28.6.03

Poeminha em tres partes para as Criaturas Felizes


Parte I

As criaturas felizes se procriam,
Multimisturam-se na multidão.
Estão nos bares, estão nas baladas,
Estão na estrada cheias de paixão.

As criaturas felizes e seus sonhos
Possuem a Chave da Felicidade.
Passeiam distraidas pelas ruas.
Sorriem sem grande dificuldade.

As criaturas felizes não tem lágrimas.
Sao feitas de sorrisos. Só de beijos.
É bom ver criaturas tão felizes.

As pedras do caminho não perturbam
E basta um creme da cor da pele
Prá maquiar as suas cicatrizes.


Parte II

Entre os felizes há, entretanto,
Os que se bastam. Os autosuficientes.
Como se fossem cada instrumento
Que faz o som da Banda dos Contentes:

Violão, guitarra, baixo, bateria,
Pandeiro, luz, backing vocal. O show.
E tudo mais fosse quinquilharia.
E tudo mais fosse o que sobrou.

Entre os felizes há os egoistas
Que se embriagam nas pistas
Sem reparar a véspera da ressaca.

Como se a sua felicidade fosse eterna,
Ignoram o fim do querosene da lanterna
E não percebem a luz mais fraca.


Parte III

Já vi muito São Jorge cair da montaria,
Muito Albert Einstein perceber que errou.
Vi muito Hobin Hood errar a pontaria,
Já vi muito Pelé perder o gol.

Já vi muito Picasso errar a tinta,
Muito Drummond rasgar o que escreveu,
Muito Joãozinho esborrachar nos trinta,
Muito Cabral descobrir que se perdeu.

Já vi muito Armstrong desafinando.
Vi muito Príncipe mendigando,
Muito astronauta tropeçar na lua...

E compreendi que a felicidade
É um instantaneo da eternidade...
Eu aprendi que a vida continua...

13.6.03

Quase

Quem toma a parte
Como se fosse o todo
Faz como o bobo
Em seu ledo engano
Que nao percebe a perola que dorme sob o lodo
No fundo do Oceano.

11.6.03

A Caixa Guardada

O lider comunitario
De discurso influente
Tem uma filha deficiente.
O garoto viciado
Tem um pai que é Delegado.
O Presidente da Multinacional
Passou o fim de semana no Hospital.
O Cirurgiao Cardiovascular
Comprou um violao
Mas ainda nao aprendeu a dedilhar.
O poeta parnasiano
Salgou demais o bife por engano.
O filho do Rabino...
Trejeitos de menina em um menino...
A Cartomante
Nao esperava ser traida pelo amante.
A moça pobre, feia e favelada
Tem uma caixa guardada
Que ela nao mostra a ninguém.
(O que sera que contém?)
O Diretor da Escola Batista
Frequenta a casa da prostituta.
O velho bobo que não escuta
Fez uma musiquinha de ninar.
O Equilibrista
Bateu com o carro. Derrapou na Dutra.
O Terrorista
Viu um dos filhos se tornar budista.
A moça louca e desequilibrada
Deu de comer a uma criança abandonada.
O professor de Lingua Estrangeira
Jogou o lixo fora da lixeira.
O professor de Geografia
Nunca foi à Bahia
E o de Historia
Esta perdendo aos poucos a memoria.
O Lider Sindical
So ouve musica internacional.
O Presidente da Naçao
Passou as férias no exterior
E o guardiao
Perdeu para um sobrinho o seu amor.
A outra face da lua.
Os outros lados da rua
E da moeda.
A outra parte da Historia, a nao contada,
Tudo que ha por tras do anjo da guarda
E além da entrega.
Nunca se sabe.
Ninguem garante.
Ninguem pode afirmar
Com segurança.
Ha sempre alguma coisa além
Que o olhar,
Por mais atento,
Nunca alcança...

9.6.03

A Palavra Empenhada

Quando a palavra empenhada
É confirmada
E assumida
E é dada como garantia
(E presume-se que a palavra
Uma vez dada
É palavra garantida)
E se a palavra firmada
Confirmada
E definida
Não é cumprida
E é quebrada
E torna-se palavra desgastada,
E torna-se palavra destruída
Como se fosse letra sem palavra,
Promessa desprezada, nau perdida,
Caverna obstruída, voz calada,
Sentença anunciada e não cumprida,
Como se não significasse nada,
Palavra extraviada, escapulida,
Como se fosse coisa evaporada,
Como se fosse coisa proibida,
Assim,
Quando a palavra empenhada
(E a palavra empenhada
É dívida assumida)
É tratada como coisa destratada
E é tomada como coisa subtraída
Então
Quem oferece a palavra
E não assume a letra concedida
É como a doidivana tresloucada
Que desrespeita a sua própria vida,
Madeira ruim de árvore condenada,
Cesta de fruta nobre apodrecida,
Fonte de luz apagada,
Titanic no fundo do oceano,
Taça de cristal espatifada,
Certeza com gosto de engano...
Oferecer a palavra em garantia
E desonrar a palavra que se empenha
É como reinventar a hipocrisia,
É como desprezar a luz do dia,
É como perder a senha...