24.4.12

A poesia

A poesia sopra onde quer,
Não obedece hora nem lugar,
Não pertence ao homem, não é da mulher,
A poesia é de quem sabe escutar...

A poesia é livre, haja o que houver,
Nada a consegue calar,
Vive da forma e pelo tempo que quizer,
Escolhe o próprio tempo de acabar...

A poesia caminha sem fonteiras,
Entre improvisos e rimas faladeiras,
Entre paragrafos e descobertas...

Sopra onde quer e quer o inesperado,
Como um soneto que não estava programado,
Movimentando a vida dos poetas...

19.4.12

O silencio

(para o silencio de Carol)

Eu hoje não quero dizer de nada,
Preciso um pouco de me silenciar.
A voz, às vezes, é agua contaminada
Que a gente dá, sem querer, de se afogar.

Por isso prefiro assim: voz silenciada.
Às vezes é preciso silencio pra escutar.
A voz, usada demais, fica cansada,
E fala coisas que não eram pra falar...

Silencio então. A voz, quando calada,
É mais facil de ser ouvida que a falada
E as vezes mais simples de se interpretar...

Silencio. Como uma musica imaginada...
Silencio. Como uma criança amamentada.
Silencio. Como parar de respirar.

A segunda chance

(Arrependimento e perdão)
(Para minha amiga Renata Estrela Sturião)


Não nasce ou vive de um se arrepender,
Não frutifica de um não mais errar,
Embora isso é o que possa parecer,
Embora isso é o que se tente provar,
Mas não é isso que a faz nascer,
Mas não é isso que a faz vingar,
Não dá de alimentar, não faz crescer,
Arrepender-se não é o que faz voltar...

Uma segunda palavra tem o poder
De fazer essa segunda chance perdurar,
De deixar essa segunda chance acontecer,
De permitir a essa segunda chance se firmar,
Uma segunda palavra é a que vai dizer,
A que traz o significado de mostrar
As possibilidades de viver,
As possibilidades de durar...

Uma palavra que é mais que se arrepender...
Uma segunda palavra: perdoar

18.4.12

A lama que te espera...


Acostuma-te com a lama que te espera:
O câncer, o aneurisma, a solidão,
A poluição destruindo a biosfera,
A vida morrendo pela poluição...

O infarto, o aborto, a dor que dilacera,
A estupidez humana, a ingratidão,
O homem e sua necessidade de ser fera,
O homem e sua ideia fixa por dominação...

Acostuma-te, não há outro jeito.
Fazes o que tem de ser feito
E tenta, apesar de tudo, sobreviver...

Acostuma-te, e segue sempre adiante,
Como um Davi diante de um gigante,
Porque de outra forma não pode ser...

13.4.12

13 de abril


(Ao meu pai, Clóvis Tavares)

I
13 de abril. O corpo já não respira.
Os olhos já não respondem nosso olhar,
Eu tentava acreditar que era mentira,
Eu juro que eu não queria acreditar

Naquele 13 de abril que não se expira,
Como uma fonte que recusa-se a secar,
Como um ponteiro do tempo que não gira,
Como um ruído que não me deixa sonhar.

13 de abril de 1984.
O volvo, imperdoável como um infarto,
Arruína suas possibilidades. Sem saida ...

13 de abril. Aquele dia ingrato
Era apenas o sinal de um novo ato
Do grande espetáculo que será sempre a sua vida.

II
Imagino sua visita inesperada,
Aquele seu jeito doce novamente,
A sua palavra boa na sua voz pausada,
A sua voz pausada, mas pungente,

Imagino sua visita assim, do nada,
Almoçando hoje de novo com a gente,
Aquela sua simplicidade exagerada,
Aquela sua simplicidade comovente,

Imagino sua visita nesse dia,
Inesperada alegria
Tomando conta do nosso coração...

Imagino sua visita e eu, de joelhos,
Silencioso, ouvindo seus conselhos,
Quase em silencio, pedindo seu perdão...

