30.4.21

A minha irmã morte


Ela me observa pela minha vida inteira,
Se aproxima e se vai logo em seguida,
É minha irmã, mas como gata borralheira,
Nunca se mostra, vive escondida...

De vez em quando me toca, sorrateira,
Sorri, mas ao ver que não é correspondida,
Afasta-se de mim, de tal maneira 
Que eu volto à minha vida distraída...

Porém a minha irmã morte, eu sei que um dia
Vai precisar da minha companhia, 
Porque nós somos filhos da mesma criação,

E nesse dia, em seu abraço derradeiro,
Ela me dirá, de modo desinteresseiro:
Fica comigo, eu te amo, meu irmão...

Os escotomas

Ah, essas luzinhas malditas que me cegam,
Que chegam antes da dor aparecer, 
Que vem do nada e de repente me pegam,
E brilham ao notar que vou sofrer.

Escotomas. Só eu enxergo. Os outros não enxergam,
Por isso ficam sem entender.
Eu tento, mas os meus gestos não negam:
Alguma coisa de mal vai acontecer.

Dai eles passam. Em minutos vão embora.
E antes que eu comemore, chega a hora
Da dor de cabeça, inimiga insuportável...

Lá se vão 40 anos com essas crises...
_Tem cura doutor?  O que me dizes? 
_Pergunta difici não. Seja razoável.


Kkkkk

27.4.21

A alegria empática


Não é a minha alegria. Nem é a sua alegria. 
Não fui eu e tampouco foi você quem a recebeu. 
Porque se você ficar feliz me faz ganhar meu dia,
Então seu coração feliz torna feliz o meu.

É como uma conexão que nos recria
E a gente não percebe como aconteceu. 
Alegria empática. Não a teoria. 
A prática. O que torna um só você e eu.

E a partir dai, alegrias misturadas,
Como se estivessem, de alguma forma, costuradas,
Geram mais luz aliadas que sozinhas,

Alegria empática. Esta na literatura. 
Mas ao vivo e à cores tem muito mais belezura
E mais poesia que essas pobres linhas

🌹

O medo


Bom dia. Mas eu vou logo avisando:
Às vezes o dia não sai como planejado,
A única saída é ir tentando,
E assim, tentar não ficar apavorado,

Afinal de contas, não é se apavorando 
Que o dia se torna menos complicado.
Respira fundo. Vai se conectando.
E escuta seu coração, seu aliado. 

É nessa hora que o coração vai se mostrando,
E ai convém fazer silêncio sempre quando 
O coração tiver sido convocado...

E na medida em que o dia vai passando,
Você aprende, simplesmente caminhando,
Que o medo não precisa deixar você paralisado.

25.4.21

Mãe


Mãe não tem limite. É tempo sem hora.
Tem mais poesia que Drummond e que Bandeira,
Carinho de mãe? Quem é que não adora?
Quem é que não quer ter pra vida inteira? 

Que outra palavra existe mais sonora,
Capaz de deixar o coração dessa maneira? 
Porque perto dela tudo melhora? 
Por que é que ela encara qualquer tranqueira?

Quando Deus criou o mundo em sete dias,
Mandou as mães para serem nossos guias,
E deu a elas, como missão,

Amar de um amor com toda intensidade,
Viver para sempre, por toda a eternidade,
E morar dentro do nosso coração.

A sala de parto

4 da manhã. Cesariana. 
Quem dormiu, dormiu. Quem não dormiu não dorme mais.
Madrugada. Domingo. Fim de semana. 
Mas pra quem está de sobreaviso, tanto faz.

4 da manhã. O hospital chama. 
Tomo um cafezinho e vou atrás. 
Sou o primeiro a chegar. O coração nem reclama. 
Com o tempo, qualquer prazer já satisfaz.

O tempo passa. A equipe vai chegando. 
O pai, assustado, me conta, quase chorando,
Que o seu primeiro filho daqui a pouquinho vai nascer...

6 da manhã agora, de volta pra minha cama,
Rabisco esse poema, de pijama,
Enquanto observo o dia amanhecer...

Bom dia...

22.4.21

O sono

Meu sono viajou. Foi pro Japão. 
Mas talvez tenha ido pro Pará. 
Fez as malas. Pegou o primeiro avião 
E avisou que não ia mais voltar 

Deixou pra mim de presente a televisão 
E alguns comprimidinhos pra eu tomar,
Mas ele sabia que não era solução,
Sabia e preferiu não me contar...

De vez em quando eu lembro do meu sono
Que foi morar nos braços de outro dono 
E me deixou nessa melancolia,

Mas graças a Deus ainda existe o vinho,
E alguns amigos bons pelo caminho,
Mas graças a Deus existe a poesia...

