E tendo ele atirado
para dentro do santuário as moedas de prata, retirou-se, e foi enforcar-se
(Mateus, 27:5)
O corpo de um homem
Morto,
Sem nome,
Dependurado,
Pálido,
Frio,
Pescoço torto,
E enrijecido,
E de olhar encovado,
O corpo de um homem
Morto,
Solitário,
Abandonado,
A morte, como se não existisse despedida,
O fim da vida, como se não fosse pecado,
Terá tirado de si mesmo a própria vida
Ou terá sido cruelmente assassinado?
O corpo de um homem morto,
Sozinho,
Desarrumado,
A alma aparentemente tão moída,
O corpo aparentemente tão magoado,
Como quem tenta se livrar de uma ferida,
E acaba pela ferida eliminado,
O corpo de um homem
Sem nome,
Sem vida,
Dependurado,
Terá buscado na morte descansar
Aliviado?
Terá de algum crime se arrependido?
De que terá se esquivado?
Seus olhos, por que parecem
Os de um menino assustado?
O que viram,
O que deram,
O que terão desejado?
Ouviu o que não queria?
Pediu e lhe foi negado?
Falou o que não poderia
Ter falado?
Os pés descalços do morto
Por onde terão andado?
Até quão longe seguiram?
Por que voltaram
Para morrerem com o homem,
Como se a morte apagasse
O percurso caminhado?
Porque o corpo do homem
Morto
Parece ali tão cansado?
Suas mãos, porque assim tão graves,
De aspecto tão pesado?
Que coisas trazia nelas
Que o teriam apavorado?
O que terão recebido?
O que terão entregado?
Que gestos terão livremente permitido?
Pra onde terão apontado?
E a boca morta do homem
Sem nome,
Dependurado,
Que coisas terá dito? E sobre quem?
Que acordos terá selado?
Qual foi seu ultimo grito?
Que coisas terá garantido pro seu bem?
Que gentes terá delatado?
Por que desejos inconfessos foi traído?
Por que gestos inconfessos foi culpado?
O corpo do homem morto,
O homem,
Resto,
Largado,
E umas moedas espalhadas pelo chão
Bem ao seu lado,
Será que as terá perdido
Ou terá delas se desinteressado?
Será que o corpo do morto
É o corpo de um bandido?
Será o corpo de um homem
Muito rico
Disfarçado?
E de que serviu,
Se bandido ou rico,
Aquele ouro espalhado,
Se em pouco tempo
Encontrado,
O ouro vai ser dividido,
E o corpo do homem morto
Não o terá levado...
O corpo do homem morto,
Sozinho,
Como um coitado,
Que terá afinal acontecido?
Que coisas terríveis terá testemunhado?
Que gente traiu?
Por que gente foi traído?
Que dor o terá frustrado?
Terá gritado?
Sofrido?
Quem o terá escutado?
Terá, de algum modo, se arrependido?
Terá se desesperado?
Quem o terá convencido?
Quem o terá apoiado?
Terá sido persuadido?
Terá sido contrariado?
Por que esse fim tão doído?
Que coisas terá vivido?
Com quem terá conversado?
Por quem terá se iludido?
Que culpas terá levado?
Que dores terá colhido?
Que dores terá plantado?
Algo o terá convencido
A morrer desse modo desgraçado?
Que culpa o terá ferido?
Que culpa o terá matado?
O que o terá induzido
Que não pudesse ter sido
Perdoado?
O corpo do homem,
Morto,
Entristecido,
Gelado,
O morto que desejou ser esquecido,
O homem que será pra sempre
Desse jeito
Recordado,
O homem,
Sem nome,
Morto,
O morto,
Dependurado,
O corpo do homem,
Roto
E mal vestido,
O gesto desiludido
No olhar desfigurado,
O homem morto
E seu corpo,
Destruído,
Amargurado,
Sem nome
O corpo do homem,
Coitado,
Morto,
O enforcado ...