6.3.03

A primeira vez que eu vi um anjo...
Ao meu irmão Carlinhos
Perdi de alguma maneira o meu irmão Carlinhos em fevereiro de 1973 aos 17 anos de idade. Aos 7 meses, de uma queda acidental de seu carrinho, foi ao chão. Acudiram-lhe dois anjos incansáveis: meu pai e minha mãe. Em 3 de março Carlinhos estaria fazendo 47 anos. Foi a primeira vez que vi um anjo...

I
Foi a primeira vez que eu vi um anjo.
Cabelos negros. Pele clara. E ria.
Ele falava sem usar palavra.
Trazia em seu olhar a sua energia.

E quase não se mexia e nem andava.
Não pronunciava as coisas que dizia.
Era a linguagem dos anjos que ele usava.
Era a voz do seu coração que a gente ouvia.

Talvez a linda negra cabeleira
E a pele branca e leve feito pêra
Deixassem sugerir fragilidade...

Foi a primeira vez que vi um anjo.
Eu sempre vi meu irmão dessa maneira.
Sem culpa. Sem pecado. Sem maldade.


II
Foi a primeira vez que vi um anjo.
De nome Carlos, mas que poderia
Chamar-se luminosidade, cântico,
Delicadeza, abnegação, poesia...

E numa madrugada, fevereiro,
Sobressaltado, acordei. Meu pai chorava.
Jesus chamou nosso anjo... ele dizia...
E a madrugada, longa, não passava.

Naquela noite eu pude ouvir um anjo
Chorando um outro anjo que partia,
Esvaziando aquela madrugada.

A noite mais cruel. A mais comprida.
A derradeira dor da despedida.
A curva anunciando a nova estrada.


III
Foi a primeira vez que vi um anjo.
Como era doce a cor do seu olhar.
Falava a língua dos anjos. Parecia
Que não precisava da voz para falar.

Que era a sua alma que sorria.
Que percorria tudo sem andar.
Um pássaro sem asas que sabia
Como voar e para onde voar.

Foi a primeira. A mais desconcertante.
A mais especial e impressionante.
Um sonho sem dormir nem acordar.

Foi a primeira vez que vi um anjo.
E hoje eu trago em mim a sua estória.
E guardo dentro de mim o seu olhar.

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