31.1.02

Quando eu escrevo poesia...

Se eu faço poesia, penso em nada...
É como escorregar num tobogã...
Então quando eu percebo é madrugada...
Eu continuo... É quase de manhã...
Eu trago a poesia bem guardada
Como quem traz consigo um talismã...

29.1.02

Sobre escrever rimando

Eu sempre fico meio acanhado quando deparo com poetas atuais que escrevem seus versos livres liberando suas ideias livres.
Fico me sentindo um antiquado, um velho ultrapassado, um tiranossauro qualquer...
Foi quando adquiri um livro de Millor Fernandes.
Poemas.
Encontrei um poema delicado que adorei.
Passei a me sentir menos paleolítico...

Novidade, só a Primeira (À Vanguarda que se cre Vanguarda)
Garanto:
O primeiro poeta que rimou
Foi um espanto!
Mais, muito mais,
Meu irmão,
Do que o primeiro
Que não.

26.1.02

Mãe

No inicio era o verbo.
Absoluto
E unico.
E uma vez
Disse o verbo assim:
Faça-se a luz.
E a mãe se fez...
E o verbo fez-se carne.
E o verbo fez-se mãe
Mais uma vez.
E disse o verbo:
Faça-se a ternura,
A paz,
Faça-se a delicadeza
E a sensatez...
E a mãe se fez...
E o verbo disse
Faça-se a mistura
Da autoridade com a paciencia.
E faça das palavras
Entrega, integridade e solidez
Apenas uma que resuma as tres:
E a mãe se fez...
E contra a maldade
A crueza
E a sordidez
E contra a falta de delicadeza
E contra toda aspereza
E insensatez
A mãe se fez...
E o verbo disse então:
Faça-se o coração.
E a mãe se fez...
E disse o verbo então, mais uma vez:
Faça-se o mel,
A poesia,
O Céu na Terra,
Faça-se o sol iluminando o dia,
E a palavra da luz que não se encerra...
Faça-se a lágrima que sabe se guardar...
Faça-se a dor com dom de se conter...
Faça-se o amor de significar
O amor de se doar sem perecer...
Faça-se o sentimento que é de ter
E ao mesmo tempo que tem sabe entregar...
Faça-se a entrega que é quase perder
E que só as mães conseguem suportar...
Faça-se a dor que não se desespera
E só se desespera quando é tanta
Que nem é dor. É o furor da fera
E a fome que ela traz na sua garganta...
E disse o verbo:
Faça-se o mistério
De uma palavra que resuma tudo...
Cujo sentido afaste todo medo
E signifique toda a eternidade...
E assim se fez, de modo absoluto,
Desafiando todos os segredos,
E resumindo todas as verdades:
Mãe...
Nem mesmo o mais cruel dos ditadores
Deixou de receber os teus amores
Ou teve mais poder que o teu encanto...
E nem a mais feroz das ditaduras
Não foi tão forte quanto os teus penhores
Nem mais gigante que o teu nome santo...
No inicio era o verbo
Absoluto e bom...
E uma vez
O verbo se fez som:
Mãe...
Desde então
Não há palavra ou pensamento bom,
Nenhuma essencia de perfume ou cor
Que signifique tão imenso amor...
Nem há poema ou sinfonia, nada,
Nem há delicadeza e nem palavra
Que signifique ou soe tão delicada...
Mãe...
Basta dize-la prá trazer na voz
A luminosidade de um milhão de sóis...
No inicio era o verbo
E o verbo se fez mãe
E habitou entre nós...

À minha mãezinha Hilda Mussa Tavares.
Maio/2001

Sustentação
Uma amiga me disse ma vez
Que já não crê no amor...



