Sustentação
Uma amiga me disse ma vez
Que já não crê no amor...
Tu dizes que não crês que exista amor...
Talvez só atração... E só desejo...
Talvez necessidade de calor...
Só corpo... Só caricia... Boca... Beijo...
E porque não existe amor em nada
Ninguém ama ninguém em tempo algum...
Por isso nem amante, nem amada,
Como se não houvesse amor nenhum...
E o amor fosse a ilusão que sempre engana
Como se quem diz que ama nada diz...
E, não havendo amor, não há quem ama,
E nem quem por amor seja feliz...
E nem quem por amor se realize...
E nem quem por amor se sinta bem...
E, se não há amor, como tu dizes,
Não há porque tentar amar alguém...
Nem há razão pra se sentir amada
Nem há motivo pra falar de amor,
Como se o amor fosse a palavra errada
E quem diz que ama fosse um impostor...
E não havendo amor, não há traição...
E sofrer por amor é perder tempo...
Amor não tem significação...
É só uma diversão do pensamento...
E coisa de quem ama é coisa alguma...
Coisa nenhuma só de imaginar...
É como a consistência que há na espuma
Que não se pode ter nem se tocar...
E que se engana quem se diz amada...
Ninguém ama ninguém... É tudo fita...
Amor é como nada vezes nada...
Palavra inadequada e esquisita...
Tu dizes que não crês que o amor exista...
Só corpo, carne, pele, toque, mão...
Eu vou na contra-mão da tua pista
Pra que tu não desistas ainda não:
O pássaro que voa, soberano,
E corta o céu, e sobrevoa as casas,
E sabe estar acima do oceano,
E pensa que e maior porque tem asas
Não observa, porque desatento,
Que, sem que ele consiga perceber,
É o ar, que ele não vê, que é seu sustento
E que sem ar, voar não pode ser...
Por isso, sem que o pássaro, voando,
Perceba, e vá seguindo seu caminho,
É o ar que ele não vê que vai cuidando
De sustentar seu vôo passarinho...
Assim é o amor. Mesmo que mudo,
Completamente inaparente, nada,
Ainda quando em forma de absurdo,
Palavra sem sentido, equivocada,
Assim como é o ar, inaparente,
Que leva o pássaro alto enquanto venta,
O amor é que, silenciosamente,
Definitivamente nos sustenta...
Ainda que em silencio absoluto,
Ainda quando em forma de canção,
É o piso que sustenta o peso bruto...
É o homem que olha o céu, pisando o chão...
Tu dizes que não crês no amor... Disfarce
De quem pensa que não sabe a saída...
Como quem já soubesse e não lembrasse...
Como se fosse a dracma perdida...
Tu dizes que não crês no amor... Que nada...
Teu coração não sabe o que ele diz:
O amor é que te faz iluminada...
E é por amor que tentas ser feliz...
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