24.2.11

Carta a uma mãe

Prezada senhora,

Bom dia.
Permita-me usar um pouco de poesia
Para uma quase nem tão breve assim explicação:
Se um dia desses acontecer
De eu estar na Emergência de plantão,
E nesse dia você trouxer a mim seu filho
Com febre alta de pneumonia
E tosse cheia de estertoração,
E ainda palidez, taquisfigmia,
Inapetência e desidratação,
Se nesse dia eu, respeitosamente,
Chamar você pelo nome,
Mas não por um nome qualquer,
Por qualquer nome,
Mas pelo seu próprio nome e sobrenome,
Pronunciado com exatidão,
Letra por letra, palavra por palavra,
Pronuncia exata e sem abreviação,
E se nesse dia dessa pneumonia
Em que eu chamar você, sem falhas de edição,
Pelo seu próprio nome, e por extenso,
Sem erros de dicção,
Bem nesse dia, e justo nesse dia,
Por pura estupidez e falta de noção,
Eu não olhar para o medo do seu rosto
E nem perceber o tremor da sua mão,
E não notar seu esposo aflito e atonito
Ou a lágrima nos olhos do outro irmão,
Não entender seu coração desabalado,
Nem me abalar com sua tensão,
Se nesse dia de pneumonia
Voce chorar
E eu nem notar a razão,
E mesmo que eu chame você pelo nome
E sobrenome, sem abreviação,
E mesmo que eu acerte na receita,
No diagnostico,
E na segurança com que eu avaliar
A possibilidade de internação,
Prezada Senhora, daqui eu pediria
Que nesse dia
Você não acreditasse na minha adequação,
Na minha fala burocraticamente fria,
Na minha frieza cheia de educação,
Na minha imperdoável hipocrisia,
Na minha falsa dedicação...
A educação inventou a poesia,
Mas o verso é da seguinte opinião:
O poema não é feito das suas rimas,
O poema é feito da sua empolgação...
Palavra pronunciada e não sentida
É como palavra sem vida,
É vida sem pulsação...
Então, nesse dia.
De tratamento politicamente correto,
Minha senhora,
Eu peço agora,
Não acredite em mim não:
Minha alma sofre de paresia,
De anestesia o meu coração,
Por isso as vezes a palavra fria,
Como uma caixa vazia,
Como se traduzisse solidão...
Mas se de uma outra vez,
Num outro dia,
Por conta de um episódio de disenteria
A gente se encontrar novamente e ai então
Eu perceber sua lagrima abafada
E o pavor que você tem de infecção,
E eu me sensibilizar com a sua voz pesada,
Trancada e gaguejada com razão,
Se eu esperar pra que você se acalme
Antes de continuar a orientação,
E tentar explicar a você com calma os riscos
No caso de uma desidratação,
Levar você até a Enfermaria,
Apresentar a você a Dra. Maria,
Nossa chefe do setor de Nutrição,
Se nesse dia de disenteria
Eu não deixar você até que você sorria,
E acalme a sudorese e a agitação,
Posto que uma boa conversa, segundo a medicina,
Faz mais efeito às vezes que a nifedipina
Para a hipertensão,
E se eu tratar seu esposo com respeito,
E o irmãozinho do seu filho com atenção,
Se eu perceber a lágrima do seus olhos,
Se eu me incomodar com o tremor da sua mão,
Se eu não disser: “para de bobagem,
Parece criança com medo de injeção
E ao invés disso eu repetir: “Coragem,
Viver é um teste de superação”...
Se nesse dia eu espantar seus medos
E contornar sua preocupação,
Se nesse dia, minha senhora,
Por conta certamente da danada da psora
Eu fugir da linha
E acabar chamando você de Mãezinha
Ou de qualquer outro nome que a equivalha,
Perdoa essa minha falha imperdoável,
Supera esse meu costume incorrigível,
E livra-me da condenação inapelável,
Eu sou terrível...
E acredite:
Justo nesse dia,
Ainda que falte nome e sobrenome,
Ainda que eu atropele a dicção,
E troque a preposição pelo pronome.
Não acredite nessa desatenção.
É que não prestei atenção no papel, minha senhora,
Prestei atenção no seu coração...
E ai toda Maria, toda Mara,
Toda Sebastiana e toda Nelly,
Toda Cristal, toda Dulce e toda Lara,
Não são Melissa pra mim, nem são Michelle,
E não importa se morena ou loura,
E tanto faz o seu tom de pele:
É a mesma mulher desesperada
Que independente da forma como é chamada
Quer ser afagada, acolhida,
E bem tratada,
E mais do que ser bem tratada, ser ouvida,
E mais do que ser ouvida
Ser cuidada...
Tudo mais em verdade são ruídos, bem disse Carlos Drummond,
Tudo mais são como musica sem som.
São conjecturas pra sábios,
São páginas para alfarrábios
E compêndios de psicologia...
Tudo mais em verdade são palavras
Para enriquecer as teses de doutorado
Que vêem pecado onde não há pecado
E contaminam o cuidado com teoria...
Por isso, minha senhora,
Se algum dia,
Por pneumonia ou disenteria,
Eu atender seu filho no plantão,
Presta atenção nos meus olhos
E repara pra onde volto minha atenção:
Se para os dados formais do prontuário
Ou para as vozes do seu coração,
Se pra seu nome correto e sobrenome
Ou pra seu medo de infecção,
Se pra sua vida e pra vida de seu filho
Ou se pras teses de dissertação...
Presta atenção nos meus olhos nesse dia
E tire a sua própria conclusão...
Tudo mais, como o Drummond diria,
São como concha vazia...
Coisa sem cor nem significação...