Tu dizes que não crês que exista amor...
Talvez só atração... E só desejo...
Talvez necessidade de calor...
Só corpo... Só caricia... Boca... Beijo...
E porque não existe amor em nada
Ninguém ama ninguém em tempo algum...
Por isso nem amante, nem amada,
Como se não houvesse amor nenhum...
E o amor fosse a ilusão que sempre engana
Como se quem diz que ama nada diz...
E, não havendo amor, não há quem ama,
E nem quem por amor seja feliz...
E nem quem por amor se realize...
E nem quem por amor se sinta bem...
E, se não há amor, como tu dizes,
Não há porque tentar amar alguém...
Nem há razão pra se sentir amada
Nem há motivo pra falar de amor,
Como se o amor fosse a palavra errada
E quem diz que ama fosse um impostor...
E não havendo amor, não há traição...
E sofrer por amor é perder tempo...
Amor não tem significação...
É só uma diversão do pensamento...
E coisa de quem ama é coisa alguma...
Coisa nenhuma só de imaginar...
É como a consistência que há na espuma
Que não se pode ter nem se tocar...
E que se engana quem se diz amada...
Ninguém ama ninguém... É tudo fita...
Amor é como nada vezes nada...
Palavra inadequada e esquisita...
Tu dizes que não crês que o amor exista...
Só corpo, carne, pele, toque, mão...
Eu vou na contra-mão da tua pista
Pra que tu não desistas ainda não:
O pássaro que voa, soberano,
E corta o céu, e sobrevoa as casas,
E sabe estar acima do oceano,
E pensa que e maior porque tem asas
Não observa, porque desatento,
Que, sem que ele consiga perceber,
É o ar, que ele não vê, que é seu sustento
E que sem ar, voar não pode ser...
Por isso, sem que o pássaro, voando,
Perceba, e vá seguindo seu caminho,
É o ar que ele não vê que vai cuidando
De sustentar seu vôo passarinho...
Assim é o amor. Mesmo que mudo,
Completamente inaparente, nada,
Ainda quando em forma de absurdo,
Palavra sem sentido, equivocada,
Assim como é o ar, inaparente,
Que leva o pássaro alto enquanto venta,
O amor é que, silenciosamente,
Definitivamente nos sustenta...
Ainda que em silencio absoluto,
Ainda quando em forma de canção,
É o piso que sustenta o peso bruto...
É o homem que olha o céu, pisando o chão...
Tu dizes que não crês no amor... Disfarce
De quem pensa que não sabe a saída...
Como quem já soubesse e não lembrasse...
Como se fosse a dracma perdida...
Tu dizes que não crês no amor... Que nada...
Teu coração não sabe o que ele diz:
O amor é que te faz iluminada...
E é por amor que tentas ser feliz...
Eu escrevi poesia
Ao reler poemas escritos num tempo de crise...

Um dia
Quando era enorme a dor que me envolvia
E absurda a dor, desconcertante,
Extravagante feito hemorragia,
Dor incomodamente duradoura,
Inconveniente, má, dilacerante,
E imponente, impositora e fria...
Assim, como a metástase invasora...
Assim, como é a septicemia,
Então
Foi nessa hora, quando tudo ruía,
E a minha alma caia de cansada,
Foi que eu busquei, quando mais nada havia
Senão cansaço e exaustão, mais nada,
Daonde a foz do rio nem nascia,
Daonde a água da fonte nem brotava,
Como se fosse o mar quando esvazia,
Como se fosse um ar que sufocava,
E a noite quando sobrevive ao dia ,
E a luz que pouco a pouco se apagava,
Foi nessa hora
Quase vazada, incomum, quase vazia,
Que eu busquei, com a luz que me restava
E com o resto de paz que eu possuia,
A fonte da palavra impregnada
De energia.
E tendo a solidão por companhia
Tornei-me companheiro da palavra,
Tornei-me um confessor, quando escrevia,
Tornei-me um pecador que não pecava,
Um aprendiz que desobedecia,
Porque tentava e não se contentava...
Buscava sempre e não se repetia,
E tudo que eu fazia e que eu buscava,
E que eu imaginava e que eu dizia,
Era como se o sonho que eu sonhava
(E a dor que havia em mim não atingia)
Usando a minha mão se transformava
Em poesia...
Ali, exatamente nesse instante,
Eu escrevia como quem passeia
Como quem vai veloz e segue adiante
Sem se importar com a morte que rodeia...
Eu escrevia como quem escapa
E como quem mergulha no oceano
Sem perceber a morte que maltrata
E nem o sofrimento desumano.
Eu escrevia como num mergulho
Que não me permitia perceber
A morte que fazia seu barulho
Tentando me levar para morrer...
Eu escrevi poesia.
E sem que eu percebesse, eu me salvava
Na hora em que a palavra se escrevia.
Como se fosse letra salvadora,
O garroteamento da sangria,
O indulto para a alma pecadora,
A fonte de calor na noite fria.
Eu não sabia.
Eu não imaginava ou percebia,
Mas era exatamente o que ocorria.
E hoje, lendo ritmos e rimas
Escritos nestes dias muito maus
Um tempo de intenções quase assassinas,
O meu apocalipse, o meu caos,
Eu hoje compreendo que a poesia,
Com ritmo ou sem som, cheia ou vazia,
Foi como a mão do pai na mão do filho,
Foi como o leite materno,
Foi mais do que um atalho, foi um trilho
A me mostrar como escapar do inferno.
E como a anestesia da morfina
Que faz a dor perder o seu efeito,
Também a poesia e a sua rima
Silenciaram, dentro do meu peito,
A coisa ruim em mim que me roia,
A dor que destruía meu juízo...
E sem que eu percebesse eu escrevia
Como quem redescobre o seu sorriso...
Um dia
Quando era grave a dor que me envolvia
Sem que eu me desse conta, eu não morria...
Eu escrevi poesia...
Silêncios

