4.6.04

Versos para os urubus

I
Os urubus se alimentam de restos e sobras,
Pedaços de visceras, postas de mão,
Os urubus se contentam com partes e lascas,
Os urubus se contentam com podridão...

Procuram a matéria apodrecida e fria,
Procuram a matéria em decomposição,
Ou urubus preferem a porcaria,
Os urubus desprezam o coração...

E assim, vivendo de resto e posta,
Se alimentando do que ninguem gosta,
Os urubus e sua condição...

Buscam o resto, o infecto, o putrefeito,
Os urubus e seu soturno jeito,
Buscando o nojo. O perfeito não.

II
E o coração que os urubus recusam
Na sua vida de danação,
É o que escapa, e permanece intacto,
É o que resiste à degradação.

E o coração, intacto e recusado
Por não ser troço em decomposição,
Por não ser resto, por não ser lixo,
Por não ser musculo em putrefação,

Acaba por tornar-se um gem guardado,
O germen do futuro, preservado,
A resistencia, que é nunca em vão...

O coração do corpo destroçado.
O coração, tesouro resguardado.
Semente de esperança, o coração...

III
O coração que os urubus recusam.
O coração que permanece inteiro.
O coração, quase despercebido.
O coração, quase como um guerreiro.

O coração que os urubus ignoram.
O coração, presença diminuta.
O coração, morada dos que choram.
O coração e sua força absoluta.

O coração que os urubus nem sabem
Porque no peito de urubus nem cabem
O coração e a sua força imensa.

O coração, gigante adormecido,
Que é pelos urubus despercebido.
O coração que faz a diferença.




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