22.5.21

As manhãs de sábado

As manhãs de sábado de pandemia 
São manhãs propicias para, ao acordar,
Escutar poesia, ler poesia, escrever poesia,
Pois nesses dias só a poesia pode nos salvar

Do desespero e da melancolia,
E da ausência de um motivo pra perseverar,
Uma unica rima pode salvar seu dia,
Sonetos não deixam você se afogar, 

Então, passar um Drummondzinho na chaleira,
Um Castro Alves pulando da torradeira, 
E o dia pode finalmente começar...

É pandemia, mas eu conto com Quintana,
E uma dose de Vinicius por semana,
O mau humor não consegue nem me olhar...

16.5.21

A sua voz


Para Ana Claudia Quintana Arantes 

A sua voz fala ao coração da gente, 
E diz o que o coração da gente quer escutar,
Parece que sabe o que o coração da gente sente,
Parece que grita quando era mais fácil se calar,

Porque a sua voz nunca é a voz indiferente 
Diante da dor que insiste em se espalhar,
Sua voz é como o manto protetor urgente,
Porque o sofrimento machuca e não pode esperar.

Por isso a sua voz será sempre a nossa voz,
Sua indignação, a indignação de todos nós,
Sua luta, nossa luta, estamos do mesmo lado,

Por isso a sua voz nunca será silenciada,
Já somos muitos seguindo a mesma estrada
Por onde a sua voz nos tem guiado...

12.5.21

A psicologia

Os psicólogos, em sua caminhada,
Espalham claridade por onde vão,
Iluminando, dessa forma, a estrada
Como um farol cortando a escuridão,

E há tanta gente desconsolada,
Tanta gente precisando de uma mão,
Há tanta gente quase afogada,
À espera de uma tábua de salvação,

E estamos quase todos precisados,
Filhos frágeis precisando ser ajudados,
Bendita seja a psicologia

Sempre que funciona como a mão que adormece 
A dor do coração de quem padece,
E isso às vezes me faz lembrar poesia...

11.5.21

Histórias lindas de morrer

Para Ana Claudia 
Com carinho. 

Lindas histórias, mas histórias de morrer,
Porém histórias de morrer encantadoras,
Dessas que raramente costumam acontecer, 
Mas que quando acontecem, são  avassaladoras,

Histórias lindas de ler e de reler,
Histórias de mortes, mas não histórias sofredoras,
Porque se a morte é um dia que vale a pena viver,
Morrer pode ser uma oportunidade benfeitora...

Histórias lindas para se guardar na memória,
Para perceber quanta luz em cada história,
Para sentir o coração quase parar de respirar,

Histórias lindas de morrer... Sorria, 
Quem sabe a gente morre assim um dia,
E pode ter então muitas histórias pra contar...

9.5.21

A música de Guinga


Pra onde você vai quando a gente via que você ia 

E você acaba seguindo pra outro lado?
De onde esse acorde que transforma essa harmonia
De um modo completamente inesperado?

A mesma canção que segue por uma via,
Pra de repente fingir que escolhe o caminho errado,
Alguns minutos depois retoma sua melodia,
Criando um acorde novo, nunca dantes dedilhado...

Guinga completamente extraordinário,
Não existe tradução no dicionário,
Mas se existisse, ele certamente o reinventaria,

Porque Guinga é o espírito da música encarnado,
O violão de João reinventado,
A única música capaz de declamar poesia...

5.5.21

Saudades


Uma cidade chamada Saudades,
Uma dor de nunca mais a gente se esquecer,
Sangue inocente jorrando, mãos covardes,
Uma cidade inteira sem entender,

Três pequeninos sem culpas, sem maldades,
Duas professoras tentando proteger,
Um dia para ficar na eternidade,
Um dia que era para nunca acontecer,

Chora Saudades sua dor dilacerada,
Chora Saudades e não quer ser consolada,
Chora Saudades sua dor que não tem paz,

Chora Saudades seus mortos sem pecados,
Chora Saudades seus filhos assassinados,
Chora seus olhos para nunca mais...

Paulo Gustavo


Terá, no fim de tudo algum significado
Partir do mundo assim, banhado em dor?
Esperança... E no fim: a morte! Que pecado!
É sem sentido. É cruel. Devastador.