10.2.11

A trajetória

I
No inicio era um sonho,
Risonho.
No inicio era um sonho
Contagiante.
No inicio era o inicio do inicio
Daquela data em diante.
Mas aquele inicio,
Como todo inicio,
Foi dificil
Como qualquer inicio.
E, como qualquer inicio,
Desafiante.
No inicio era um sonho
Medonho,
Mas era um sonho,
No inicio,
Brilhante.

II
Passados os primeiros dias
Após os primeiros planos
Colecionadas as primeiras alegrias,
Contabilizados os primeiros desenganos,
O tempo seguiu
E o que era um tiquinho cresceu
A criança, ativa,
Virou gente grande,
Adolesceu.
Depois dos primeiros dias,
Apos os primeiros danos,
Desfeitas as primeiras fantasias,
Como acontece, geralmente, com os humanos...

III
Chegaram
As primeiras chuvas
Os primeiros raios,
As primeiras perdas,
Os primeiros ventos,
As primeiras provas,
As primeiras quebras,
Os primeiros trancos
E tormentos...

IV
Depois chegaram mais tempestades:
O tempo ruim nunca vem sozinho...
Uns julgam ser fruto da fatalidade
Despertar dentro de um redemoinho...

V
No inicio era um sonho
Risonho,
Inocente,
No inicio era um grande futuro...
E as nuvens pesadas no céu
De repente
Mostrando pra gente
O tempo escuro...

VI
E uma hora as coisas começaram a ficar feias
As caixas das contas a vencer, mais cheias,
As do que havia pra receber,
Cheias de não...
E nessa hora de indefinição
Uns desistiram,
Outros nem voltaram,
Alguns se julgaram
Cobertos de razão,
Muitos mentiram,
Alguns se aproveitaram,
Uns poucos nem retornaram,
Passado o verão...

VII
Mas houve uns poucos
Que aprenderam a nadar na contra mão,
Acostumados a transformar o NÃO em SIM
E a superar, assim, qualquer senão...
Permaneceram,
Ficaram,
Não reclamaram
Nem esmoreceram,
Não desmereceram,
Lutaram,
Perderam muito
Mas não se perderam...
Seguiram, sem questionar, seu coração...
Houve esses poucos
A quem poderiamos chamar:
Superação...
Não desistiram.
Sofreram.
Não imaginem voces o quanto choraram...
Mas não perderam sua convicção...

