28.5.02

Bazar
Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
(A moça do sonho - Edu Lobo/Chico Buarque)


E tudo que eu tentei, tudo que eu quis,
Todas as tantas coisas que eu sonhei,
E as que eu nem consegui imaginar,
E as musicas de amor que eu quase fiz,
E as letras em que eu quase me arrisquei,
E as gentilezas que eu quase quis falar,
E as mentiras que um dia eu quis dizer
Mas quando foi a hora eu me enganei,
E as que eu nunca tentei nem quis tentar,
E as coisas que eu não vi acontecer,
E as que eu ia dizer, mas não lembrei,
E as outras que eu não consegui olhar,
E as tais castas de amor que eu nunca li,
E as tais cartas de amor que eu nunca ousei,
E as tais que eu nunca soube terminar,
E as tais cartas que eu quase que escrevi,
E as tais cartas de amor que eu nem tentei,
E as que eu nem tive alguém para mandar,
E as coisas que eu só fiz pela metade,
E as outras que eu não fui nem convidado,
E as coisas que eu não quis experimentar,
E as que eu queria, mas faltou vontade,
Outras que não, por ter encabulado,
Outras que eu nunca soube completar,
Deve haver um lugar, deve existir,
Por trás do sonho, após o pensamento,
Além da serra, bem depois do mar,
Antes do sol nascer, do céu abrir,
Entre a vontade e o sonho e o esquecimento,
Certamente há de existir algum lugar
Para onde vão desacontecimentos,
Coisas não ditas, fatos por um fio,
Promessas, sonhos, contas a pagar,
Letras não lidas, esquecimentos,
Desejos que ficaram no vazio,
Fatos que ninguém viu nem vai lembrar,
Deve haver um lugar chamado lenda,
Inspiração, arquétipo, delirio ,
Idéia, devaneio, divagar,
Um sitio, uma pousada, uma fazenda,
Maior que o mar, menor que um grão de milho,
Prá onde os sonhos extraviados vão parar.
E lá desembocando, os estravios
Irão formar novíssimas lagoas
Onde poetas bons vão mergulhar
E assim, novos delirios, desvarios,
Outras inteligencias e pessoas
Novos versos e rimas vão formar
Colhendo o que foi quase e de fininho,
Pescando o que era resto e desperdicio,
Bebendo o que não era, até formar
Um outro pensamento, outro caminho,
Como se o fim de tudo fosse o inicio
E tudo fosse um grande começar.
Um lugar deve existir, em qualquer tempo,
Ainda que só de anti-matéria crua,
Ainda que inadmissível de rimar.
Um lugar onde os sonhos extraviados
E os pensamentos nunca imaginados
Inapelavelmente vão parar...
Uma espécie buarquiana de bazar...

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