29.7.02

Auto-retrato

Passarinho de alma cigarreira,
É feito só de canto o meu caminho...
A minha solidão é passageira...
Meu modo de escrever é passarinho

De alma cigarrinha. E vou cantando.
A vida que há em mim vai me vivendo,
O som da vida me dedilhando,
Enquanto a poesia me escrevendo...

Passarinho de alma cantadeira
Que canta poesia a vida inteira,
Não há nenhuma outra vida em mim...

Passarinho de alma cancioneira...
Meu estaleiro e ninho e minha esteira
Enquanto eu canto, ao vento, Borzeguim...

26.7.02

As dores piores
..."sinto ter ferido teu coração. Mas sei, pelo que ferem o meu, que a dor
passa... e que existem dores muito piores"... (de um mail recebido)


A pior dor é a dor que tu provocas...
O pecado mais forte é o que cometes...
O mais torto dos rumos é o que entortas...
A pior agressão é a que fizeste...

A doença mais grave é a que transmites...
O castigo mais cruel é o que castigas...
A mentira mais falsa é a que mentistes...
E a em que te envolves é a pior das brigas...

Portanto, entre o mal que tu aplicas
E o outro mal, o mal que tu recebes,
E o mal que por ai tantos semeiam,

O mais danoso sempre é o mal que causas
Poi não há dor maior que a dor que geras
E o mal que lanças aos que te rodeiam...

24.7.02

A outra forma de amar

Amor que não vira beijo vira brisa
Amor que não vira toque vira olhar
Amor que não vira mão que toca e alisa
Vira uma outra forma além do amar...

Amor que não vira boca vira rima
Amor que não vira lingua vira vento
Amor que não vira corpo contamina
A natureza do pensamento...

Amar amor que não vira
Mordida fixação calor desejo
Carinho pele caricia beijo mão

É feito um amar de amor que não se expira
Porque não contem segredo nem mentira
Porque é matéria do coração...

16.7.02

Sobre a Dor
Carta a uma amiga

Dor...
Poetas e cientistas tentam decifrar-lhe a causa, descobrir-lhe a cura...
Pastores e padres tentam aliviar-lhe o peso...
Deus, em sua magnitude, ainda permite a sua existencia sem deixar com isso
de expressar o seu amor infinito aos homens...
Mas ei-la...
A dor...
Pedaço de quase tudo que a gente vive...
Caminho de quase tudo que a gente anda...
Tonalidade de quase tudo que a gente olha...
Recordo-me da palavra santa do grande Gilberto Gil quando, um ano
após perder o filho num acidente estupido...
Foi num programa de Silvio Santos...
O Silvio perguntou a ele sobre a impressão que ele tinha naquele momento,
uma ano depois, sobre a perda do filho...
Gil, manso e delicado, permitiu-se dizer que compreendia que não havia sido
escolhido por Deus para sofrer...
Que o sofrimento por que ele passou era também o sofrimento de muitos outros
que no Brasil e no mundo vivem a mesma estória da mesma perda...
E essa mesma estória o irmanava...
E de alguma forma, ao coração do poeta, suavizava a sua dor...
Aprendi, naquele momento, aquela lição...
A de não termos sido especialmente escolhidos por Deus para viver esta ou
aquela dor...
A lição de nos irmanarmos na dor...
Nos unirmos na dor...
Como diz o poema de Mário de Andrasde: " nem me sinto mais só, dissolvido
nos homens..."
Que a dor nos dissolva em meio à humanidade...
Como médico vivo a dor diariamente...
Como homem do mesmo modo eu a sinto e luto contra ela entre uma e outra vez
que à ela me entrego...
Aprendi que a dor mais importante é a que nos aflige...
Não há, para mim, dores menos ou mais importantes...
A pior dor é aquela que nos toma...
E é essa a que devemos eliminar ou aceitar, conforme a sua natureza...
Aceitar dores elimináveis é uma entrega suicida...
Lutar contra dores inevitáveis é um martírio sem fim...
Há dores, portanto, que resolvi considerar amigas...
Dores que por sua natureza são indissoluveis...
Como a que senti e sinto quando falo do meu pai que já partiu...
E há as outras, contra as quais luto e lutamos todos diariamente...
A sabedoria esta em saber discernir uma da outra...
Quero, em Deus, estar ao seu lado para te prestar todo o apoio de que
necessitas para que passe do melhor modo possivel por este momento de dor
que te irmana hoje com a humanidade inteira que de algum modo sofre...
Dor que em nenhum momento configura a falta do amor infinito de Deus por nós...
Dor que venceremos de um modo ou de outro...
Leva de recordação um poema que escrevi enquanto algo doía em mim...
Oro por voce...
Pelos que moram no seu coração...
Pelo carinho dos que te querem bem...
Que tanta energia a teu favor te torne forte...
Se for inconsistente para te trazer a força, que te traga a resistencia da
serenidade...
Esperaremos dias tranquilos...
Um beijo de quem muito te quer bem.
Luis.


