24.1.03

Prá não dizer que não falei de coisa alguma na hora da despedida.
Em novembro de 2002 deixei a Santa Casa de Misericórdia de Campos apos 16 anos de trabalho como médico plantonista. Durante esse período exerci também as funções de Chefe de Serviço de Pediatria, Assessor da Direção Clínica e Definidor.

Santa Casa, eu vou-me embora dos seus corredores.
Nunca mais frequentarei as suas enfermarias.
Nunca mais meus desatinos nem seus dissabores.
Nunca mais meus prematuros, suas pneumonias.

Vou-me embora, Santa Casa, das suas escadas.
Dos seus caminhos, meia noite, silenciosos.
Nunca mais suas intermináveis madrugadas.
Nunca mais no pátio os muitos gatos preguiçosos.

Nunca mais a lentidão dos seus elevadores.
Nunca mais a subserviência dos seus funcionários.
Nunca mais a impaciência dos seus Diretores.
Nunca mais a longa espera pelos seus salários.

Nunca mais a hiperplasia dos seus Provedores
E a inoperância do seu Definitório.
Nunca mais a inaceitável lista de favores
Que são cobrados no consultório.

Nunca mais as reuniões do seu Centro de Estudos.
Nunca mais as assembléias livres, soberanas,
Derrubando Provedores, corrigindo absurdos.
Enfrentando as normas toscas e levianas.

Nunca mais seu Estatuto, folha ultrapassada,
Autoritária, doente, obsoleta.
Palavra cheia de si, mas condenada
Pelo veneno imbecil da própria letra.

Nem a Roda dos Expostos de tantas estórias,
Nem os velhos quadros do tempo do Império.
Nem seus Barões de nomes e de glórias
Que hoje enfeitam o cemitério.

Vou-me embora, Santa Casa. Em paz.
Bebi seu fel. Provei da sua luz.
Talvez lembranças, por nunca mais
Seus prematuros, meus cangurus,

Suas crianças, meu aprendizado,
Sua miséria, minha tolerancia.

Talvez vontade de ter arriscado.
Talvez, em nome da sua infancia.

Eu vou e levo comigo tanta gente.
Que de hoje em diante chamarei: saudade.
Eu vou-me embora, tranquilamente,
Porque não cometi iniquidade.

Não fiz dinheiro do seu sofrimento.
Não me prevaleci da dor alheia.
Não fiz motivos de arrependimento
Porque eu não te trai na Ultima Ceia.

Eu vou-me embora certo da partida:
Não há retorno para a correnteza.
Eu vou-me embora sem despedida.
Não deixo carta alguma sobre a mesa.

E assim como num dia triste e escuro,
Em sua maca o meu pai morria,
Talvez eu volte, quem sabe, num futuro,
A ver de perto sua Enfermaria.

Mas nesse dia não trarei risada
Serei ali o resto que há de vida.
Talvez eu volte, casca agonizada,
Somente para a nossa despedida.

Como meu pai, talvez eu volte um dia,
Mas sem reconhecer ninguém nem nada.
Talvez eu torne à sua companhia
Talvez, antes da hora imaginada...

Santa Casa, eu vou-me embora das suas memórias.
Não deixo sombra, nem resto, nem nada.
Não farei parte mais das suas estórias,
Como quem segue a luz da própria estrada.

Por isso nunca mais o pensamento.
Por isso nunca mais o coração.
Não há nada mais forte do que o tempo
Não há nada mais frágil que a emoção.

Por isso, Santa Casa, a despedida.
Sem desencanto. Sem desalento.
Que Deus proteja e guarde a sua vida
E amenize o seu sofrimento.

