24.11.18

O otimismo e a esperança





"Otimismo é quando sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro.
Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração"
Rubem Alves

I
Quando do lado de fora é primavera,
E a vida se espalha, imensa como um mar,
Disseminando delicadeza e alegria,
Como se fosse luz a transbordar,

E quando tudo em volta inspira vida,
E a vida dá sinais de se encantar,
É nessas horas que o lado de dentro
Também começa a se modificar,

E contagia o coração com essa alegria,
E o coração reescreve sua harmonia
Com elegância e preciosismo...

Nessas horas em que o lado de fora se ilumina,
E lado de dentro se contamina,
O nome, quando isso acontece, é otimismo.



II
Mas quando do lado de fora é tempestade
E tudo em volta parece desabar,
Disseminando desassossego
Como se toda luz fosse apagar,

E quando o caminho em torno é sol e seca,
E as nascentes perdem sua força de brotar,
E o lado de dentro, mesmo nessas horas,
Não mostra sinais de desanimar,

E as fontes borbulham do lado de dentro
Que enfrenta com força e gana o sofrimento,
E dilui a amargura com bonança,

Nessas horas em que o lado de fora é todo ameaça,
E o lado de dentro se acende em luz e graça,
O nome, quando isso acontece, é esperança.


III
Então os dias de medo e desespero
E os momentos de cansaço e dor,
Quando tudo em volta magoa, assombra e fere,
E o horizonte é desalentador,

Nem esses dias de desassossego
Tem poder que possa ser tão devastador,
Porque o coração tem segredos bem guardados
E cada um deles têm um nome: amor,

Segredos capazes de reinventar a primavera
Quando lá fora a seca desespera,
E o mar insiste em se tornar sertão,

Segredos, como suas duas fontes borbulhantes:
O otimismo e a esperança, dois gigantes,
Que moram dentro do coração...

23.11.18

Encontro de poesia

Imagina um encontro
Rimas e faltas de rimas
Com faltas de métricas
E métricas se falando
Como uma máquina de fiar versos tecendo
Um caldeirão de onde poemas vão brotando
Um encontro físico
Com endereço
Portão e porta
Mesa e cadeira pra cada um Ir sentando
Café com broa
Uísque não
(A poesia pode acabar se assustando)
Eu leio
Você lê
Ela lê
Aquele outro ali prefere ficar em silêncio escutando
Uma rodada de chá de morangos com kiwi
Alguém declama Gullar
(E eu daqui fico só imaginando):
"Sua voz quando ela canta
Me lembra um pássaro, mas
Não um pássaro cantando. 
Me lembra um pássaro voando"...

22.11.18

O tamanho do amor



Para Gylsinha

Quem é capar de explicar,
Quem é capaz de entender,
Quem é capaz de intuir
O tamanho do amor de uma mãe de UTI?
Existe medida no mundo
Que seja capaz de exprimir?
Que estudioso escondido
Pelas bandas de Aghâdir,
Com que cálculos, que instrumentos,
Com que ábaco há de conseguir?
Haverá sextante,
Telêmetro,
Ou régua capaz de abstrair?
Se fosse um novelo de lã,
Desenrolado,
Até onde dava pra ir?
Será que uma volta inteira,
Ou duas em volta da Terra
Pra depois parar aqui?
Em quantos mares caberia
Se a gente pudesse medir?
Qual o tamanho
Desse amor imenso,
Capaz de fazer essa mãe não desistir?
Que fortaleza ela veste,
Intransponível,
Que nada a consegue ferir,
E ainda nas tempestades e tormentas
Não a deixa não sorrir,
E não há medo que a faça estagnar,
E não há dor que a faça sucumbir?
E se a mais ninguém é dada
A permissão pra sentir,
Como é possível entender
Esse amor sem se confundir,
Que é fácil identificar
E impossível definir?
Amor que é maior que a dor
Que esse tanto amor faz sentir,
Amor incondicional,
Incapaz de se distrair,
Quem é capaz de explicar,
Quem é capaz de entender,
Quem é capaz de intuir
O tamanho do amor de uma mãe de UTI?

Esse amor, que de tão grande,
Maior que a imaginação,
Não cabe em canto nenhum
A não ser nesse cantinho
Que chamamos coração.

17.11.18

A comunicação contingente

Você me posiciona confortavelmente
E eu melhoro consideravelmente a minha saturação,
Você percebe que eu estou impaciente,
Reduz a luz ambiente e me dá contenção,

Eu regurgito, regurgito novamente,
E então você pede silêncio no salão,
Você me pega no colo, eu fico contente,
E pego no sono nessa posição.

