30.12.13

Despedidas

Tem dias que os plantões são despedida
Porque a vida quer sempre continuar,
E por que quer continuar, a vida
Convida de vez em quando a gente pra mudar,
 
E quando chega o dia da partida
Bate aquela vontade apertada de ficar.
Saudade às vezes é um beco sem saída
Tentando fazer o coração voltar...

Mas tem plantões assim que não tem jeito:
A razão não mora dentro do peito,
E às vezes ela sabe bem melhor mandar...

Plantões de despedida. Inevitáveis.
Como se fossemos copinhos descartáveis
Que pensam-se capazes de caber o mar...

Poema de Ano Novo

2013 já vai indo embora,
2014 tentando se chegar,
2013 fica triste e chora,
2014 querendo se assanhar,

2013 já pôs um pé pro lado de fora,
2014 tá pedindo para entrar,
2013 tá percebendo sua hora,
2014 tá desejando começar...

2013 acabando, quem diria,
E se indo assim, ao som da poesia,
Como se estivesse desistindo de morrer...

2014, porque o tempo não para,
Querendo mostrar pra gente a sua cara,
Como um bebê doidinho pra nascer...

21.12.13

Poema de Natal


Poema de Natal

Transcrição para a linguagem da poesia da “Oração de Natal”, publicada originalmente em “Um poema para o Natal”,

I
Recorda a Humanidade, neste dia
Os fatos que cercaram Tua chegada:
O Anjo anunciando-Te a Maria,
José quando acolheu a sua amada.
De Nazaré a Belém, Tua romaria,
Onde não havia vaga na pousada,
O Teu nascimento numa estrebaria,
A manjedoura, Tua primeira morada...
Recorda a Humanidade, entre louvores,
Os Anjos anunciando-Te aos pastores,
Os magos e Herodes, a adoração e o medo...
Recorda a Humanidade nessa hora
Os primeiros movimentos da Tua história
Imensa e encantadora desde cedo...
 
II
Desde aqueles dias
Já se vão dois mil anos...
Do mesmo modo
Como os pastores,
Aqui estamos...
Soubemos da Boa Nova
E aqui viemos
Como fizeram os pastores
Há dois mil anos...
E, como os pastores,
Nós nos sabemos
Pobres seres humanos,
Nada possuímos
Nem trazemos,
Como os pastores
Há dois mil anos...
Não viemos,
Como os pastores,
Tão logo e assim que soubemos...
Nós nos atrasamos...
Mas aqui estamos
Na Tua presença e,
Por tão pequenos,
Silenciamos...
E assim, orando,
Nós nos ajoelhamos,
Como os pastores
Nós nos alegramos,
Como os pastores
Há dois mil anos...
 
III
E aqui estamos de mãos vazias...
O que intencionávamos trazer perdemos
Com companhias, com teorias,
Com coisas que valiam menos...
E aqui estamos.
Não trazemos nada.
O que tínhamos ficou pelo caminho.
Nós nos dispersamos pela caminhada
E caminhamos em desalinho...
E aqui estamos. Nada trazemos.
Nem mirra, nem ouro e nem incenso...
Pelo caminho nós os perdemos
E nos restou esse vazio imenso...
E aqui estamos.
Nós nos dispersamos.
Nós nos atrasamos.
Mas aqui viemos.
Já se passaram mais de dois mil anos
E ainda não aprendemos...
Aqui estamos.
Ajoelhados.
De mãos vazias.
Em pensamento.
Aqui estamos, muito cansados,
Diante do Teu nascimento.
 
IV
O ouro que traríamos,
Valioso,
Peça imponente,
Belíssima cor,
Recebeu tantas ofertas Nesses dias
Que o trocamos
Sem nenhum pudor
Por bugigangas,
Quinquilharias,
Sem garantias,
Coisas sem valor:
Bijuterias,
Peças sem valia,
Pedras sem brilho
E sem nenhum teor...
Gastamos todo Com ninharias,
Trocamos,
Demos
E esquecemos De repor...
Hoje não temos
Mais do que a lembrança
Do que já tivemos
E, além disso,
Dor...
E porque gastamos,
E porque perdemos,
Comportamo-nos
Como o mau pastor
Que se descuida
Do que seria
Para cuidar
Como bom cuidador...
Aqui estamos
De mãos vazias,
Nada mais temos,
Nada nos restou...
De mãos vazias
Aqui estamos...
Vazios
Na presença Do Senhor...
 
