26.2.02

As Fomes

Ele tinha fome de boca, fome de mão...
Ela, só fome de coração...
Ele tinha fome de pele, de caricia...
Ela, de ser tratada com delicia...
Ele, de perna, joelho, tornozelo...
Ela, de ser cuidada com desvelo...
Ele era a fome da voz a sussurrar...
Ela, a da delicadeza de um olhar...
Ele era a fome de um lençol de linho...
Ela, a de ser tratada com carinho...
Mas, como suas fomes muito diferentes,
Parecessem, porque fomes, muito iguais,
Eles se deram, com fome, um ao outro,
E se entregaram,
Como se dão, uns aos outros, os casais...
E enquanto ele se contentava
Ela tentava...
Ele gostava, sorria...
Ela arriscava ver se descobria...
Ele se deliciava, se fartava de euforia,
Ela buscava obter o que queria...
Às vezes ela até acreditava...
Às vezes ele quase convencia...
E enquanto ela procurava,
Se dava, se oferecia,
Ele, sozinho, se alimentava
Da fome que ela sentia...
Ate que um dia
As suas fomes mostraram-se evidentes:
A dele, fome de dentes,
A dela, fome de sentir saudades...
A dele, fome de beijos ardentes,
A dela fome de infantilidades...
A dele, a fome do corpo quente,
A dela, a fome de companhia...
A dele, a fome de um aguardente...
A dela, fome de poesia...
Eram fomes diferentes:
Céu e chão,
Pecadores e inocentes,
Sim e não,
Meia noite,
Meio dia,
Até que um dia, desses tao normais,
Eles se compreenderam desiguais...
E desde então, nunca mais
Quando ele pele, ela vida,
Ele mordida, ela olhar.
Ele era fora, ela, dentro...
Ele o momento, ela mais...
Ele era o gás, ela a luz,
Porque ele era a fome fugaz,
E ela, a fome que o verso não traduz...

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