26.4.19

Lastro

As vezes a palavra é como o lastro
Dificultando o vôo do balão,
É como usar um alfabeto gasto
Pra definir o que vai no coração,

O coração, esse horizonte vasto,
Por mais que a palavra lhe tente tradução,
É como um navio que perde o mastro
E busca se manter na direção.

Então a palavra, insuficiente,
Traduz bem o coração tão raramente
Que às vezes o faz melhor quando se cala,

E o silêncio, mais que a verborragia,
Transforma estupidez em poesia
Sem precisar da palavra torta e rala.

Sonetos

Ora direis, fazer sonetos,
Certo perdeste o censo, eu vos direi, no entanto,
Que para combinar quartetos e tercetos
É necessário descobrir algum encanto,

Direis: escritos de formatos obsoletos,
Não têm modernidade e pesam tanto...
Quanta sandice, tolos preconceitos,
Nem sei por conta de que ainda me espanto.

Não vês a arquitetura que há entre as rimas,
Irmãs que são como se fossem primas,
E, mesmo separadas, permanecem

Tecendo versos, tramas sonetadas,
Seguindo juntas, mesmo separadas,
Como dois corações que não se esquecem...

8.4.19

A espécie humana

Eu sigo preocupado, descrente, desiludido,
A especie humana não se protege, leviana,
Enquanto se imagina engrandecido
O homem, esse idiota, só se engana,

Eu sigo preocupado, e já não ligo
Quando chamam de desumana a espécie humana,
Que vive em torno do seu próprio umbigo
E não percebe seu fim que assim se trama,

Eu sigo preocupado. Mundo estranho.
Mesmo quando um só perde, não há ganho,
Porque seguimos na mesma embarcação,

Eu sigo preocupado, e a cada dia
Só me resta conversar com a poesia
Pra tentar acalmar meu coração.

6.4.19

A madrugada

Porque será que Deus criou a madrugada,
Esse intervalo entre acontecimentos,
Tempo quase todo feito só de nada,
Celeiro bom de se guardar pensamentos,

Espaço onde a melhor decisão é planejada,
Oportunidade única para arrependimentos,
Porque será que a madrugada foi criada,
Esse dia visto pelo seu lado de dentro?

Quem sabe sobraram algumas caixas vazias,
E no finalzinho daqueles sete dias,
Faltando pouco para o criador descansar,

Deus resolveu dar a elas utilidade,
Daí a madrugada e sua capacidade
De guardar o que não caberia em nenhum outro lugar

5.4.19

O soneto

Tentei um soneto. Não aconteceu.
Tentei mais um outro. Não consegui.
Tentei um terceiro que no meio se perdeu
Foi nessa hora que eu quase desisti

Mas nesse instante o soneto percebeu
Que se eu desistisse ele deixava de existir
Sua insistência me convenceu
Por isso esse soneto escrito aqui

Não de improviso, mas de insistente,
A poesia as vezes se parece com.essa gente
Que não sossega enquanto não consegue

Tentei um soneto e o soneto atentado
Me atentou até ser digitalizado
Pra no final não saber nem pra quê que serve