V
O aroma leve de um suave incenso
Nós preparamos para trazer.
Aspecto doce, odor delicado,
Especificamente preparado
Para o menino que viemos ver.
Foi quando até aqui, pelo caminho,
Outros aromas doces conhecemos,
Por outros cheiros nos atraímos,
Outras essências sentimos,
Outras fragrâncias colhemos
E o aroma leve do incenso suave
Que preparamos foi se perdendo
E como a água quando escorre pelo ralo
Já não nos é possível agora identificá-lo...
_O que é que andamos fazendo?
Por outros cheiros nos seduzimos,
Outros perfumes vulgares,
Azedos, acres, fáceis, sedutores,
Odores oferecidos, maus odores,
Dezenas e centenas e milhares...
E assim o símbolo de tua espiritualidade
Contaminamos em nossa caminhada...
Estúpidos condutores, e descuidados,
E incautos, fomos contaminados
E hoje trazemos a alma infectada...
E o aroma suave do incenso doce
Já não possuímos nesse momento...
Envolve-nos, Senhor, com tua essência,
Ajoelhados, na Tua presença,
Reverenciando Teu nascimento...
 
VI
A mirra, preparamos com carinho
E embalamos cuidadosamente...
O sofrimento é parte do caminho...
A dor é sempre presente...
Mas donos de um cuidado tão mesquinho,
De um jeito tão displicente,
Bastou o primeiro copo de vinho
E o primeiro gole amargo de aguardente,
E a mirra a derramamos e a perdemos,
A dor embriagada dói bem menos...
Desrespeitamos Teu sofrimento...
E hoje aqui, não mais tão embriagados,
Postamo-nos diante de Ti, ajoelhados,
Diante do Teu nascimento...
 
VII
Submersos em trevas e isolados,
Por desacertos nos conduzimos...
Enfraquecidos, tolos, derrotados
Que a nós mesmos nos destruímos...
A sombra, como semente alimentada,
Cresceu e se espalhou, erva daninha...
A Humanidade quedou-se, acinzentada,
Perdeu o rumo, perdeu a linha...
O desafeto e o desamor, unidos,
Tornaram-se gestos diários
Que os homens fracos e os distraídos
Trataram como comportamentos necessários...
E assim, do desamor nasceram a usura,
A ira torpe, a falta de perdão,
O ódio entre a criatura e a criatura
E a rudeza do coração...
Mísseis cruzando os céus, caças insanos,
Botões dizimando nações sem piedade,
Homens selvagens, seres humanos
Vestidos de pura bestialidade...
A morte provocada pela guerra,
O lucro à custa da crueldade,
A sombra assustadora sobre a Terra
Ameaçando a Humanidade...
Flagelo.
Fome.
Miséria.
Medo.
Terror.
Suspeita.
Desamparo.
Dor.
O homem que vive entre feras desde cedo
Fica contaminado por esse horror.
A que chegamos...
Não sobrou nada.
Nenhuma luz.
Só ódio.
Só discórdia.
E uma Humanidade necessitada
Da Tua infinita Misericórdia.
E longe dela, ai de nós pelo que somos.
Pelo caminho ruim que caminhamos.
Pelo que fizemos.
Pelo que fomos
E pelo muito que erramos.
Longe da Tua Misericórdia, nada.
Ranger de dentes.
Choro.
Fome.
Frio.
A Tua Misericórdia é a luz da nossa estrada,
Cesto de peixe que nunca está vazio...
Aqui estamos, pois. Muito cansados.
Já não suportamos tanto sofrimento.
Aqui estamos, ajoelhados,
Diante do Teu nascimento.
 
