19.1.05

Versos para meu pai
Em 20 de janeiro de 2005 meu pai estaria fazendo 90 anos

I
Quando era longa e lenta a caminhada,
Quando era chuva, quase inundação,
Quando era a forca pouca, quase nada,
Quando era rala a alimentação,

Quando era como a casa abandonada
Da grama crescer junto do portão,
Quando era noite desenluarada,
Quando era quase como a solidão,

Eu te busquei, de alma desesperada,
Como quem sonha a dádiva sagrada,
A divida perdoada, a absolvição...

Eu nem notei, porque alma descuidada,
A tua mão me preparando a estrada,
A tua presença no meu coração...

II
E quando era a alegria alucinante,
E quando o sol era a mãe da luz do dia,
Quando a felicidade era bastante,
E quando tudo falava de alegria,

E a vida se seguia, interessante,
E o dia parecia em harmonia,
E havia um oásis, bem ali adiante,
Feliz, que a toda gente recebia,

E quando o tom do dia era elegante,
Sutil, feito um acorde dissonante,
Quando ninguém notava ou percebia

A tua presença era solida e incessante,
A assinatura de quem garante...
A tua presença, como poesia...

III
Por isso, desde as horas de tristeza
Aos dias de sol claro e transparente,
Dos ventos de calor e de clareza,
Aos dias de torpor opalescente,

Das horas de murmúrios sob a mesa
Aos dias de barulhos estridentes,
Dos tempos de descaso e de incerteza
Aos dias que se mostram coerentes,

Não me negaste a tua delicadeza,
Tua lição dita com leveza,
Ensinamentos prudentes...

Minha alegria, Pai, vem da certeza
De que essa chama de amor mantem-se acesa,
O amor que sinto, Pai... O amor que sentes...

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