20.1.03

Paratudo
Contra fel, moléstia, crime
Use Dorival Caymmi
Vá de Jackson do Pandeiro...
Paratodos - Chico Buarque


Pros dias de grandes dificuldades
Use o Chico Buarque de As Cidades.
E para os dias de enganos e de engodos
Chico Buarque de Paratodos.
Praqueles dias cheios de perigos
Use o Chico de Meus Caros Amigos.
Pros dias icompreensíveis feito certos crimes
Experimente o Chico de As Vitrines.
Nos dias feitos prá se preparar
Chico de Quando o Carnaval Chegar.
Pros dias de ir aos trancos e barrancos
Chico Buarque de Os Saltimbancos.
Pros dias claros, com muito sol,
Tome Chico Buarque em espanhol.
E pros dias cinzentos, sem nenhum palpite,
Chico Buarque ao vivo em Paris no Le Zenith.
Praqueles dias de menor dano
Experimente Chico e Caetano.
E para os dias em que a estupidez se assanha
Fique com Chico de Chico e Betania.
Pros dias em que a gente pega, esfrega, nega mas não lava,
Chico Buarque de Uma Palavra.
Nos dias em que a gente sente o baque
Somente Chico Buarque de Almanaque.
Pros dias quietos, de solidão,
Chico Buarque de Construção.
Nos outros dias cheios de mágoa
Chico Buarque de Gota d água.
Naqueles dias feitos prá arriscar
Chico Buarque de Calabar.
Porque quando fugir não adianta
Ai só Chico de Chicocanta.
Pros dias de tomar todo cuidado
Chico Buarque de Sinal Fechado.
E para aqueles de correr risco
Tome o Chico Buarque de Francisco.
Praqueles dias em que a gente vai levando
Chico Buarque de A Ópera do Malandro.
E para os dias que não tem saida
Chico Buarque de Vida.
Pros dias feitos prá ficar na sua
Chico de A Dança da Meia Lua.
Pros dias longos, de grande calor,
Chico de Para Viver um Grade Amor.
E para os dias em que o amor é como um raio
Tente o Chico Buarque de Cambaio.
Por isso faça o que eu faço,
Por isso escute o que eu digo:
Para os dias de fuxico,
Para os dias de futrico,
Pros dias de mexerico,
Tome Chico,
Cante Chico,
Escute Chico
Que, no convés, vai sombrio,
Cabeleira de rapaz
Pela água do rio
Que é sem fim
E é nunca mais...

15.1.03

A Ameaça
Durante as suas atividades de plantão no Setor de Emergencia de um Hospital minha colega Mércia foi injustamente ameaçada e intimidada sem que tivesse provocado, por um individuo arrogante. Até quando?

Como se não bastasse o mau salário
E a pouca refeição do refeitório,
E a rigidez vigiada do horário,
E as confusões em frente ao consultório,
E os exageros do vocabulário,
E os muitos casos de ambulatório,
E o trabalho, feito o de um operário,
E a falta da TV no dormitório,
Cumprir semanalmente esse calvário
Por um salário tão irrisório,
Como se não bastasse, um usuário,
Conforme escrito no relatório,
Ameaça uma colega de trabalho
Que, sem ter culpa alguma no cartório,
Cumpria, trabalhando, o seu horário
Em troca de um valor tão irrisório,
Sem regalias, feito um operário,
Sem mordomias no seu dormitório,
Sem gentilezas por parte do usuário,
Desprotegida em seu consultório,
Como se não bastasse o mau salário
E a pouca refeição do refeitório...

Até quando aceitar tudo ao contrário:
Poder o Céu e morar no purgatório?


11.1.03

O Teu Nome

O amor está escrito no teu nome,
Amanda.
Por isso quando quase tudo chia,
E quase tudo é quase que só fome,
E o mundo todo desanda,
Como se fosse um toque de poesia,
O amor, porque se esconde no teu nome.
Trata de ser a bóia em tua vida
E água e sombra na tua estrada...
A dor imensa agora é a dor mais branda,
A cicatriz cuidando da ferida,
E o que era tudo agora é quase nada...
O meio dia em plena madrugada...
Porque o amor, que mora no teu nome,
É o que te faz completa e preparada,
Amanda...

6.1.03

Poeminha maneirinho pra minha maninha mineirinha

Minas Gerais já nos deu Tiradentes...
Depois Drummond...
E Milton Nascimento...
Depois nos deu e nos levou Tancredo...
E nos tem dado muito pão de queijo...
E muito, muito, muito pão de queijo...
Mas desde quando ela nos deu voce,
Paolinha,
Minas merece finalmente um beijo...

1.1.03

Resolução de Ano Novo

Viver como se fosse o dia derradeiro...
Amar com é quem ama em seu primeiro dia...
Aqui como se fosse o Rio de Janeiro...
Um dedo de prosa como um balde de poesia...