Quem fala escolhe as verdades que diz...
Quem cala faz um silencio para cada uma delas...


Silêncios há, ruidosos que perturbam...
E outros, bem mais tímidos, que não...
Silêncios muito estranhos e abusados...
Inoportunos, maus, indelicados...
Silêncios feitos por provocação...

Silêncios há, corretos, genuínos,
Que não tem coisa alguma pra dizer...
Há outros que não contam, que sonegam,
Silêncios que se traem, que se entregam,
Silêncios que preferem se esconder...

Silêncios muito próprios, intimistas,
Silêncios que tem jeito de oração...
Como os silêncios que há no homem que ora
E os que há no arrependido quando chora.
Silêncios doídos feito confissão.

Eu já sofri silêncios levianos...
Eu já lutei contra uns intencionais...
Já me desesperei contra uns maldosos...
E contra outros, muito perigosos...
Silêncios de roubar a minha paz...

Já fiz silêncios feitos de segredos...
Já fiz silêncios só por covardia...
Já fiz silêncios por indiferença,
E outros muitos só por conveniência,
E outros tantos, ruins, que eu não queria...

Já fiz silêncios só de alimentar-me...
Silêncios de beber, querer, buscar...
Feito os silêncios de escrever poesia...
E ouvir Chico cantando Maravilha...
Feito os silêncios de aprender a amar...

Eu gosto dos silêncios inocentes
Como os que há na nutriz quando amamenta...
Como os silêncios da moça apaixonada...
Como os silêncios da casa abandonada...
Como os silêncios da lua, linda e lenta...

Assim, desprezo os silêncios que se calam
Por leviandade, que eram pra dizer...
Silêncios que revelam covardias...
Silêncios feitos de atitudes frias...
Pois eu desprezo os silêncios de esconder...

Eu curvo-me aos silêncios saborosos
Como os silêncios da voz que há em João...
Como os que estão e saem dos poemas...
Como os silêncios das coisinhas pequenas...
Como os que há no pulsar do coração...

Mas aprendi a desprezar silêncios
Que sabem responder, mas não respondem...
Silêncios com sorrisos disfarçados...
Silêncios que são sons mal educados
Deixando perceber o que é que escondem...

Eu aprendi a amar silêncios únicos
Como os que fez Jesus ao ser traído...
Capazes de calar a humanidade
Porque silêncios cheios de verdade...
Porque silêncios cheios de sentido...

Mas eu desprezo os silêncios maliciosos...
Silêncios mentirosos e covardes...
Como os silêncios que fez Pôncio Pilatos...
Como os silêncios odientos dos ingratos...
Silêncios carregados de inverdades...

Eu gosto dos silêncios que são tímidos.
Encabulados. Que não querem ser.
Silêncios delicados, sussurrados,
Feitos somente quase de cuidados...
Silêncios feitos só de se conter...

Eu quero um banho de silêncios puros...
Um copo cheio de silêncios claros...
Um prato feito de silêncios leves...
E descansar sobre os silêncios breves...
E me perder entre os silêncios raros...

Perdoem-me os silêncios miseráveis:
Eu gosto é dos silêncios que se dão...
Eu gosto é dos silêncios companheiros...
Eu guardo os meus silêncios verdadeiros
E os trago sempre no meu coração...