29.4.20

A era do cuidado

Estamos vivendo a era do cuidado,
Cuidado com a dose,
Cuidado com as mãos,
Cuidado com o bebê contaminado,
Com o antibiótico aplicado,
Com a técnica correta de intubação,
Cuidado com a admissão 
E com a alta,
Com os dados da anamnese,
Com o risco de infecção, 
E mesmo depois do plantão ter terminado, 
Ao sair à rua, cuidado, 
Ao abrir o portão, 
Ao beijar seu filho,
Ao deixar seu celular conectado,
Ao servir o leite, 
Ao pegar o pão, 
Ao tomar um táxi, 
E mesmo ao colocar uma máscara para a sua proteção, 
Cuidado, 
Nosso descuido fez com que o planeta fosse penalizado 
Por isso chegamos à era do cuidado, 
A era do cuidado de quem cuida,
E de quem recebe atenção,
Um pequeno tropeço, tudo errado,
Um deslise quase imperceptível, grande confusão, 
Uma era, essa era do cuidado,
Que será levada, já está provado, 
Para além da nossa próxima geração,
Quando o homem descuidado 
Terá aprendido 
A tomar cuidado,
E essa será a única condição 
Que guardará respeito com o passado construído,
E com o futuro, como maior construção,
Porque foi dolorido,
E com o coração apertado,
Que o mundo chegou a essa conclusão, 
A nossa dor foi ter desrespeitado 
Essa regra básica para qual não existe exceção: 
Cuidado com o que é dito,
Cuidado com o que é feito
E registrado,
Desde a avaliação dos resultados 
De um eletroencefalograma ampliado,
Aos primeiros passos do estímulo à amamentação,
E até o que não era questionado,
E mesmo o que não estava sendo percebido,
Não ficou de lado,
Porque tudo passou a ser tratado com cuidado,
E a vida do planeta passou a depender 
Dessa tomada de decisão. 
Estamos vivendo a era do cuidado,
Cuidado com o pensamento,
Cuidado com a palavra, 
Cuidado com a ação,
Construindo um planeta mais respeitador,
Mais respeitado,
Cuidando com cuidado
Pra que nunca mais o gesto descuidado,
E alimentado de desatenção, 
Possa tornar o futuro ameaçado,
Fazendo sangrar da vida o coração,
Então cuidado,
Redobrado, 
Não a palavra,
Mas o compromisso,
Não o assinado no papel,
Mas na convicção,
Para que esse cuidado possa ser multiplicado, 
E dessa forma, assim, disseminado,
Como se fosse a cura,
Ou como se fosse um pedido de perdão.

23.4.20

Os dois lados

Após escutar uma fala da Dra Ana Claudia Quintana Arantes


Você pode escolher o lado dos que ajudam,
Você pode escolher o lado dos que pedem ajuda,
Você só não pode escolher o lado dos que falham
Porque nem ajudam nem pedem ajuda, só atrapalham,

E você pode escolher o lado dos que precisam
Como também escolher o lado dos que doam,
Mas acredite, você perde tempo quando escolhe ficar 
Ao lado daqueles outros que só fazem reclamar, 

E ao invés de tentar socorrer  os que pedem socorro 
Ou de pedir socorro com medo de se afogar
Tornar-se vítima das suas dores íntimas 
E odiar o mundo ao se vitimizar,

Porque você pode escolher o lado dos que apoiam,
Ou escolher o lado dos que pedem apoio,
O único lado que você não pode escolher
É o lado dos que nem vive nem deixam ninguém viver.

Escolhe o lado dos que preparam a sopa,
Escolhe o lado dos que seguram o prato,
Foge do lado dos que só se doem,
Foge do lado dos que só se destroem,

Escolhe o lado dos que escrevem oesia,
Escolhe o lado dos que aprendem a escrever,
Mas deixa de lado os que não procuram ensinar,
E dos que não tentam, por outro lado, aprender,

Fica do lado dos que procuram fazer,
Ou dos que pedem ajuda se não conseguem acertar,
Mas toma cuidado com os que não tentam crescer,
Toma cuidado com os que não saem do lugar,

Porque você pode escolher o lado dos que dão força,
Ou ficar do lado dos que precisam de força pra lutar,
Mas quando escolher o seu lado, toma cuidado:
Basta um furinho no barco pro barco inteiro afundar 

19.4.20

Antes que chegue ao fim a pandemia

Antes que chegue ao fim a pandemia,
Eu precisava dizer aqui que eu não sabia
Que um dia o dia de hoje chegaria,
E a gente ia precisar tanto um do outro
Pra contar coisas que nunca contaria,
Pra ficar da janela escutando cantoria,
Pra sentir saudade de quem nunca sentiria,
E que esse tempo seria assim tão duradouro...