III
Mas sempre chega a hora de ir embora
Que é a mesma hora de recomeçar.
Faz tanto frio e insensatez lá fora,
Faz tanta falta ouvir sua voz falar...

Mas chega. E mesmo que fora de hora,
Despedir não é o mesmo que acabar.
Recomeçar é difícil. Às vezes demora,
Mas despedir é um convite pra continuar.

Saudades suas, meu pai. Recomeçamos.
Saudades feitas de perdas e danos.
Saudades suas, meu pai, meu professor.

Saudades em lagrimas que a poesia disfarçada
Transforma em palavra rimada...
Saudades suas, meu pai e meu amor...

11.4.12

Pedidinho à chuva


"Chuva irritante! Me deixa trabalhar?" (minha amiga Bruna Gama, no facebook, agora há pouco...)

Ei, chuva, você não devia irritar a Bruna,
Porque não deixa a Bruna trabalhar?
Porque não vai lá pra Saracuruna,
Tão precisando de você por lá...

Já experimentou desaguar em Inhauma?
Já conhece o interior do Ceará?
Ainda não? Então vai lá, se arruma,
E chove onde você precisa estar...

Mas Bruna quer trabalhar. Não atrapalha.
É pecado atrapalhar quem trabalha,
E eu sei, chuva, que você não quer pecar,

Quer só chover um pouquinho, chuva boa,
Então... Vai chover lá em João Pessoa,
Eu garanto que assim Bruna vai gostar...

8.4.12

A trangressão

I
A gente se acostuma com o silencio,
A gente se acostuma com a solidão,
A gente só não se acostuma com a maldade,
A gente só não se acostuma com a ingratidão,

A gente se acostuma com a falta de festa,
A gente se acostuma com a falta de pão,
A gente só não se acostuma com o veneno,
A gente só não se acostuma com a falsa acusação,

A gente se acostuma com a morte,
A gente se acostuma com o tumor maligno,
A gente se acostuma com a convulsão,

A gente só não se acostuma com o ódio barato,
A gente só não se acostuma com a prepotencia,
A gente só não se acostuma com a pedra no lugar do coração

II
Porque a morte, a dor de dente, a hipocondria,
A azia, a barriga vazia, a hipertensão,
A asma, a cegueira e a fratura da bacia
São parte da vida, não fazem mal não,

Mas, de outro modo, a frieza, a covardia,
A arrogancia, a perseguição,
A estupidez, a raiva e a antipatia
São como sinais de decomposição...

Uma coisa é o que é comum a toda gente,
A vida diária, aparentemente,
A vida e suas dores com ou sem solução,

Outra coisa é a vida morta e doentia,
O que se torna e nunca deveria,
A dor causada pela trangressão...

III
Por isso a gente se acostuma com a tristeza,
Com a enxaqueca e com a depressao...
Com o ódio ou com a intolerancia? Nunca...
Nem toda dor merece aceitação...

A gente se acostuma com o afogamento,
Com a morte causada pela infecção,
Mas com a dor resultante da calunia? Nunca...
Tem dor que não é digna de consideração...

Não causam mal as dores inevitáveis,
Dessas que não nos tornam miseráveis,
Nem nos transformam em montes de podridão...

Deus nos proteja das dores sem sentido,
As dores que não deveriam ter nascido,
As dores do mal sem nome e sem perdão...

7.4.12

Vinha de Luz

A poesia tem lugar pro medo,
A poesia tem lugar pra dor,
Pro homem do campo que acorda cedo,
Pro homem da cidade, sonhador,

Pra letra equivocada do samba-enredo,
Pra moça que motiva o cantador,
Pro bicho do pé na ponta do dedo,
Pro dedo sobre a pétala da flor,

A poesia tem lugar pra tudo:
Do cinema em 3D ao cinema mudo
A poesia sabe e traduz...

