16.7.02

Sobre a Dor
Carta a uma amiga

Dor...
Poetas e cientistas tentam decifrar-lhe a causa, descobrir-lhe a cura...
Pastores e padres tentam aliviar-lhe o peso...
Deus, em sua magnitude, ainda permite a sua existencia sem deixar com isso
de expressar o seu amor infinito aos homens...
Mas ei-la...
A dor...
Pedaço de quase tudo que a gente vive...
Caminho de quase tudo que a gente anda...
Tonalidade de quase tudo que a gente olha...
Recordo-me da palavra santa do grande Gilberto Gil quando, um ano
após perder o filho num acidente estupido...
Foi num programa de Silvio Santos...
O Silvio perguntou a ele sobre a impressão que ele tinha naquele momento,
uma ano depois, sobre a perda do filho...
Gil, manso e delicado, permitiu-se dizer que compreendia que não havia sido
escolhido por Deus para sofrer...
Que o sofrimento por que ele passou era também o sofrimento de muitos outros
que no Brasil e no mundo vivem a mesma estória da mesma perda...
E essa mesma estória o irmanava...
E de alguma forma, ao coração do poeta, suavizava a sua dor...
Aprendi, naquele momento, aquela lição...
A de não termos sido especialmente escolhidos por Deus para viver esta ou
aquela dor...
A lição de nos irmanarmos na dor...
Nos unirmos na dor...
Como diz o poema de Mário de Andrasde: " nem me sinto mais só, dissolvido
nos homens..."
Que a dor nos dissolva em meio à humanidade...
Como médico vivo a dor diariamente...
Como homem do mesmo modo eu a sinto e luto contra ela entre uma e outra vez
que à ela me entrego...
Aprendi que a dor mais importante é a que nos aflige...
Não há, para mim, dores menos ou mais importantes...
A pior dor é aquela que nos toma...
E é essa a que devemos eliminar ou aceitar, conforme a sua natureza...
Aceitar dores elimináveis é uma entrega suicida...
Lutar contra dores inevitáveis é um martírio sem fim...
Há dores, portanto, que resolvi considerar amigas...
Dores que por sua natureza são indissoluveis...
Como a que senti e sinto quando falo do meu pai que já partiu...
E há as outras, contra as quais luto e lutamos todos diariamente...
A sabedoria esta em saber discernir uma da outra...
Quero, em Deus, estar ao seu lado para te prestar todo o apoio de que
necessitas para que passe do melhor modo possivel por este momento de dor
que te irmana hoje com a humanidade inteira que de algum modo sofre...
Dor que em nenhum momento configura a falta do amor infinito de Deus por nós...
Dor que venceremos de um modo ou de outro...
Leva de recordação um poema que escrevi enquanto algo doía em mim...
Oro por voce...
Pelos que moram no seu coração...
Pelo carinho dos que te querem bem...
Que tanta energia a teu favor te torne forte...
Se for inconsistente para te trazer a força, que te traga a resistencia da
serenidade...
Esperaremos dias tranquilos...
Um beijo de quem muito te quer bem.
Luis.


A Dor Amiga

Chamei a dor Minha Amiga...
Convidei-a para entrar...
Fiz pra ela uma cantiga
Tirei ela pra dançar...
Cuei um café quentinho...
Pus a mesa de jantar...
Sentei dela bem juntinho...
Até a dor se alegrar...
Eu dei à dor o carinho
Que a gente costuma dar
À um parente, a um vizinho,
A alguém do nosso lar...
Hoje a dor é minha amiga,
Já não me causa matar...
Não maltrata, não castiga,
Não tenta me machucar...
A dor, que mora comigo,
Não pode me abandonar.
Por isso já não consigo
Sorrir sem também chorar.
Porque se a dor não me mata
Nem me faz desesperar,
Nem me fere, nem maltrata,
Nem tenta me asfixiar,
Também não me deixa livre,
Não se despede de mim...
Ficou em mim e hoje vive
No meu coração, assim:
Não me fere nem me cura,
Não me seca nem sacia,
Não me atira em noite escura,
Não me larga à luz do dia...
Chamei a dor Minha Amiga...
Eu disse à dor: Pode entrar...
Eu dei à dor minha vida
E pude então descansar...

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