Porque antes que chegue ao fim a pandemia,
E volte a ter fila na padaria,
E ambulatórios de pediatria,
E gente a balde circulando por ai,
Foi necessário esse tempo, quem diria,
Que desarrumasse a nossa economia,
E deixasse a piscina do prédio mais vazia,
E o mundo inteiro tentando descobrir

Um tratamento que termine essa agonia
De dor, e morte, e caos, e hipoxemia,
Porque ninguém no mundo sabia que cabia
Tanto medo e tristeza na televisão,
Tanta perda sem nenhuma garantia,
Tanta força junta contra a ventania,
Tanta necessidade de alegria,
Tanta necessidade de uma solução,

Por isso, antes que chegue ao fim a pandemia,
Que está durando mais do que deveria,
Matando mais do que a previsão mais sombria,
Como se estivesse tentando provocar
Mudanças que a gente nunca mudaria,
Sentimentos que a gente nunca sentiria,
Dores que a gente nem sabia o quanto doiam,
E músicas que a gente nem sabia mais cantar,

Por isso mesmo, antes que chegue ao fim a pandemia,
Antes que a gente volte pra churrascaria,
Ou pro plantão cansativo que a gente torcia
Pra dar logo oito horas e acabar,
Por isso, antes que chegue ao fim, uma poesia,
Que não é uma face shield, mas com sabedoria,
Se bem usada, ela bem que serviria
Pra ajudar o coração da gente se acalmar...

7.4.20

As meninas

Para Yasmin e Moana, prematurinhas crescidas 

Eu vi miudinhas. Hoje já não estão. 
Eu vi quando não eram quase nada.
Eu vi as duas no começo da estrada.
Eu vi sua força e determinação.

Desde meninas. Uma luta danada.
Sonda. CPAP. Saturação. 
Cada graminha a mais valorizada 
Como um sinal de libertação.

Eu vi desde aqueles dias que choravam 
Quando sua mãe e seu pai não estavam 
E elas ficavam sem chão. 

Eu vi bebês ainda. E hoje, crescidas,
Tornam felizes demais as nossas vidas, 
E fazem mais forte nosso coração.

2.4.20

Vai passar

Para Ana Michelle Soares e Ana Claudia Quintana Arantes

Vai passar.
Não vai durar pra sempre,
É só um tempo,
Custa caro,
Dói,
E as vezes a gente sente até vontade de chorar,
Mas não é pra vida inteira, acredite:
Vai passar,
Às vezes o tempo
Dura muito tempo,
E muitas vezes esse tempo
É capaz de castigar,
Mas na medida em que o tempo passa,
O tempo mostra
Que a gente não deve se desesperar,
Porque mesmo que custe uma eternidade,
Vamos ter outra eternidade pra gente se encontrar,
O nome disso é saudade,
E pra sentir saudade
A gente precisa antes de tudo se gostar,
Então, por mais que a vida se apresente
Dessa forma ameaçadora, aparentemente,
Não tenha medo:
Mais dia menos dia
A tempestade vai se transformar em calmaria,
Por isso, se a calmaria um dia vai chegar,
Não gaste seu tempo durante a tempestade
Fazendo alarde,
Seja feliz com o que você pode aproveitar:
Escreva uma carta,
Envie uma foto,
Faça uma live falando dessa saudade,
Ou, ao invés disso, tente decorar
Uma poesia de Carlos Drummond de Andrade,
Ou de Manoel de Barros,
Sinceridade?
Definitivamente você vai gostar...
Assista um vídeo de Ana Claudia Quintana Arantes,
Descubra coisas emocionantes
Nas quais você nunca tinha parado pra pensar,
E lembre-se de levar no seu coração quem você ama,
Porque a gente só se afasta
De quem o coração da gente já  não quer mais carregar...
Porque  se “longe é um lugar que não existe”,
Se “é melhor ser alegre que ser triste”,
E se “todos os tristes querendo juntos, toda tristeza vai se acabar”,
Então prepare-se pros dias que virão
Depois dos raios,
Passado o trovão,
Pros dias do coração poder brincar
De dar abraços,
Retomar laços,
E de mandar a saudade ir passear,
Porque a única certeza que hoje temos
É a certeza de que esse tempo que vivemos,
E que uns acham que vai durar mais, outros que menos,
Mas pelo que lemos,
E pelo que vemos,
A única coisa certa que sabemos
É que esse dia
Um dia
Vai passar...