VIII
Mas é Natal, e assim,
Ecos dos Anjos
Ainda fazem-se ouvir
Em Seu Louvor...
Ecos que anunciam
A Boa Nova:
 _Eis que hoje vos nasceu O Salvador.
Eis que é Natal.
E as vozes dos Anjos vibram.
Cânticos de Anjos
Em Legião
Dizendo:
 _Hosana...
Nasceu Jesus,
Alegrai, pois,
Vosso coração...
Eis que é Natal
E, por aí, pastores
Ainda se alegram
Com a anunciação...
Vibram e falam
Uns para os outros,
E alguns se postam Em oração...
Que delicado
O cântico dos Anjos,
Escuta-se ao longe
Um trecho seu:
_Glória a Deus nas alturas
E paz na Terra...
Jesus nasceu...
Santificada essa Boa Nova,
Iluminada essa hora
Como a esperança que se renova:
Toda alegria
Ao mesmo tempo
Agora...
É terna e pura a luz da Tua estrela,
Silenciosa e serena,
E vê quem tem olhos de ver seu brilho,
Como quem entende um poema...
Acolhedora a Tua manjedoura,
Tão pouco e ao mesmo tempo tanto, tanto... Impressionantemente acolhedora
Como se fosse Teu manto...
Suave e belo o significado
Da Tua mensagem de amor,
Ao mesmo tempo imenso, delicado
E inexplicavelmente acolhedor...
Simples pastores por companhia,
Delicadeza, naturalidade...
De onde trouxeram tanta alegria
E tanta felicidade?
E a música que cantam, como um coro
De várias vozes e grande harmonia?
Como quem cuida um tesouro,
Como se fossem os próprios José e Maria...
A música que cantam... Que serena...
Retalhos inteiros feitos de paz...
Encantador recordar esta cena
Dos Teus primeiros Natais...
E a gruta acolhedora, Teu resguardo...
A manjedoura... Nenhuma ostentação...
Nem luz, nem brilho e, no entanto, nenhum fardo...
Nenhuma pena... Nenhum senão...
A gruta, feita de simplicidade...
Nenhum palácio significa tanto...
Não há vestígios de suntuosidade,
Há, sim, sinais de que é um lugar santo...
 
IX
E dois mil longos anos se passaram...
Aqueles que, como nós, Te conheceram,
Durante esse tempo se desviaram
E após tantos desvios se perderam...
E em dois mil longos anos que afastaram
Da Tua presença os que viram e não creram,
Multiplicaram-se os que Te negaram,
Espalharam-se os que não Te receberam...
E dois mil anos não foram bastante
Para que nós chegássemos aqui diante
De Ti como em outra época Simeão...
Os nossos olhos, endurecidos,
Envoltos em trevas, escurecidos,
Ainda não compreenderam a Tua lição...
  
X
Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo,
Caminho, Verdade, Vida,
Recebe nossa alma vazia nessa hora,
Pela Tua Misericórdia, estremecida...
E permanece nosso pensamento assim:
Magnificado e em lágrimas submergido...
Deixamos lá fora as sandálias, o pó ruim,
Trazemos o pensamento enternecido,
Extasiado com Tua singeleza,
Complexa, imensa e cheia de verdade,
Admirados com a força gigantesca
Da Tua aparente fragilidade...
Trazemos, humilhado,
O coração cansado,
Trazemos, destruído,
O coração sofrido,
Trazemos, derrotado,
O coração errado,
Trazemos, combalido,
O coração doído...
 
XI
Insufla nossa boca
Com Teu sopro santo,
Fazendo-a cheia
Das palavras de Simeão:
Podemos partir,
Desde agora,
Porque nossos olhos
Viram A salvação...
 
XII
Senhor Jesus,
Feliz Natal!
Nos Céus Os Anjos Dizem: _Amém...
Cantando:
_Glória a Deus nas alturas
E Paz na Terra
Aos homens
A quem Ele quer bem...
 
 
Que assim seja...

O Pai Compassivo

 I

A casa de meu pai

 

A casa de meu pai: apoio e abrigo,
Abrigo e cuidado, cuidado e acolhimento,
Proteção contra toda sorte de perigo,
Alivio para todo desconforto e sofrimento...
 
A casa de meu pai, meu bom amigo,
Meu conselheiro para todo momento,
Meu mapa de separar o joio do trigo,
Minha respiração, meu alimento...
 
A casa de meu pai, a brisa, a vinha,
A que também era a casa que era minha,
E mais do que minha casa, minha escora,
 
A casa de meu pai, minha garantia,
A casa que deixei para trás um dia,
Em que sem olhar para trás eu fui-me embora...
 
II
A partida

Meu pai, dá-me parte dos bens que me toca, eu pedi,
Dá-me parte, eu pedi, e meu pai me atendeu,
Dá-me parte dos bens, eu vou partir,
E meu pai me entregou o que chamei de meu...
 
Não tentou, o meu pai, me fazer desistir,
Não tentou me diminuir, não se escondeu,
Repartiu o que tinha e me deixou seguir,
E o que eu pedi a meu pai, meu pai me deu...
 
E assim, nesse dia, abastecido
Da minha parte que eu havia recebido,
Foi que eu deixei para trás a casa de meu pai,
 
Que me atendeu, quem sabe, inconformado,
E me viu partir com minha parte e meu pecado,
E seguir pra onde o pecado chama e vai...
 
