8.5.02

A Escrita

Repouso a mão na folha, levemente...
Suavemente a mão na folha cai...
A letra sai da mão. A mão não sente...
Sem que eu perceba uma outra letra sai...

E letra vai, então, seguindo letra...
Palavra após palavra... A frase inteira...
O pensamento jorra da caneta...
Manhã nublada. Chove. É quinta-feira...

Verso ritmado... Malpensado verso...
A mão fantasiada de funil...
De um lado a idéia, o vasto, o desconexo...
Do outro lado a letra... O verso vil...

De um lado a fonte que não se permite
Secar, mudar de rumo, esvaziar-se...
Do outro a ponta seca da grafite
Como se a fonte nela se espelhasse...

De um lado o Universo, o Vasto, o Inteiro...
Rio Amazonas todo em pensamento...
Terra sem fim que ninguém viu primeiro...
Pote que ninguem sabe o que tem dentro...

Do outro o pescador e a sua linha
Tentando o que ele não conhece bem...
Palavra que se esforça pra, sozinha,
Dizer tudo que sabe e pode e tem...

Leio a palavra feita, a letra escrita...
Quem pode compreender a inspiração?
Se o verso é calmo e a alma é tão aflita
Como é que o verso vem do coração?

Imenso é escrever. Buscar, do nada,
A forma, o conteudo, a paz, o Deus...
Ler a palavra... A frase terminada...
Supor que os versos que escrevi são meus...

Repouso a mão na folha, abstraido,
E, sem que eu interfira, o verso acaba...
Quem há de compreender cada sentido
Que há na escrita crua da palavra?



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