Alberto Mussa

Parece que sou eu, mas não sou eu,
É um primo meu, e isso é muito divertido:
Alberto foi o nome que o meu pai me deu
Quando meu primo não tinha nem nascido,

Daí, depois, quando meu primo nasceu,
Não sei por que motivo isso teria acontecido,
Seus pais lhe deram um nome igual ao meu,
Aliás, igual não, só muito parecido,

E foi assim que tudo aconteceu,
Nenhuma das duas famílias recorreu,
E o Alberto Mussa pros dois foi decidido. 

Passou o tempo. A gente cresceu. 
E cada um carregou consigo o Alberto seu,
Espero que todos tenham compreendido...

19.4.21

O meu poema

Um pouco falar, um pouco ser escutado,
Um pouco escrevê-lo sem ser interrompido,
Ou ser interrompido sem ser prejudicado,
Ou ser prejudicado pra depois fortalecido,

Um pouco mostrá-lo, um pouco deixá-lo guardado,
Um pouco depois saber que foi distribuído,
Um pouco para ser perdido, um pouco para ser plantado,
Um pouco para ser lembrado, outro para ser esquecido,

O meu poema, sempre um significado,
Pedacinho que mostro do que há em mim sagrado,
Lugares em que eu nunca imaginei ter ido,

Mas eis que quando o poema está gravado,
Eu fico imaginando: de onde foi tirado?
E nenhuma resposta, pra mim, me faz sentido...

13.4.21

Hoje contém esperança

O dia de hoje contém esperança 
Porque nele tudo pode acontecer:
Amar e pedir perdão e, na mesma dança,
O sol nascer, e em seguida se esconder,

Unidos, numa legítima aliança,
A dor e o alivio quando a dor doer,
Por isso contém esperança: se o mal avança 
O bem sabe bem como nos defender.

Contém esperança os dias nublados,
Quando os dias de sol ficam guardados
Porque a natureza sabe economizar... 

Hoje contém esperança, use a vontade,
Como um escudo contra o frio e a insanidade,
Como um tesouro que cabe em qualquer lugar...

11.4.21

Comunhão

Dividir é quase o mesmo que somar,
Doar é um dos sinônimos de receber,
Receber tem o mesmo sentido de entregar,
E guardar é quase a mesms coisa que não ter,

Viver é bom quando a palavra compartilhar 
É dita mais vezes do que a palavra reter,
Porque o melhor do rio é se dar ao mar 
E o mar se dar às ondas com prazer...

As mãos abertas, durante a jornada,
São a possibilidade da semente ser semeada,
E ao mesmo tempo a chance de colher o pão,

As mãos fechadas não semeiam nada,
Fazem perder o melhor da caminhada,
E o que há de bom na vida em comunhão

10.4.21

O chaveiro

Algumas portas muito bem trancadas,
Outras empoeiradas, esquecidas,
Umas com fechaduras enferrujadas,
Outras com dobradiças enrijecidas,

Portas estrategicamente localizadas
Em corredores e áreas proibidas,
Bem escondidas e mal iluminadas,
Portas fechadas, obstruidas,

Então a compaixão, como um chaveiro,
Como quem desmantela um cativeiro,
Permite que elas se abram, sem doer,

A compaixão, mostrando suas chaves,
Abrindo portas, desfazendo traves,
A compaixão mostrando seu poder...

9.4.21

As notícias difíceis

Aa notícias difíceis só são noticias difíceis
Porque são noticias complicadas de se dar,
Como uma carta escrita em letras ilegíveis
Que a gente precisa entender e entregar...

Notícias difíceis de efeitos irreversíveis,
Não há como ler para depois apagar,
Noticias difíceis, porque os caminhos não são fáceis,
Nem fácil é o jeito de caminhar...

Noticias difíceis, mas porque necessárias,
É necessário compreender as várias
Formas de transmiti-las com leveza...

Noticias difíceis, como são os enigmas,
Notícias difíceis, como são os estigmas,
Um exercício improvável de delicadeza...

5.4.21

A cidade asfixiada

Hoje minha cidade deveria estar parada
E o virus impedido de ter por onde andar,
Aqui ninguém, naquela esquina nada,
Porque ninguém mais pode se contaminar,

O médico está cansado, a UTI lotada,
E a enfermeira com vontade de chorar,
Pára, cidade, sua saude está quebrada,
Seu oxigênio já começa a escassear...

Silencio, cidade. Mais de trezentos mil mortos.
Não há sepultura para tantos corpos.
A esperança precisa dar um jeito de voltar,

Porque hoje, minha cidade asfixiada,
Ou você para, ou acaba sepultada,
Não há nenhuma outra forma de escapar...