III
A gastança
 
Longe de casa, num país distante,
Após dias e dias viajando,
Tudo me parecia interessante,
E de casa coisa que eu via ia gostando...
 
E, fascinado por aqueles dias,
Tudo se me apresentava impressionante:
As casas, as coisas, as companhias,
As experiências desconcertantes,
 
E como fossem dias sem limites,
Sem regras ou normas para obedecer,
Eu fui aceitando, aqui e ali, convites,
E as coisas começaram a acontecer:
 
Os bens que eu trouxe comigo fui gastando
Com coisas, gentes e lugares sem pensar,
Eu ia me divertindo e ia gostando,
E quanto mais eu gastava mais queria gastar
 
Com hábitos, com roupas, coisas divertidas,
O mundo parecia feito só para mim,
Experiências até então para mim desconhecidas,
Um mundo diferente do mundo de onde eu vim.
 
Foi quando então, nesse país distante,
A grande fome chegou, sem que eu notasse,
Arrastando esse longínquo viajante
Como se me consumisse e me secasse,
 
E nessa hora, sem que eu percebesse,
Eu já não tinha mais bens para gastar,
Eu não evitei que isso acontecesse,
Estava ali, muito longe do meu lar...
 
E as coisas e os dias de fartura e as gentes,
Como num passe de mágica, sumiram,
E os novos dias chegaram diferentes,
E foram de dor os dias que se seguiram...
 
E as experiências que me aconteceram,
Amigos que me pareciam tão reais,
Da mesma forma que vieram, desapareceram,
Deixando as festas para nunca mais...
 
E desde ali nunca mais os rostos novos,
E desde ali nunca mais festas e vinhos,
As roupas, as comidas, os convites, os jogos,
E desde ali, definitivamente, outros caminhos...
 
IV
A miséria
 
Vieram os dias difíceis,
De não ter o que comer,
De não ter o que vestir,
De não ter o que beber,
 
Os dias de dor imensa,
Os dias de danação,
De mal estar, de doença,
De frio, de solidão,
 
Os dias de gosto azedo,
Os dias de desamor,
Da morte em vida, do medo,
Da vida feita de dor,
 
Vieram os dias de fome,
Vieram os dias sem pão,
De comer o que um porco come,
Repartindo o mesmo chão,
 
Exalando o mesmo cheiro,
Dormindo no mesmo lixo,
Valendo o mesmo dinheiro,
Parecendo o mesmo bicho,
 
Vieram os dias escuros,
Os dias de dor, mais nada,
Dias longos, dias duros,
Da alma cair, cansada,
 
Da alma desesperada,
Da alma morta de dor,
Da alma mortalizada,
Os dias de acre sabor...
 
Foi quando nessa hora, em desespero,
E por absoluta falta de opção,
Fechei meus olhos,
E sem pensar em mais nada,
Ouvi a voz do meu coração...
 
V
A culpa
 
E nessa hora eu decidi retornar,
Permanecer daquele modo era um pouco morrer,
Foi assim que eu encontrei forças para recomeçar,
Foi assim que eu encontrei forças para entender
 
Que eu pequei contra Deus, eu sei, sem hesitar,
E diante de meu pai, e isso me fez sofrer,
E foi necessário eu sofrer para eu me encontrar,
E eu me encontrar para eu me arrepender...
 
Entendi que não era mais digno de ser chamado
De filho do meu pai por ter pecado,
E que era preciso, ainda assim, voltar,
 
Se não como um filho, como um empregado,
E receber novamente de meu pai seu cuidado,
Seu calor, seu carinho e as bênçãos do seu lar...
 
VI
O retorno
 
Assim,
Comecei minha longa viagem de volta
Deixando para trás aqueles tristes dias,
E fui levando comigo quase nada
Além da alma cansada, machucada,
Arrependida, e minhas mãos vazias.
 
E a longa viagem de volta, solitária,
Era a viagem de volta para o meu inicio,
E a cada passo crescia a ansiedade,
E agora o que mais me doía era a saudade...
Partir ou retornar: o que era mais difícil?
 
E eu vinha, ainda longe e bem distante,
Quando meu pai me viu e se encheu de compaixão,
E veio até a mim, meu pai, correndo,
E me beijou, e me abraçou, me recebendo,
E me acolhendo com seu coração.
 