E não há nada que escapa à poesia,
Taça de tudo que nunca se esvazia,
Cheiro de uva da Vinha de Luz...

6.4.12

De todas as maneiras


A poesia é feita de desassossego,
De destempero, de hipocrisia,
De rima em tupi guarani, de verso em grego,
De escravidão, de carta de alforria,

Feita de desespero e desemprego,
Da tempestade em plena luz do dia,
Da explosão de uma cabeça de nego*,
Da distração do pássaro que assovia,

A poesia é feita da mãe que amamenta
O filho de colo que já se sustenta,
Mas nela cabem também as mamadeiras

Porque nada é estranho ou avesso à poesia,
A vida inteira é a sua garantia,
A poesia, de todas as maneiras...

* nome popular de um tipo de bomba de efeito sonoro estrondoso muito utilizada nas festas do interior e juninas na minha infancia, sem nenhuma referencia a qualquer forma de preconceito discriminação racial

O enforcado


E tendo ele atirado para dentro do santuário as moedas de prata, retirou-se, e foi enforcar-se (Mateus, 27:5)

O corpo de um homem
Morto,
Sem nome,
Dependurado,
Pálido,
Frio,
Pescoço torto,
E enrijecido,
E de olhar encovado,
O corpo de um homem
Morto,
Solitário,
Abandonado,
A morte, como se não existisse despedida,
O fim da vida, como se não fosse pecado,
Terá tirado de si mesmo a própria vida
Ou terá sido cruelmente assassinado?
O corpo de um homem morto,
Sozinho,
Desarrumado,
A alma aparentemente tão moída,
O corpo aparentemente tão magoado,
Como quem tenta se livrar de uma ferida,
E acaba pela ferida eliminado,
O corpo de um homem
Sem nome,
Sem vida,
Dependurado,
Terá buscado na morte descansar
Aliviado?
Terá de algum crime se arrependido?
De que terá se esquivado?
Seus olhos, por que parecem
Os de um menino assustado?
O que viram,
O que deram,
O que terão desejado?
Ouviu o que não queria?
Pediu e lhe foi negado?
Falou o que não poderia
Ter falado?
Os pés descalços do morto
Por onde terão andado?
Até quão longe seguiram?
Por que voltaram
Para morrerem com o homem,
Como se a morte apagasse
O percurso caminhado?
Porque o corpo do homem
Morto
Parece ali tão cansado?
Suas mãos, porque assim tão graves,
De aspecto tão pesado?
Que coisas trazia nelas
Que o teriam apavorado?
O que terão recebido?
O que terão entregado?
Que gestos terão livremente permitido?
Pra onde terão apontado?
E a boca morta do homem
Sem nome,
Dependurado,
Que coisas terá dito? E sobre quem?
Que acordos terá selado?
Qual foi seu ultimo grito?
Que coisas terá garantido pro seu bem?
Que gentes terá delatado?
Por que desejos inconfessos foi traído?
Por que gestos inconfessos foi culpado?
O corpo do homem morto,
O homem,
Resto,
Largado,
E umas moedas espalhadas pelo chão
Bem ao seu lado,
Será que as terá perdido
Ou terá delas se desinteressado?
Será que o corpo do morto
É o corpo de um bandido?
Será o corpo de um homem
Muito rico
Disfarçado?
E de que serviu,
Se bandido ou rico,
Aquele ouro espalhado,
Se em pouco tempo
Encontrado,
O ouro vai ser dividido,
E o corpo do homem morto
Não o terá levado...
O corpo do homem morto,
Sozinho,
Como um coitado,
Que terá afinal acontecido?
Que coisas terríveis terá testemunhado?
Que gente traiu?
Por que gente foi traído?
Que dor o terá frustrado?
Terá gritado?
Sofrido?
Quem o terá escutado?
Terá, de algum modo, se arrependido?
Terá se desesperado?
Quem o terá convencido?
Quem o terá apoiado?
Terá sido persuadido?
Terá sido contrariado?
Por que esse fim tão doído?
Que coisas terá vivido?
Com quem terá conversado?
Por quem terá se iludido?
Que culpas terá levado?
Que dores terá colhido?
Que dores terá plantado?
Algo o terá convencido
A morrer desse modo desgraçado?
Que culpa o terá ferido?
Que culpa o terá matado?
O que o terá induzido
Que não pudesse ter sido
Perdoado?
O corpo do homem,
Morto,
Entristecido,
Gelado,
O morto que desejou ser esquecido,
O homem que será pra sempre
Desse jeito
Recordado,
O homem,
Sem nome,
Morto,
O morto,
Dependurado,
O corpo do homem,
Roto
E mal vestido,
O gesto desiludido
No olhar desfigurado,
O homem morto
E seu corpo,
Destruído,
Amargurado,
Sem nome
O corpo do homem,
Coitado,
Morto,
O enforcado ...

