24.2.03

A palavra dada

Entra à vontade. A casa não tem portão.
Pode chegar.
Olhar não paga. Ficar não paga. Nem levar não.
Se quiser pode pegar
Porque não estraga.
Abre a boca. Abre os olhos. Abre a mão.
Se quiser pode copiar, clonar, distribuir.
Nem precisa pedir,
É só pegar.
Não desmonta, não desbota,
Não se gasta, não se esgota
E cabe em qualquer lugar:
Na cabeça, na viola,
Na hora de namorar,
Nas palavras do discurso de formatura,
No bar,
Na coisa não inventada,
Na conduta mais vulgar...
Pode entrar e pegar. Não paga nada.
Pode chegar e ficar.
Pode pegar só um terço ou só metade
Ou pode pegar inteira e ampliar.
Se não gostar, passsa a frente.
Se gostar, experimente
Rascunhar.
Não precisa ser moderna,
Nem careta, nem carente,
Nem católica, nem crente,
Basta ter necessidade de falar.
Não precisa ser perfeita,
Politicamente correta,
Sem defeito,
Pode ser só brincadeira de rimar.
Pode entrar. Fica à vontade.
E não repare na simplicidade
Do lugar.
Mas não estranha.
Tem dia
Que sair por ai pra ler poesia
Pode dar uma vontade de chorar...
Por isso não precisa disfarçar.
Pode entrar.
Pode pegar.
Selecionar,
Copiar,
Colar
E encaminhar.
Fique à vontade.
A poesia se chama liberdade
Ou companhia
Ou alimento...
E mesmo quando contém felicidade,
E mesmo quando é pedaços de lamento,
E mesmo quando se perde na saudade,
E mesmo quando disfarça o sofrimento,
E mesmo quando é metade,
E mesmo quando ultrapassa os cem por cento,
A poesia é assim:
Convidativa.
Não tem limite,
Nem hora,
Nem tem tempo
Nem lugar.
Não tem fronteira,
Nem freio,
Não tem hora de recreio,
Não tem muro
Mas tem mar.
Por isso pode chegar.
Fica à vontade.
Por distração ou por necessidade,
Por prazer ou por acaso, pode entrar...
Não paga nada.
A poesia é assim:
Prá ser escrita e lida e copiada.
Palavra feita prá criar palavra.
Palavra dada
Que não se pode privatizar.
Palavra dada
Que não se pode tomar.
Palavra dada
Fundamental feito o ar.
Palavra dada.
Não é preciso pedir.
Pode levar.









18.2.03

Poema non-sense

Quase nada no mundo me convence.
A vida é cheia de contradição.
Como pode ter Catullo da Paixão Cearense
Nascido no Maranhão?

17.2.03

Poema da Despedida
Escrito em dezembro de 1999 quando em meu coração chovia. Perdi este poema e hoje encontrei-o por acaso ao arrumar meus papéis. Sempre me intriga imaginar como tive o dominio para escrêve-lo num periodo em que me encontrava tão desencontrado. E hoje, sempre quando o releio, impressiona-me encontrar nele sinais de rumo, de recaminho, de recomeço naquele tempo de tanta aridez... Quem há de compreender a inspiração? Se o verso é calmo e a alma é tão aflita como é que o verso vem do coração?
Ei-lo.


Redesenhar os caminhos
Por sobre as águas do mar...
Redescobrir novos rumos
E navegar... Navegar...
Buscar pouso em terra firme.
Aprender como chegar.
Atravessar tempestades
Sem medo de naufragar.
Há muito deixei meu porto,
Minha cidade, meu lar...
Descobri novos poetas,
Novas formas de rimar,
Novas vozes, novos cantos,
Novo jeito de dançar.
Há muito deixei, eu lembro,
Meus amigos de brincar.
Conheci novas paisagens.
Vi vento novo soprar
Trazendo novos aromas
Gostosos de respirar.
Vivenciei esses dias
A ponto de me tornar
Autor de novas poesias
Que aprendi a rabiscar.
Mas de seguir navegando
Por sobre as águas do mar
Eu fui me desgovernando
Até me desgovernar.
Hoje, solto no oceano,
Ainda sei flutuar.
Ainda busco caminhos,
Ainda quero ancorar.
Ainda que mais sozinho
Do que fui ao começar,
Ainda que em desalinho,
Preciso lançar-me ao mar.
Redescobrir novos rumos,
Novos poemas criar,
Atravessando tormentas
Sem me desestruturar.
Recomeço a minha estória.
Desconheço onde vai dar.
Meu verso é a minha escora,
Meu lenço de não chorar.
Eu levo, na despedida,
Eterno recomeçar,
Lembranças da minha vida
Que o tempo não vai levar:
O carinho dos amigos,
O amor que me fez sonhar,
As horas tristes e as boas
De que aprendi a gostar.
As madrugadas em claro
Sem ver a luz do luar.
Os tantos versos escritos
Que eu não soube declamar.
Tantos fatos tão bonitos
Que já nem sei separar
O que é de mim, o que posso
E o que não posso levar.
Há muito deixei, tranquilo,
Na ânsia de navegar,
Meu porto, seguro e firme,
Mas muito menor que o mar.
E hoje, na despedida,
Não vou precisar chorar.
Ainda me resta a vida,
Ainda quero sonhar,
Ainda que enfraquecida
A voz ainda quer cantar,
Ainda que à deriva
Sobre a imensidão do mar,
A nau não está perdida
Porque sabe flutuar.
Nessa hora da partida
Ainda quero buscar
O canto dos novos rumos,
As notas de um novo lar,
Os versos de um novo tempo,
Poemas de renovar...
Meu pai tem muitas moradas,
Alguma há de me abrigar.
Ainda que faça noite...
Ainda que falte o ar...
Ainda que eu sinta frio...
Ainda que eu perca o mar...
Na despedida eu escrevo
Prá que eu possa me lembrar:
Redesenhar os caminhos
Por sobre as águas do mar...
Redescobrir novos rumos
E navegar... Navegar...
Da minha maneira...