Não me pediu que eu explicasse nada,
Não exigiu que eu implorasse o seu perdão,
Mas antes mesmo que eu o visse, ele, me vendo,
Alegrou seu coração, compreendendo,
No meu retorno a minha condição.
 
Foi quando eu disse:
Pai
Pequei contra o Céu e diante de ti.
Já não sou digno de ser chamado teu filho.
 
E como se ele não me escutasse,
Ou como se escutasse e não devesse,
Ou como quem simplesmente me interrompesse
E não me ouvisse,
Ordenou a seus servos que trouxessem
A melhor roupa e imediatamente me vestissem,
E me pusessem
Anéis nos dedos,
Sandálias nos pés,
E preparassem
O novilho cevado,
E que comêssemos,
E que regozijássemos,
Porque seu filho
Estava morto e viveu,
Estava perdido esse filho
E foi achado...
Então todos se alegraram,
E dançaram,
E sorriram,
E todos naquela hora festejaram,
E todos naquela hora cantaram,
E todos naquela hora comeram,
E todos naquela hora sorriram...
 
Mas ainda assim eu sabia,
E olhando para o meu pai, me repetia:
Eu pequei contra o céu e diante de ti e não sou digno de ser chamado teu filho,
Por ter pecado,
Por ter partido,
Por ter errado
E justamente por isso, ter sofrido,
Por ter abandonado a casa do meu pai,
Por conta disso quase me destruído,
Por ter deixado o apoio do meu lado
Pra tomar um caminho por mim mesmo escolhido...
 
E ainda hoje
Apesar do retorno,
Apesar da mudança,
Apesar do perdão,
Apesar do meu pai,
Homem bom, compassivo,
E apesar do tamanho
Da tua compaixão,
Ainda hoje
Essas palavras acompanham minha vida
Como uma frase nunca esquecida,
Como se fossem para minha vida um estribilho:
Pai, eu pequei contra o céu e diante de ti e não sou digno de ser chamado teu filho...
 
 
VII
O meu irmão
 
Algum tempo depois,
O meu irmão chegando
Em casa após passar o dia trabalhando,
Ao perceber que eu havia retornado
E por isso a festa que meu pai estava dando,
Ficou indignado,
E não queria entrar em casa, contrariado,
E disse ao meu pai em tom bastante magoado:
 
Permaneci do seu lado,
Não me afastei de sua companhia,
Dei duro, trabalhei sério e pesado,
Dedicando meu tempo ao trabalho dia a dia,
Nenhuma ordem sua eu transgredi,
Bem antes disso, obedeci e servi,
E quase que nem acredito,
Nunca ganhei nem a carne de um cabrito,
Nem alegria
Ou comemoração,
Enquanto esse meu irmão mais novo desajuizado,
Depois de ter se comportado tão errado,
Depois de ter se afastado,
Sumido,
Pecado,
Esse irmão descuidado recebe uma festa,
Com musica e dança e o novilho cevado...
 
E dizendo isso, calou-se, decepcionado...
 
E meu pai,
Sempre sereno e com convicção
Respondeu dessa forma ao meu irmão:
 
Filho,
Estás comigo,
Tudo o que é meu é teu,
O alimento,
O conforto,
A casa,
O campo,
A musica,
A alegria,
Tudo que é meu, acredite,
Até mesmo o novilho cevado que morreu,
Mas teu irmão,
Ele não,
Teu irmão estava morto e reviveu,
Teu irmão estava perdido e foi achado,
Teu irmão desgarrado se arrependeu,
E agora já não está mais desgarrado,
Tudo que eu tenho, meu filho, é teu,
E nada do que é teu te foi tomado,
Mas teu irmão estava morto e reviveu,
Teu irmão estava perdido e foi achado...
 
VIII
O que aprendi
 
Mais certo que o fundo do poço é o reinicio,
Maior do que a estupidez humana é o amor do pai,
Mais importante que a queda é o recomeço,
Mais forte que o pecado é a compaixão,
 
Mais firme que o medo será sempre a luz,
Que o desespero, sempre a esperança,
Maior que a perdição é o mapa do caminho,
Mais certo que a dor, a reparação...
 
Mais forte que a insensatez e que o pecado,
Que o desrespeito, o erro, o desalinho,
A treva, a obscuridade, a danação,
 
Mais forte é o amor do pai quando perdoa,
Mais forte é a força do perdão do pai que ama,
O pai compassivo transbordando compaixão...

