17.2.03

Poema da Despedida
Escrito em dezembro de 1999 quando em meu coração chovia. Perdi este poema e hoje encontrei-o por acaso ao arrumar meus papéis. Sempre me intriga imaginar como tive o dominio para escrêve-lo num periodo em que me encontrava tão desencontrado. E hoje, sempre quando o releio, impressiona-me encontrar nele sinais de rumo, de recaminho, de recomeço naquele tempo de tanta aridez... Quem há de compreender a inspiração? Se o verso é calmo e a alma é tão aflita como é que o verso vem do coração?
Ei-lo.


Redesenhar os caminhos
Por sobre as águas do mar...
Redescobrir novos rumos
E navegar... Navegar...
Buscar pouso em terra firme.
Aprender como chegar.
Atravessar tempestades
Sem medo de naufragar.
Há muito deixei meu porto,
Minha cidade, meu lar...
Descobri novos poetas,
Novas formas de rimar,
Novas vozes, novos cantos,
Novo jeito de dançar.
Há muito deixei, eu lembro,
Meus amigos de brincar.
Conheci novas paisagens.
Vi vento novo soprar
Trazendo novos aromas
Gostosos de respirar.
Vivenciei esses dias
A ponto de me tornar
Autor de novas poesias
Que aprendi a rabiscar.
Mas de seguir navegando
Por sobre as águas do mar
Eu fui me desgovernando
Até me desgovernar.
Hoje, solto no oceano,
Ainda sei flutuar.
Ainda busco caminhos,
Ainda quero ancorar.
Ainda que mais sozinho
Do que fui ao começar,
Ainda que em desalinho,
Preciso lançar-me ao mar.
Redescobrir novos rumos,
Novos poemas criar,
Atravessando tormentas
Sem me desestruturar.
Recomeço a minha estória.
Desconheço onde vai dar.
Meu verso é a minha escora,
Meu lenço de não chorar.
Eu levo, na despedida,
Eterno recomeçar,
Lembranças da minha vida
Que o tempo não vai levar:
O carinho dos amigos,
O amor que me fez sonhar,
As horas tristes e as boas
De que aprendi a gostar.
As madrugadas em claro
Sem ver a luz do luar.
Os tantos versos escritos
Que eu não soube declamar.
Tantos fatos tão bonitos
Que já nem sei separar
O que é de mim, o que posso
E o que não posso levar.
Há muito deixei, tranquilo,
Na ânsia de navegar,
Meu porto, seguro e firme,
Mas muito menor que o mar.
E hoje, na despedida,
Não vou precisar chorar.
Ainda me resta a vida,
Ainda quero sonhar,
Ainda que enfraquecida
A voz ainda quer cantar,
Ainda que à deriva
Sobre a imensidão do mar,
A nau não está perdida
Porque sabe flutuar.
Nessa hora da partida
Ainda quero buscar
O canto dos novos rumos,
As notas de um novo lar,
Os versos de um novo tempo,
Poemas de renovar...
Meu pai tem muitas moradas,
Alguma há de me abrigar.
Ainda que faça noite...
Ainda que falte o ar...
Ainda que eu sinta frio...
Ainda que eu perca o mar...
Na despedida eu escrevo
Prá que eu possa me lembrar:
Redesenhar os caminhos
Por sobre as águas do mar...
Redescobrir novos rumos
E navegar... Navegar...

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