Eu vou vivendo...
Às vezes fico meio chateado.
Às vezes fico meio sonolento.
Às vezes ando meio que de lado.
Às vezes quase parado.
Às vezes corro mais que o pensamento.
E vou levando.
Às vezes como quem vai se enganando.
Às vezes carregado de razão.
Às vezes é razão que vai me guiando.
Às vezes é o coração.
E vou dizendo.
Às vezes vou escrevendo.
Às vezes cantarolando.
Às vezes fico só observando.
Às vezes fico me intrometendo.
Às vezes fico sabendo.
Às vezes finjo que não estou entendendo.
Eu vou gostando.
Às vezes nem tanto.
Às vezes demais da conta.
Às vezes eu admito que me espanto
Com as contas que a vida apronta.
E vou colhendo.
Às vezes eu vou plantando.
Às vezes eu me pego prometendo.
Às vezes eu me apanho sonegando.
Às vezes eu me pego devolvendo.
Às vezes eu me pego despistando.
Às vezes eu me pego dependendo.
Eu vou tentando.
Às vezes é um toró que vai caindo.
Às vezes um friozinho incomodando.
Às vezes amanhece um sol tão lindo.
Às vezes anoitece trovejando.
Às vezes nem percebo e eu estou rindo.
Às vezes, sem motivo, estou chorando.
Às vezes, à tardinha, um vento frio.
Às vezes só calor e insolação.
Às vezes tudo em volta é tão vazio.
Vazando todo meu coração.
Mas eu vou bem.
Apesar do pesar do dia a dia.
Às vezes não preciso ver ninguém.
Às vezes eu procuro companhia.
Às vezes eu me faço de refém
Da poesia.
Às vezes numa folha de papel tudo é tão zen
Que eu nem sabia...
Quitanda de Versos
Escrito recuperado por acaso ao encontrar esta página inicial de uma compilação que tentei fazer dos meus escritos e que ao rele-lo resolvi dividi-lo aqui no blog...
Isso que dá entrar em férias, revisar e futucar papeladas que dormiam...


Não espere encontrar numa quitanda o artigo fino que você procura.
Procure ali ovo da roça, a goiabada caseira, o feijão, a fruta colhida do pé...
A mercadoria comum. O diário. O simples. O fácil. O óbvio.
Foi assim que acabei fazendo destas páginas a minha Quitanda de Versos.
Gravando nelas minha letra comum, diária, simples, fácil e exatamente óbvia.
Não sei escrever o verso elegante de Drummond, Bandeira, Mário, Gullar, Vinicius...
Não me reconheço como poeta.
Quasepoeta talvez, de algum modo, em alguns momentos.
Ficou guardado em mim o menino que aprendeu rimar com Castro Alves.
Que continua encantado pelos Laços de Fita.
Que encontrou um jeito pessoal de dizer Bom Dia diferente.
E as vezes nem bom dia, exatamente...
Mas reinventar a poesia diariamente...
E assim plantando a letra inconformada com a palavra escrita e ritimada, vai colhendo poesia em cada pagina de papel abandonada...
Não espere encontrar aqui a forma perfeita do verso correto, o poema completo...
Mas a palavra suave de uma pessoa comum que se esqueceu com dizer Bom Dia...
Por isso diz: poesia...
Simples, diária, fácil e exatamente óbvia...
Como é o dia quando a gente diz Bom Dia.
Como é o dia quando a gente faz poesia...
Como é a poesia todo dia...
Esta é a minha Quitanda de Versos...
Mais nada.
Campos, 30 de setembro de 2000
Convite

Tomar meu carinho,
Cruzar meu caminho,
Descansar no silencio do meu coração...
Deitar no meu ombro,
Brincar no meu colo,
Volitar nas palavras da minha canção...