19.12.13

Preparação

Viver aos poucos, pausadamente,
Viver sem pressa de terminar,
Viver sem precisar sem como a enchente,
Viver sem necessariamente transbordar,

Como uma veia de rio que segue em frente
Na esperança vã de ver o mar,
Viver sem precisar atropeladamente,
Viver com calma, como um menino a brincar,

Porque um dia, quando não se espera,
A vida chama a gente pra outra esfera,
E quem fica, fica sem saber o que fazer,

Por isso, viver a vida como um exercício
Às vezes muito fácil, às vezes mais difícil,
Para o dia quando já não poderemos ser...

16.12.13

Vida

Voltando. Mas pode se dizer tambem que indo,
Porque nesse ir-se também se vai voltando,
A vida segue assim: se despedindo
Ao mesmo tempo em que vai se apresentando...

Voltando. Mas pode se dizer também: partindo.
Partindo. Mas também pode chamar de retornando.
Quem segue pra bem longe é o mesmo que vem vindo,
Depende de onde você está olhando.

E a vida passa assim, sempre seguindo,
E ao mesmo instante em que se vai escapulindo,
Por um outro angulo, vai se aproximando...

Indo e voltando, chegando e saindo,
E desse jeito sempre se divertindo,
E a vida, que pode tudo, nos levando...

12.12.13

A Lei de Deus

O fim é o começo do reinicio,
A queda é o primeiro passo da subida,
O voo se inicia a partir do precipício,
A morte é o inicio de uma nova vida,

Às vezes parece sim, muito difícil,
Travado, inacessível, sem saída,
Permanecer traz um sabor de sacrifício,
Os dias tem gosto de despedida,

Tem dias que parecem desastrosos,
Irremediavelmente perigosos,
Mas é exatamente nesses dias

Que a Lei de Deus atua, soberana,
Descobrindo diamantes sob a lama,
E iluminando as palavras mais sombrias...

Aborrecido

E a minha caixa postal parece em festa,
Acho que pensa que sou um milionário:
Me anuncia tudo que é porcaria que não presta,
À vista ou em dez vezes no crediário...

Será que é isso tudo o que me resta
Nesse mundo cão todo ao contrario?
Será que eu sem perceber trago na testa
Uma plaquinha onde se lê: otário?

A minha caixa postal me diz que sim.
E faz questão de provar isso pra mim
Com propagandas completamente sem sentido...

Por isso ou eu mato, ou eu morro, ou eu fujo pro mato,
Ou eu fujo pro morro, ou eu me trato,
Ou escrevo irritado um soneto aborrecido...

11.12.13

Cansaço

Sinto-me velho demais pra velhos confrontos,
Cansado demais pra velhos enfrentamentos,
E todos em volta de mim sempre tão prontos,
Sempre tão cheios de tantos argumentos,

E eu aqui cansado desses desencontros,
Cansado como se eu fosse um só contra trezentos,
Velho demais e cansado, entrego os pontos,
Trocando velhos punhais por novos ventos...

E velhas brigas já não me interessam,
Já não me atraem quando começam,
Já não me provocam qualquer reação,

Velho e cansado demais pra velhos ringues,
Troquei por novas rimas os velhos estilingues,
A velha pela nova revolução...

9.12.13

Versos terminais

Poemas escritos para serem rasgados,
Poemas pensados para serem destruídos,
Geralmente poemas mal dedicados,
Poemas equivocados, descabidos,

Poemas lavrados para serem abandonados,
Poemas produzidos para serem esquecidos,
Geralmente rimados, esses poemas mal rimados,
Bem construídos só para serem desconstruídos,

Poemas escritos, mas que não deveriam,
Imaginados para quem não os mereciam,
Certos poemas politicamente errados,

Poemas escritos. Bons, mas mal escritos,
Benditos poemas, escritos malditos,
Nascidos somente para serem descartados...


 

3.12.13

Perguntadeira

Quando é que eu finalmente vou ganhar na loteria?
Até que dia vai bater meu coração?
Haverá vida além da poesia?
Haverá poesia além da solidão?

Quanto tempo entre a agulhada e a anestesia?
Qual a distancia entre a razão e a emoção?
Quantos dias faltam pra chegar o dia?
O que é que falta pra eu tomar a decisão?

Quantas perguntas eu ainda posso?
Quanto petróleo tem que ainda é nosso?
E quanto falta pra acabar esse poema?

Quantas mulheres? Quantas crianças?
Quantos descansos? Quantas andanças?
Quanta Copacabana pra fazer uma Ipanema?