29.8.20

O Rio de Janeiro

E a cada dia novos denunciados 
Garantem inocência, sem pestanejar,
Milhares de dólares em desvios sem culpados,
Sou inocente, meu advogado vai provar,

Não vi o processo, dizem os advogados,
Formação de quadrilha, diz o delegado titular,
Enquanto isso, cofres esvaziados
E hospitais de campanha feitos pra não funcionar...

Esquema de lavagem de dinheiro
Pela primeira dama do governo do Rio de Janeiro?
Meu Deus!!! Em quem a gente pode confiar?

No próximo? No depois do próximo? No terceiro?
Quem dará jeito nesse pardieiro?
Nacional Kid, onde é que você tá?

26.8.20

Espero

Espero que tudo caminhe bem,
Que tudo dê certo quando chegar ao fim,
Que esse ano não se repita ano que vem,
Nem passe o tempo todo ecoando em mim,

Espero que haja esperança para além,
Como se fosse um pó de pirlimpimpim,
A esperança é o maior bem que a gente tem,
A principal nota do boletim,

E um dia, quando o dia de hoje for passado, 
Que a gente possa seguir contaminado,
Mas dessa vez por outra pandemia,

Que será feita de retalhos de esperança,
Formando uma nova aliança,
Onde o medo cede espaço pra alegria...

24.8.20

Desafinado

Meu coração, violão desafinado,
Tentando o acompanhamento da canção...
A vida, com seus acordes dissonantes,
Percebe minhas cordas discordantes,
E às vezes me chama atenção:

_Acerta a sexta corda, a quinta, a quarta!
_Um pouco mais de sol! _Não, assim não!
E eu sigo, distraído, procurando
Seguir as pistas que a vida vai me dando, 
Sem pressa, como quem dita a lição,

E tento um dó menor, quase consigo,
Não fosse essa terrível desconcentração, 
Aperto as cordas, afrouxo, desafino,
E sigo tentando assim, desde menino,
Sem desistência e sem reclamação,

Meu coração, desafinado, leve,
Tentando um samba, como o de João,
Segue apertando e afrouxando, corda a corda,
Às vezes dorme, outras vezes acorda,
E só poucas vezes consegue, rara inspiração,

Meu coração, esse violão desafinado,
Já sabe o ritmo, o toque, a marcação,
Mas se distrai quando não deveria...
Ainda bem que existe a poesia...
Ainda bem que existe o perdão...

22.8.20

Poesia

Folheie Drummond,
Decore Bandeira,
Escolha um verso de Mário Quintana,
Estrela da vida,
Poesia inteira,
Inunde de poesia seu fim de semana,
Castro Alves,
Cecília,
Vinicius, 
Ferreira,
Cora Coralina,
É bom pra quem ama,
Disfarça e recorda algum Augusto dos Anjos,
Declame poesia,
É quase um Nirvana,
Olavo Bilac,
Manoel de Barros,
Augusto e Haroldo de Campos 
E tem mais:
Catulo,
Pessoa,
Conhece o Cornélio?
Antero,
E esses poetas atuais,
Invente poesia,
Misture poesia,
Na sua salada,
No seu sakê,
Na hora de dormir,
Depois do banho, 
Durante as baboseiras da TV,
Faz bem pro fígado, 
Pras mitocondrias,
O seu Complexo de Golgi vai agradecer,
Capturar poesia,
Metabolizar poesia,
Fazer poesia enternecer...

16.8.20

Escrevo

Como um medicamento anti-hipertensivo,
Como um recurso contra a depressão,
Como um motivo que não precisa de motivo,
Como quem erra e não precisa de perdão,

Como quem sonha com a página de um livro,
Como quem pula da página pra canção,
Como quem depois do fim, segue o caminho, vivo,
Depois da festa, cadeado no portão,

Como quem olha, como quem espera,
Como quem nega, como quem pondera,
Como quem não sabe como continuar

O verso que acabou de ser escrito,
Como quem voa do zero ao infinito
Sem precisar sair do seu lugar...

8.8.20

Cem mil mortos

Somos cem mil a menos. E os que sobramos
Não fazemos ideia de quantos vamos restar,
Muitos se foram, alguns com bem poucos anos,
E muitos outros com tanto para ensinar,  

Cem mil que se despediram de seus planos 
Sem despedidas, como seria correto imaginar,
Cem mil, um número em que às vezes nem acreditamos,
E ainda nem terminamos de contar,

Uma nação, como uma árvore desfolhada,
Ou como uma flor, pétala por pétala arrancada, 
Mas de raiz incansável, que resiste

Atordoada, e mesmo assim não se entrega,
Uma nação que agoniza, mas não quebra, 
E nem perde a esperança, ainda que triste.

4.8.20

Almas humanas

Almas humanas sendo apenas almas humanas 
Ao tocarem outras almas humanas, nada mais, 
Livres das suas vaidades levianas, 
Almas humanas, almas iguais,

Almas humanas, como Deuses à paisana,
Reconhecendo-se mortais entre os mortais, 
Suaves, como os poemas de Quintana, 
Gigantes, como as rolinhas e os pardais...

Almas humanas apenas, e mais nada,
As mesmas almas, a mesma caminhada, 
As mesmas criaturas, o mesmo fim,

Almas humanas, então tudo faz sentido
Quando esse toque assim é permitido, 
Apenas almas humanas, sendo assim...