5.4.12

Amanhecendo quinta...


Adoro quando vai amanhecendo quinta,
Adoro quando
A hora vai beirando as 5 e 30,
E a quinta vai aos pouquinhos acordando.

Não é que eu ache que a sexta feira minta,
Ou que a quarta passe o dia me enganando,
Ou que eu pense que a segunda, quando pinta,
Traz a semana inteira me encarando,

Mas quinta quando chega, desde manhãzinha,
É como o cheiro do café lá na cozinha
Me chamando:

_Acorda menino, já são quase seis,
_Acorda menino, não dorme outra vez,
_O fim de semana já vem chegando...

4.4.12

As noites das quartas...


As noites quentes das quartas feiras,
Especialmente as noites das quartas,
São invariavelmente espreguiçadeiras,
Propicias pros sonetos e pras cartas

De amor eterno, de paixões passageiras,
Pra todos os nomes, com todas as datas,
As noites quentes, como as chaleiras,
As noites escuras, como os grãos de zaatar...

Eu gosto das quartas, quando a noite chega,
Trazendo palavras leves como a seda,
Tocando o coração do trovador,

Que, como um parteiro, vê nascer o verso
Inteiro, enxuto, quase sem excesso,
Das noites quentes das quartas sem dor...

As vésperas de feriado...


As vésperas de feriado são apropriadas
Para escrever sonetos sem maldade,
São como adubos pras frases inventadas,
São como doces para a mocidade,

Parecem naturalmente temperadas,
Provocam na gente uma necessidade
De ir escrevendo palavras rimadas,
É própria delas essa facilidade...

As vésperas de feriado, datas próprias,
São como rabiscos sem cópias:
Não se repetem, não se imitam,

A nada se comparam as vésperas de feriado,
São como cristal encantado
Para aqueles que acreditam...

3.4.12

As crianças

As crianças com febre, as encatarradas,
As com broncoespasmo, as com anemia,
As bem cuidadas, as mal cuidadas,
As vitimadas pela paralisia,

As crianças politraumatizadas,
As com purpura por trombocitopenia,
As sindromicas, as mortas, as desenganadas,
As desaparecidas de cada dia,

As prematuras, as malformadas,
As crianças filhas de mães drogadas,
As internadas por disenteria,

Por serem crianças, necessitam ser tradadas
Como pedras preciosas lapidadas,
Absolutamente próprias pra poesia...

A poesia às terças...

As manhãs das terças feiras, todas elas,
São próprias pra fazer versos brincando,
Como as couves são próprias pras panelas,
E as cordas, pro violonista ir dedilhando.

Manhãs das terças, quase sempre belas,
Quando não muito, vão se maquiando,
Como as moças solteironas nas janelas,
Como as meninas, nas praias, desfilando.

Por isso adoro as manhãs das terças feiras,
Feitas de versos de todas as maneiras:
Livres, metrificados, rimados ou não,

Dissonantes, certinhos, desconcertantes,
Subitos versos, diários, inconstantes,
Das manhãs das terças, pura distração...