26.3.20

Morte e vida

Morrer ja era certo: mais dia, menos dia,
De alguma forma isso iria acontecer,
Mas viver? Isso nos pertencia,
E ia ser da gente até se desfazer...

A gente já nasceu sabendo que morreria,
Ouvindo estórias, tentando absorver, 
Mas nunca imaginou que viveria 
Como se estivesse deixando de viver:

Antes do coração entrar em assistolia,
Deixar esvaziar-se sua energia,
E ver a vida, ainda em vida, se perder...

Já era certo morrer, mas quem diria
Que chegaria um dia em que a poesia 
Perderia poesia sem perceber...

Atletas

Atletas não ficam gripados
Porque tem muitos anticorpos pra gastar,
Atletas são indivíduos preparados,
E são treinados diariamente pra ganhar,

Por serem atletas, estão imunizados,
Atletas não costumam se assustar,
Não passam o dia em casa, confinados,
Atletas precisam se exercitar:

Jogar bola, mergulhar, atirar dardos,
Surfar por mares nunca dantes navegados,
Procurar recordes pra quebrar,

Atletas jamais serão contaminados 
Porque são sempre muito bem cuidados...
Atletas só não deveriam governar.

24.3.20

Esperança

Não a palavra, mas seu significado,
Não o do dicionário, mas o do coração,
Não aquele  que mora no peito, trancado,
Mas o que se espalha livre, sem prisão,

Não a esperança presa ao passado,
Mas aquela outra: a que resiste ao não,
A que é da alma o maior legado,
A que é da vida a maior lição,

A que não precisa de provas e evidências,
A que desafia as hipóteses das ciências,
A que não necessita tradução,

Não a palavra, mas o alimento
Da poesia de que é feita o pensamento.
Não a palavra. A convicção. 

23.3.20

Poesia enquanto a peste...

Poesia enquanto a peste 
Insiste e teima em chegar
Do norte, sul, leste, oeste,
Vinda de todo lugar,
Trazendo ansiedade, dor,
Dificuldade de respirar,
Mas lembrando que boa vontade 
Às vezes pode ajudar,
A peste, ninguém sabia,
Ninguém notou ela entrar,
Quando foi ver era tarde,
Não dava mais pra avisar,
Chegou fazendo miséria
E antes do mundo acordar
Muita gente foi embora 
Sem tempo de se arrumar,
Muita gente perdeu tempo
E não conseguiu viajar,
E muita gente viajou 
Pra nunca mais retornar,
Algumas seguem tentando 
Outras não podem tentar, 
Porque umas acreditando 
E outras sem acreditar, 
Mundo, mundo, vasto mundo, 
Parece Drummond a falar...
Poesia enquanto a peste
Não desiste de espalhar 
As novas regras pra vida
Que a gente deve acatar:
O tempo sem desperdício,
A importância do lar,
O cuidado como escudo,
E fé pra nunca faltar...

22.3.20

O dia

O dia vai começando. Deus permita
Que ele traga coisas boas pra contar:
Um homem bom, uma mulher bonita, 
Uma chuva que começa a dissipar,

Uma lembrança da música favorita, 
O cheiro de café ao acordar,
Uma verdade em que todo mundo acredita, 
Uma notícia dizendo que vai passar

O medo, a dor, o desespero, a febre,
E que esse dia traga uma criança alegre 
Pedindo colo, querendo brincar,

Um pouco de calma, outro pouco de poesia,
E, porque não, um milagre nesse dia
Pra gente ganhar forças pra continuar...

21.3.20

A casa

A casa, como descanso, proteção,
Como canteiro onde se planta vida,
Melhor lugar para guardar o coração,
Melhor lembrança para a memória adormecida,

A casa, identidade desde o portão 
Que é sempre mais entrada que saida,
Brinquedo, colo de mãe, gosto de pão,
Antídoto para toda despedida,

Fermento para conversas e poemas,
Tornando grandes as coisas mais pequenas:
Brincar, crescer, se proteger, amar...

A casa, nunca foi tão necessária,
Vacina insubstituível, de dose diaria,
Cuidado que a gente recebe sem notar...

Poema futuro

O povo quer saber se o presidente tá infectado 
O presidente diz que não é  uma gripezinha que vai atrapalhar 
O governador que não tem medo de ninguém tá assustado 
O médico não tem EPI pra se cuidar

O prefeito anuncia um plano equivocado 
Pensando nos votos que ele precisa pra continuar 
O cidadão que amanhece resfriado
Não sabe se fica em casa ou sai pra trabalhar 

A TV mostra números do estrago 
O Eduardo aponta o dedo pro culpado 
As farmácias não tem álcool em gel para entregar 

Um dia, quando o dia de hoje virar passado 
O mundo vai precisar ser reformatado
Pra quando a próxima peste for chegar

20.3.20

Corona

Pronto socorro. Quase nenhum atendimento 
O mundo inteiro com medo do corona 
Ninguém lá fora. Ninguém aqui dentro. 
Ninguém vomitando. Zero ondansetrona. 

Um dia calmo. Suave e lento. 
Mas basta ligar a TV e a gente se emociona.
O mundo morre. Muito sofrimento. 
Parece que nenhuma medida funciona 

Pronto socorro vazio. Ninguém veio. 
Porque  será que tem dias que é tão cheio
E em outros dias não tem ninguém?

Quem é que explica esses plantões assim?
Conta pra mim
Quem tá mais com medo de quem?