A Dor Amiga

Chamei a dor Minha Amiga...
Convidei-a para entrar...
Fiz pra ela uma cantiga
Tirei ela pra dançar...
Cuei um café quentinho...
Pus a mesa de jantar...
Sentei dela bem juntinho...
Até a dor se alegrar...
Eu dei à dor o carinho
Que a gente costuma dar
À um parente, a um vizinho,
A alguém do nosso lar...
Hoje a dor é minha amiga,
Já não me causa matar...
Não maltrata, não castiga,
Não tenta me machucar...
A dor, que mora comigo,
Não pode me abandonar.
Por isso já não consigo
Sorrir sem também chorar.
Porque se a dor não me mata
Nem me faz desesperar,
Nem me fere, nem maltrata,
Nem tenta me asfixiar,
Também não me deixa livre,
Não se despede de mim...
Ficou em mim e hoje vive
No meu coração, assim:
Não me fere nem me cura,
Não me seca nem sacia,
Não me atira em noite escura,
Não me larga à luz do dia...
Chamei a dor Minha Amiga...
Eu disse à dor: Pode entrar...
Eu dei à dor minha vida
E pude então descansar...

15.7.02

Súplica ao Poema

Livrai-me, Poesia, da maldade.
Da que me cerca e da que habita em mim...
Da falta de paciencia e de verdade...
Da voz danosa e má, do tempo ruim...

Do mal-me-quer livrai-me, Poesia...
Das grandes unhas da solidão...
Livrai-me do ócio, da má companhia
E dessa dor que arranha o coração...

E da mediocridade, e do desprezo
Livrai-me, poesia, desse peso...
Livrai-me, poesia, dessa treva...

E, para que eu não fique mais sozinho,
Transforma-te, Poesia, em meu caminho
Como se fosse um rio que me leva...

9.7.02

Soneto para Anna Clara
Anna Clara nasceu em 22 de março de 2001 em morte aparente pesando 1100 gramas. Após 40 dias teve alta da Santa Casa de Misericórdia de Campos mamando exclusivamente ao seio até os 4 meses de idade. (Anna foi um bebe-canguru). Hoje, com mais de um ano, Anna é um milagre vivo do amor de Deus...

Pula da cama, fala , corre, grita,
Levada, deita e rola... ela não para...
E bate e mama e chuta, e foge e brinca...
De onde é que vem o pique de Anna Clara?

De qual estrela iluminada e santa?
De qual palavra? De que pensamento?
Como se fosse luz que não se espanta...
Como se fosse só contentamento...

Apresentada, é sempre soberana...
Miudinha? Ai é que você se engana...
É toda pura e linda... Jóia rara...

De onde é que vem tão doce e deliciosa?
Tão pequenina...tão poderosa?
De onde é que vem a força de Anna Clara?

2.7.02

Eu vi um anjo
Versos para um anjo chamado Francisco Candido Xavier

Eu vi um Anjo de perto...
Eu vi um Anjo de Luz...
Vestido da roupa feita
Do mesmo pano
Que vestiu Jesus...
Eu vi um Anjo,
Uma cândida criatura
De gesto franciscano em seu olhar...
Como se fosse uma prece...
Clara...
Pura...
Como se fosse uma canção de Bach...
Eu vi um anjo de perto em minha vida.
Toquei sua mão.
Eu vi a sua cor.
Ouvi a sua voz.
Eu sei seu nome.
Provei o seu sorriso e o seu amor...
Eu vi um Anjo...
Um gigante...
Senti quando me tocou...
O Anjo falou meu nome bem baixinho...
Eu cheguei perto do seu carinho...
Bebi da gratidão que ele ofertou...
Eu vi um Anjo como São Francisco,
Um Anjo que que era como meu irmão ...
Eu vi um Anjo. Seu nome?
Simplicidade?
Leveza?
Candura?
Abnegação?
Delicadeza?
Doçura?
Amor?
Determinação?
Eu vi um Anjo
Sem asas,
Sem trombetas,
Sem brasão,
Sem templos,
Sem honrarias,
Sem suditos,
Sem bastão,
Sem títulos,
Sem diplomas,
Eu vi um Anjo sem nada...
Eu vi um Anjo de alma iluminada...
Eu vi um Anjo de luz no coração...
Eu vi um Anjo sorrindo,
Trazendo a boa nova aos filhos seus...
E de tão doce esse Anjo,
E de tão lindo,
Eu vi um Anjo
E imaginei ter visto Deus...