A gente dialoga diariamente,
E apesar de falarmos em línguas diferentes
Você me entende com perfeição,

Porque cada pedido meu você atende,
E se eu agradeço a você, você me entende,
Não precisamos de tradução...

O toque

Quando você tocar a minha pele
Você também vai estar tocando meu coração,
Você me assusta ou você me acolhe
Quando você me toca, você escolhe
O que vai me causar com a sua mão.

Então, quando você toca a minha pele
Suavemente, como quem tenta me acalmar,
Percebe só: meu choro vai passando,
Você consegue, apenas me tocando,
Fazer meu coração desacelerar...

Mas quando você toca a minha pele,
E faz isso sem me dar a mínima atenção,
Eu estranho você, e sinto medo,
O toque é meu idioma desde cedo,
E eu conheço, através dele, a sua intenção...

Por isso quando você tocar a minha pele,
Nessa hora nós dois vamos estar dialogando,
Pense nisso quando você for colocar as mãos em mim,
Porque eu posso responder ou não ou sim,
E desse jeito a gente vai se comunicando.

15.11.18

Manhã republicana

Manhã republicana, cidade vazia,
Parece que sou o único, voltando do plantão,
Que para, avança, acelera, freia, espia,
E para na padaria e compra pão...

Escuto Chico: "E a cidade em romaria
Vem beijar a sua mão"...
Chico merece. É pura poesia.
Tua cantiga, Chico, minha canção...

Manhã republicana silenciosa,
A República que era pra ser poderosa
Virou um álbum de patifaria...

Manhã republicana e anestesiada,
Parece que a cidade "se quedou paralisada"
Esperando pela chegada do Messias*...

8.11.18

As escolhas sagradas

Cada um de nós tem escolhas sagradas
Guardadas dentro do nosso coração,
Permanecem, essas escolhas, intocadas,
Até o momento da grande decisão:

Escolhas que não podem ser trocadas,
Não são passiveis de negociação,
Tem uma hora em que não são mais adiadas
Porque se tornam nossa unica proteção...

Escolhas que nos cobrem como mantos,
Suavizando a dor com seus encantos,
Transformando turbilhão em calmaria,

Escolhas sagradas, definitivas,
Bem aventuradas, compassivas,
Antídotos para as horas de agonia...

7.11.18

Eu acredito em segundas chances

Para Gisele Gomes

Eu acredito em segundas chances,
Eu creio em novas possibilidades,
Em nomes novos, em novas cores,
Em novos cheiros, novos sabores,
Eu acredito em novas verdades,

Eu acredito em novos futuros,
Em novos dias, novas descobertas,
Eu acredito em novas etapas,
Em novas caminhadas, novos mapas,
Novos alentos, novos alertas,

Eu acredito em segundos dias,
Segundas opções, segundas formas,
Eu acredito em segundas tentativas,
Em possibilidades paliativas,
Eu acredito em desconstruir as normas,

Eu acredito num jardim de flores,
Eu acredito num céu de brigadeiro,
Eu acredito em botes salva vidas,
Eu acredito em preces atendidas,
Eu acredito no amor verdadeiro,

Por isso mesmo quando tempestade,
Frio, abandono, desolação,
Saudade, desconcerto, dissonância,
Desesperança, dissabor, distância,
Dúvida, desamparo, danação,

Ainda assim eu sigo acreditando,
Mesmo nos dias feitos de não,
Porque eu acredito em segundas vias,
E em segundas vozes trazendo alegrias
E mudando quase tudo na canção...

3.11.18

Os pezinhos

Um pezinho,
Dois pezinhos,
Três pezinhos,
Quantos são?
São quinze milhões de pezinhos,
Uma grande multidão...
Sobram nas meias,
E os sapatinhos
Dificilmente tem a sua numeração,
Nascem diariamente
Pelo mundo inteiro,
São do tamanho de uma nação...
Um pezinho,
Dois pezinhos,
Três pezinhos,
Quinze milhões de pezinhos:
Pra onde vão?
Quem cuida deles?
Com que carinho?
Com que dose desdobrada de atenção?
Até onde alcançarão nesse caminho
Que é de incertezas
E superação?
Um pezinho,
Dois pezinhos,
Três pezinhos,
Quinze milhões de pezinhos
E um só coração:
A mãe que espera
Com seu colo pronto
A hora de toma-los pela mão,
A hora de envolve-los com a alma,
A hora de trazê-los
Livres de tanto não...
Um pezinho,
Dois pezinhos,
Três pezinhos,
Quinze milhões de pezinhos...
E, quase como disse o astronauta,
Uma verdade:
Um pequeno pezinho para o homem, Mas um grande salto para a humanidade...