VII
Havia muita chuva ainda por vir,
E muito atalho ainda pra pegar,
Muita luta pra não deixar a peteca cair,
Só não havia tempo pra se lamentar...
Só não havia tempo pra desistir,
Só havia uma palavra: superar...
Era preciso, na crise, prosseguir,
Na crise, era preciso se organizar...
E as vezes, no meio da calmaria,
Quando parece que acabou a ventania,
E tudo em volta parece se ajeitar,
Parece que, exatamente nesse dia,
O destino, carregado de ironia,
Arruma um jeito de atrapalhar
O resto que ainda resta de fantasia,
O força que ainda resta pra sonhar,
Traz sempre um jeito de incomodar,
E incomoda,
Como se colocasse a gente no centro da roda
E começasse a rodar,
E ai, no meio da poesia,
Tem sempre um verso que não consegue rimar...

VIII
Chega uma hora
Em que a palavra é desacreditada,
A hora em que o desespero
Faz toda gente desesperançada,
Chega uma hora
Em a história inteira parece estar contada,
E pro futuro
Uma palavra apenas reservada:
NADA...
Chega uma hora
Em que a esperança parece estar perdida,
A coisa tão sonhada, destruida,
A fé, mal construida, espatifada...
Chega uma hora
Que é uma hora
Danada...

IX
Era preciso um coração valente
Vestido de fios de luz e dor,
Um coração confiante, resistente,
Vestido de fibas de destemor,

Um coração feito completamente
De amor imenso, o mais genuino amor,
Um coração contagiante e ardente,
Era preciso um assim, desbravador,

Um coração pra conduzir a gente
Que desandava, descrente,
Como um pedaço de nada, sem sabor...

Um coração confiante e coerente,
Um coração que nunca se mostrou ausente,
Que nunca se tornou um desesrtor...

X
E hoje aqui estamos
Sobrevivemos às tempestades...
Não nos rendemos às desconfianças,
Não nos curvamos às dificuldades...
Não aderimos às desesperanças...
Não confirmamos as fatalidades...
Aqui chegamos.
Existe um sonho esperando ser sonhado.
Existe um futuro para ser construido.
Existe uma lição aprendida no passado.
E o dia apos dia para ser aprendido.
Mas cá estamos.
De alguma forma, não nos dispersamos.
De alguma maneira, não nos destruimos.
Na data de hoje nos reencontramos.
Comemoramos a alegria que sentimos
Porque de alguma forma não entregamos
A história que de algum modo construimos.
Cansados, mas felizes, aqui estamos...
Felizes, mas dispostos, assumimos...
As lutas que ate agora nós travamos
Que seja o combustivel de que necessitamos
Para crescer...
É só o inicio. Mal começamos.
É só o inicio. Aqui estamos.
Depende de nós para o resto acontecer...

XI
O reinicio de um sonho,
Risonho.
Um sonho que permanece
Contagiante.
No inicio era o inicio do inicio,
Agora o reinicio
É dessa data em diante.
E esse reinicio,
Como todo reinicio,
Não vai ser facil
Como qualquer sacrificio,
Mas, como qualquer reinicio,
Vai ser um reinicio
Desafiante.
Esse reinicio é um sonho
Medonho,
Mas é um sonho
Com reinicio
Seguramente
Brilhante.

Dedicado à minha mãe, Hilda Mussa Tavares, de coração valente, e à sua perseverança na condução acertada à frente do Colegio Anglo Campos.

6.2.11

A metade do caminho

Se voce obedecer todas as regras vai perder a diversão,
Se desobedecer todas, vai correr perigo...
É preciso equilibrar-se entre a paz no coração
E aquele friozinho no umbigo...

É desafiador caminhar na contra-mão,
É patético viver sob um abrigo...
O que tempera a vida é a emoção,
Saber reconhecer o joio e o trigo...

É sempre assim: a metade do caminho...
De um lado a brisa, do outro o torvelinho,
Adrenalina pura e calmaria...

Seguir em bando ou decidir sozinho
Se bebe agua ou se bebe vinho
Escrevinhando a própria poesia...




1.2.11

Constatação

Uma andorinha só não faz verão,

Um verso sozinho não sabe como rimar,
Um coração quer sempre outro coração
Para abraçar...