Tanta oração a Deus sem resultado.
Tanta suplica empenhada com fervor.
A cura! A cura! E no fim tudo é negado.
Tudo. Menos o seu ultimo estertor... 

Mas, uma voz da luz dos grandes mundos,
Em conceitos sublimes e profundos,
Respondeu-me em acentos colossais:

— “Verme que volves dos esterquilínios,
Cessa a miséria de teus raciocínios,
Não insultes as leis universais.”

Os dos tercetos finais do soneto são do soneto A LEI de Augusto dos Anjos , psicografados por Francisco Candido Xavier no Parnaso de Além Tumulo.

Ao ator Paulo Gustavo, com carinho.

3.5.21

Por tras de toda dor existe dor


A displicência esconde sofrimento,
A falta de cuidado, inquietação, 
O coração que não sara seu sangramento 
Não cuida bem de um outro coração, 

Não é uma decisão, é um desabamento,
O caminho de quem já não domina outra opção,
O sofrimento por trás de um comportamento,
A negligência, e por trás, a autodestruição,

Por trás de toda dor, por mais violenta,
Há uma outra dor de quem não se sustenta 
E não percebe o tamanho da própria dor,

Por trás de toda dor, por mais cruenta,
Há uma outra dor que não se aguenta,
E um coração que nem se percebe sofredor

2.5.21

Sala de parto


Quatro da manhã. Um nascimento. 
O parto normal está virando rotina. 
Cercado da família, esse momento 
É um banho de segurança e ocitocina.

Quatro da manhã. Chora o rebento. 
Toma a primeira dose de vitamina. 
Minutos depois, já tira o seu sustento
Do seio materno. Coisa mais fina.

E dai em diante é só tomar cuidado. 
Viver é evitar o rumo errado
E não apressar o rio, porque ele corre sozinho...

Quatro da manhã. Domingo frio. 
Eu não me esqueço: não apresse o rio,
E vou colhendo amor pelo caminho.

1.5.21

Primeiro de maio


Trabalhador, o primeiro a ser chamado,
E também o primeiro a ser esquecido,
Sempre o primeiro a ser encaminhado, 
Estranhamente o último a ser reconhecido,
Sempre o primeiro, quando tudo dá errado,
A ser culpado e também a ser punido,
A ver seu salario, que deveria ser sagrado,
Ser bloqueado, ser reduzido,
Ou a ter seu dia de pagamento adiado,
Como se isso fosse permitido,
Trabalhador,
O primeiro a ser listado,
E o ultimo da lista a ser ouvido, 
Porque o último a ser valorizado, 
Embora seja o mais comprometido,
O primeiro, quando o patrão está quebrado, 
A ser avisado que está despedido,
O primeiro a ficar desesperado 
Enquanto o patrão segue em frente, garantido,
Trabalhador, 
O primeiro a ser enganado,
O primeiro na conta a ser subtraído,
Sempre o primeiro a ser sacrificado,
Sempre o primeiro a ser substituído,
Como se fosse um pacote no mercado,
Um contratado só pra ser demitido,
E quando o lucro da empresa tiver multiplicado,
É o primeiro no papel do ilustre desconhecido.
Primeiro de maio. Trabalhador comemorado,
Mas a essa altura, quase nenhum iludido,
Porque o que o trabalhador precisa é ser vacinado,
E ser bem remunerado, e ser ouvido,
E não de flores para ser homenageado,
E nem de churrascos para ser iludido,
Precisa é de um ambiente de trabalho bem cuidado,
E de um plano de cargos reconhecido,
De um calendário de pagamento aprovado, 
Com reajuste real e merecido, 
Trabalhador precisa ser bem tratado,
Não é só servir bem, precisa ser bem servido,
Porque seu coração já está esgotado,
E não aguenta mais no seu ouvido 
Promessas de patrão mal intencionado,
Papinhos de político fingido, 
Projetos de um futuro do passado 
Sobre coisas que já deveriam ter acontecido,
Porque na hora em que o desafio é apresentado,
E nessa hora é preciso um esforço desmedido, 
O trabalhador é o primeiro a ser chamado,
O primeiro a ser escolhido, 
O primeiro imediatamente a ser escalado,
Mas o último a ser verdadeiramente reconhecido. 
Trabalhador, trabalhador, muito obrigado,
Recebe esse poema agradecido,
E lembre-se: trabalhador unido, como está gravado,
Jamais e em tempo nenhum será vencido.