dias atuais

O leite materno. Celebração da vida.
Maternidade que se faz engrandecida
Vida que torna a vida muito mais...

Artur

Nasceu Artur. Tarde de quarta feira.
Quando ninguém esperava, Artur nasceu.
Nasceu chorando, criança bagunceira,
Foi 8 a nota que recebeu.

Nasceu Artur. O peso tá na pulseira.
1150 gramas. A enfermeira escreveu.
Nasceu chutando tudo, e sem chuteira,
Como se o mundo inteiro fosse seu...

Nasceu Artur. Primeiro de agosto.
E já ganhou as primeiras gotas de colostro.
E já mostrou quanta vida quer viver.

Nasceu Artur. Pequenina alma apressada,
Que Deus ilumine, Artur, sua caminhada
Que já começa agora pra valer...

18.8.18

Faz de conta

Eu gosto de brincar de faz de conta
Que eu sei usar as palavras como deveria,
Criar frases que a gente inventa e monta
Como um quebra cabeça que se chama poesia...

Eu gosto de brincar. A vida apronta
E a gente usa a palavra como carta de alforria.
A dívida é nossa, mas o verso paga a conta,
E a liberdade... ainda que tardia...

Eu gosto de brincar. Nunca conheço
Como vai terminar cada começo,
E acabo sempre me surpreendendo

Porque a palavra que eu não imaginava
Vai completando o poema que brincava
Com meu coração enquanto eu ia escrevendo

Somos

Somos todos iguais. Braços dados ou não.
Somos filhos da mesma frágil consistência.
Da mesma fome. Do mesmo coração.
Da mesma sede de sobrevivência.

Braços dados ou não pisamos o mesmo chão
Vivemos sob a mesma dependência da ciência
Somos todos iguais. Sem exceção.
Iguais. Não há nenhuma diferença.

É sem sentido nenhum a divisão.
Somos todos iguais, como cantou a canção,
Somos os filhos da mesma essência,

Viemos da mesma forma de concepção
E a morte vai nos reduzir à mesma condição...
O que nos divide é nossa demência.

O time

O Brasil amanheceu desclassificado,
Havia um goleiro no caminho da seleção,
Perdeu a copa, mas foi bem remunerado
O time inteiro de Tite, o povo não...

O brasileiro amanheceu envergonhado,
Sem esperança no coração,
O time pode seguir despreocupado,
O time, não a população

Porque o país vai continuar sendo assaltado
Por um bando de delatores e delatados
Envergonhando a nação...

Ê povo ê, violentado,
Sem perceber que já tinha sido goleado
Enquanto sonhava em ser hexacampeão

Palavras de ordem

Saudades dos tempos em que eu acreditava
Nos atos públicos que quando moço eu ia,
E repetia palavras de ordem, e gritava,
E toda gente gritava. Parecia

Que ali na praça a gente revolucionava,
Tombava a ditadura, criava a democracia,
Eu não tinha medo nenhum, nem duvidava,
Eu era feliz assim mas nem sabia...

O tempo passou, e com o tempo a vida
Foi me tornando o homem que duvida
Do que há por trás de toda boa intenção,

E já não crê mais em palavras de ordem,
Nem na força das coisas que elas pensam que podem,
Nem nas promessas da revolução...

João

Hoje a primeira foto de João,
Em preto e branco como se fosse colorida,
Joãozinho que cabe na palma da mão,
Mas que nada toca tão forte a nossa vida,

A primeira foto, sem definição,
Mas quem é que precisa de imagem definida?
Qualquer borradinho já mexe com o coração...
A primeira foto, a foto mais curtida...

A primeira imagem ultrassonografada:
João na barriga da mamãe, mais nada,
E a família de João vibrando,

Um tempo novo cheio de alegria,
João. Mas poderia se chamar poesia,
Que bom saber que João está chegando...

Dias de plantão

Se eu soubesse cantarolar como um cantor,
Se eu entendesse de assar e cozinhar,
Tivesse o dom que tem um escritor,
Ou a habilidade de saber sapatear,

Se meu olhar fosse como o de um pintor,
Minha coragem a de um capitão do mar,
Meu preparo físico o de um corredor,
Se eu soubesse jogar como um Neymar...

Mas não... O que eu sei é tratar caganeira,
Não fico estressado com choradeira,
Nem com criança correndo de injeção...

Então meus dias assim são mais felizes:
Meu coração, minhas expertises,
Por isso eu não me importo em dar plantão...

Netos

A sobremesa da vida degustada
Em cada minimo movimento,
Criada para ser saboreada,
Fartando a vida desse alimento,

A sobremesa da vida, abençoada,
Quanta energia os netos carregam dentro,
Capaz de fazer nossa alma iluminada,
E clarear nosso pensamento...

A sobremesa da vida, cada neto,
Nenhuma tradução pra tanto afeto,
Pra tanta alegria, pra tanta emoção,

A sobremesa da vida. E o coração inquieto
Só se aquieta quando eles estão por perto,
Netos, pedaços do nosso coração...

Para Blanca

Qualquer coisa pode se transformar em poesia

Desde um programa de televisão
À morte lenta por asfixia,
Uma pedrada, uma roda de caminhão,
Um vento forte numa praia da Bahia,

Um buraco no chão
Até o moço que praticava pedofilia,
Nada escapa a ela, na minha opinião
Qualquer coisa pode se transformar em poesia

As vezes causa incômodo em quem lê,
As vezes tem tudo a ver,
As vezes não tem nenhuma motivação

Qualquer coisa com vida ou sem vida pode ser
Poesia e pronto. Basta escrever
E o resto pra mim é pura discussão