25.8.04

Fingindo
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Autopsicografia, Fernando Pessoa


É quase poesia. É uma ousadia.
Parece. Tenta ter a mesma cor.
Até se esforça, como quem copia,
Ou como faz o pássaro cantor...

Mas assim com a canção que o pássaro cria
É quase uma canção, o trovador
Tenta a palavra em forma de poesia...
Por isso é que o poeta é um fingidor...

E finge o verso, ou quase o verso, e tenta,
Espera, espelha, espalha, experimenta,
E a poesia quase vai surgindo...

Mas, como um terno imitação de um Armani,
Este soneto, amigo, não se engane,
É só o poeta, um fingidor, fingindo...

18.8.04

O Enigma da Serpente
Este soneto é uma letra de musica.
Faz parte da trilha sonora que estou compondo para o musical infantil O Pequeno Principe.
Fala do encontro do Principezinho com a serpente no deserto.
Esta e as outras cações brevemente estarão disponiveis em mp3 em site brevemente divulgado.

Eu não vou muito longe, me arrastando.
Eu ando como quem arranha o chão.
Não sei andar correndo nem voando.
Eu ando quase como um arranhão.

E muita gente me acha um bicho estranho
E acha estranha a minha condição.
O meu caminho eu traço enquanto arranho
O chão como quem vai de escorregão.

Eu não vou muito longe. Mas cuidado.
Basta somente um beijo meu, gelado,
Somente um beijo pra te levar

Por mares nunca dantes navegados,
Por sonhos que jamais serão sonhados
E o coração não ousa imaginar...

12.8.04

A palavra certa

Compreender os designios de Deus
Não é questão de raciocinar...
Deus grava a escrita certa
Em linha certa...
A gente é que é incapaz de soletrar...

11.8.04

Cuidado quando voce for escrever poesia no Livro de Plantão
ou A fogueira da Inquisição não se apagou...

Não pode verso em Livro de Plantão.
Não pode rima em plena Portaria.
Nos corredores pode também nção.
Na Recepção não pode ter poesia.

Não pode verso escrito em receituário.
Versinhos causam grande confusão.
Seja discreto, portanto, em seu poemário,
E siga sempre o Manual de Instrução:

Não rime nada que comprometa.
Segure a onda da sua caneta.
Sonetos só se forem pra tapear.

Por isso evite escrever poesia.
Tome cuidado porque a Auditoria
Costuma, invariavelmente, não gostar...

6.8.04

A fraternidade em flocos

A fraternidade não se intimida.
Resiste à dor e à dificuldade.
Não capitula, ainda que ferida.
Serve de antídoto pra infelicidade.

Não esmorece quando coagida.
Não vive à cata de novidade.
Não queda desatenta ou distraida.
Não teme ou treme ante a fatalidade.

A fraternidade. Nunca dividida.
Nunca deixada prá trás. Nunca perdida.
Não faz acordos com a iniquidade.

Amor que dura por toda a vida.
A dracma que jamais será perdida.
O amor tem flocos de fraternidade.

A fraternidade

A fraternidade se diverte e brinca,
Faz coisas tolas parecerem sérias.
A fraternidade não tem limites:
Resiste aos virus e às bacterias.

E enquanto brinca e se diverte, cuida.
Como um remedio que os anjos dão.
E enquanto cuida com paciencia e zelo
Vai se tornando um só coração.

A fraternidade. Nada a copia:
Tratado, pensamento, poesia...
Nada contem tanta sinceridade...

Benditos sejam os irmãos que a vida
Faz com que vivam sem despedida...
Não há adeus na fraternidade...

4.8.04

O Papel Infeliz
Em Campos, minha cidade, há dois matutinos: a Folha da Manhã e O Diário.
Obedecem linhas politicas distintas e por vezes chegam a noticiar o mesmo fato como se fossem fatos diferentes.
Aos matutinos da minha cidade, o meu soneto.

Culpado! Culpado! Escreve a Folha...
É inocente! Garante O Diário...
Um jornalismo de multipla escolha
Feito pra um mundo todo ao contrário...

O objeto. Um assegura: é rolha.
O outro jura que é um dromedário.
Um diz que é culpa de uma abelha a bolha,
O outro, de um maníaco sanguinário.

Está criada a informação zarolha
Quando um jura que é toco, outro que é trolha
E onde nenhum dos dois admite falha...

E sob esse surrealismo extraordinário
Resta ao leitor esclarecido a encolha
Ou o papel infeliz do grande otário.