Beber do meu copo,
Escutar o meu sopro,
Dizer sempre que sim, nunca dizer que não...
Adivinhar pensamentos,
Regar sentimentos,
Nunca mais as mazelas da desatenção...

Sonhar acordada,
Virar madrugada,
Deitada, dormir descansada no chão...
Andar de mão dada,
Alma acompanhada,
Desaprender a palavra solidão...
A Moeda
Uma pessoa, que sempre se passou por amiga, tomou-me por emprástimo um valor que eu iria precisar logo adiante. Esquecendo todas as regras de decencia e gratidão, essa pessoa resolveu não me devolver o valor emprestado, causando-me dificuldades, e não me apresentar quaisquer justificativa além de me evitar. À ela, meu poema.

Eu te ajudei quando tu precisaste.
Não fiz questão nenhuma de ajudar.
Tomaste-me emprestado aquele dia
A moeda cuja falta de fazia.
Eu te ajudei sem nada perguntar.

E nada eu te emprestei das minhas sobras
Mas do que eu ia, em breve, precisar.
Levaste a moeda inteira que pediste.
Pegaste a moeda. Depois sumiste.
Tomaste-me emprestado sem pagar.

Mas nada te entreguei do que sobrava,
Do que eu podia desperdiçar...
E já sabias, desde o teu pedido
Prontamente atendido,
Que eu te emprestei sem poder emprestar.

Mas mesmo assim não destes mais noticias.
O que emprestei não era prá te dar.
Eu nada te passei do que sobrava.
Somente te ajudei. Não precisava,
Por pagamento, me prejudicar.

Tomaste-me a moeda. A que querias.
Respeito? Gratidão? Decencia? Nada.
Não percebeste, entretanto, que a moeda
Que tu levaste é a que trará a tua queda
E que por ela serás condenada.


8.2.03

A Fortaleza do Ceará
Escrito em fevereiro de 2003, durante uma visita à Fortaleza, CE.
Dedicado ao povo cearense.
Os primeiros versos deste poema rascunhei no livro de visitas do Museu Histórico de Fortaleza


Donde Ceará que vem
A Fortaleza desse lugar?
De que brisa pequenina?
De que solina gigante,
Deliciosa feito o suco da cajuína
E impressionante?
Vem do passeio de jegue?
Vem do passeio de jipe?
Vem de Canoa Quebrada?
Das velas do Mucuripe?
Da Broadway de Canoa, nouveau-hippie?
Vem da castanha de caju torrada?
Do Padre Tito?
De Patativa?
Da força da poesia de cordel?
Vem de Cumbuco? Vem da paçoca?
Da tapioca?
Da virgem dos lábios de mel?
Do canto da graúna, delicado?
Do ritmo do forró de pe de serra?
Desse seu jeito de falar cantado?
Daonde a Fortaleza da sua terra?
Das romarias em Juazeiro?
Do seu Santo Padim Ciço milagreiro?
Do fôlego sem fim da sua embolada?
Do repentista? Do violeiro?
Do boiadeiro?
Da sua sanfona de voz forrozeada?
Vem do repente? Do mote? Do motivo?
Da poesia que brota da sua gente?
Do seu encanto sem adjetivo?
Da sua fala malemolente?
Vem do sabor dos lábios de Iracema?
Da tanta vida que há na carnaúba?
Da sua gente de pele morena?
Da sua dose de pinga que derruba?
Das suas fontes?
Das suas pontes?
Do seu gosto de castanha?
Desse seu modo moleque arrodiado?
Do seu humor arretado?
Da sua ginga com mandinga e manha?
Vem do baião que é de dois mesmo sozinho?
Do doce da rapadura?
Da sua cerveja com sabor de vinho?
Do seu sertão tão sofrido de secura?
Donde Ceará que tanta força brota?
De Canoa? Da Serra? Da Aldeota?
Do lamento sertanejo?
Do sol que nunca se esconde?
Ceará de onde?
Da quinta com caranguejo?
Daonde essa energia contagiante
Que vem de dentro da sua gente?
Daonde? Desse jeito cativante
De se seguir adiante e sempre em frente,
Superando a dureza castigante,
Transformando em canção a dor pungente,
Fazendo a poesia impressionante
Que sai da alma de um povo crente?
Daonde é que vem? Me conta,
Me aponta,
Pra que eu possa só olhar...
A Fortaleza, nome da cidade
Que de hoje em diante significa ingenuidade...
A Fortaleza... De onde Ceará?

3.2.03

Poema Aéreo
Escrito hoje em algum lugar do céu brasileiro entre Rio e Ceará.

_Janela ou corredor,
Senhor?
_Que é isso, dona?
Eu preferia mesmo uma poltrona!!!

2.2.03

Poema Mudo

Há um silencio na morte,
Estranho,
Silencio semelhante à noite escura.
Silencio do coração apertando
Ao ver o corpo descer a sepultura.