25.12.03

Da série : cada um tem a Canção de Natal que merece...
Em 2003, depois de muita luta e muita promessa politica de oferecer ao grupo de médicos da Emergencia do HGG uma complementação salarial, chegamos ao Natal so com palavras vazias dos que deveriam honrar o que prometem. Dai a canção, dedicada a Papai Noel...

Entrei devagarinho
Na Emergencia do Hospital.
Pedi a Papai Noel
Um presente de Natal.
Como é que Papai Noel
Não se esquece de ninguem
Se deixou o meu presente
Prá entregar ano que vem?...

Mostrei meu salarinho
E o trabalho sem igual...
Papai Noel pediu
Pra deixar passar o Natal.
Como é que Papai Noel
Ta aprendendo a enganar bem...
Entra ano, acaba ano
E so promessa e nhem nhem nhem...

5.12.03

Recomeçando
Após ouvir uma canção de Chico Buarque

Amo tanto e de tanto amar
Eu adoeço.
Eu queria retornar
Ao meu começo
E aprender a amar
Sem adoecer,
Porque amar não foi feito
Prá morrer...

2.12.03

Não precisa responder
E eis que o primeiro relógio digital do mundo homenageado com um soneto deu defeito...

Talvez por não estar acostumado,
Talvez apavorado, e até com medo,
Talvez por ter sido tão criticado,
Ter sido causa de tanto enredo,

Talvez por isso, amanheceu quebrado
O aparelhinho que através do dedo
Sabia dedurar o atrasado
E o nome exato do que chegou cedo...

Talvez por ter sido tão comentado
Foi que, por tempo indeterminado,
O aparelhinho virou brinquedo...

E eu já tinha até me conformado...
Me diz, mas diz sem ser mal educado,
Me conta agora onde é que eu boto o dedo...

25.11.03

Sonetinho Desapontado
(ou: Cecilia Meirelles tinha razão...)

Foi instalado no Hospital de Guarus um relogio de ponto que funciona mediante registro da impressao digital dos funcionários. Um must de tecnologia num país de banguelas. A fila interminavel de funcionários que entravam e saiam do Hospital cruzando pela nova maquininha gerou o maior pandepá. E a poesia se fez presente. Ou o médico chega e começa o atendimento e esquece o ponto ou entra na fila do ponto e ignora o atendimento...

Se eu começo o atendimento, atraso o ponto...
Se eu bato o ponto, atraso o atendimento...
Se eu não passo o cartão, ganho um desconto...
Se eu não atendo é um descontentamento...

E assim eu sigo, um tanto o quanto tonto...
Uma dúvida atroz me rói por dentro:
Eu largo a Emergencia e marco o ponto
Ou largo o ponto e abaixo o vencimento?

O ponto ou a Emergencia? A febre ou o ponto?
O ponto digital ou o sangramento?
Ó duvida cruel... Eu não aguento...

Como é que eu faço? Com quem eu conto?
Será que tem que ser assim e pronto?
Quem é que muda esse regulamento?

19.11.03

O Coração

O coração, sem freio, sem cadeado,
Não reconhece mão ou contra-mão.
Não sabe nunca o que é certo e o que é errado.
Caminha por ai sem proteção.

Não tem defesa. Não é murado.
Vai desarmado. É a sua condição.
Não leva má intenção e é descuidado.
Escolhe sempre errado o sim e o não.

Não tem palavras. Bate calado
Dentro do peito, trancado
Feito um inconfidente na prisão...

Por não ter muros, vive espalhado...
Por não ter freios, desabalado...
Por não ter olhos, não tem perdão

16.11.03

Um poeminha

Eu faço verso de um palavreado.
Que é coisa breve, Quase sem som.
De rima improvisada e sem pecado.
De um pensamento de desejo bom.

Eu faço verso de não dizer nada.
Nenhuma novidade. Nenhum brilho.
Como quem reinventa a caminhada.
Como quem redescobre o próprio trilho.

Eu faço verso de pequena rima,
De poesia tosca e pequenina,
De pés descalços, tocando o chão...

Eu faço verso de motivo aguado
Que não tem tranca nem cadeado
E nem tem freios no coração...

10.11.03

O pomar
Após escutar o novo CD de Lô Borges

Um dia, se eu tiver merecimento,
E for morar em Milton Nascimento,
Eu vou catar um cesto só de acordes
No pomar de Lô Borges...

4.11.03

As trinta gramas
João Geraldo nasceu com aproximadamente 1200 gramas. Nos 10 primeiros dias de vida chegou a pouco mais de um quilo. Hoje, por volta de 1350 gramas, percorre um lento caminho até a alta. À nosso pequeno homenzinho, este poema.

Mil trezentos e vinte... Mil trezentos e cincoenta...
As trinta gramas essenciais...
A progressão, que é vagarosa e lenta...
As trinta gramas a mais...

Sessenta, setenta, oitenta... Então noventa...
Tão pouco e tanta diferença faz...
Como se fosse a medalha de quem tenta...
As trinta gramas fundamentais...

E a cada grama, um Everest inteiro...
Como quem cruza a fronteira... Como quem chega em primeiro...
Como quem ganha a carta de alforria...

As trinta gramas de felicidade...
As trita gramas buscando a liberdade...
As trinta gramas a mais de cada dia...

31.10.03

Como se fosse

Eu faço verso como quem esbarra
Num balde d'água, lavando o chão
Do corredor,
Da sala,
Da varanda,
Do quarto,
Do interior do coração...

Eu faço verso como quem pesca...
Como quem lança o anzol e a isca ao mar...
Eu nunca sei
Que forma,
Conteudo,
Som,
Palavra,
Idéia
Eu vou pescar...

26.10.03

Nova Súplica ao Poema

Trazei-me, Poesia, a boaventura...
A que há em toda parte e falta em mim...
Contaminai-me com a tua alma pura...
Com teus caminhos cheios de sim...

Banhai-me, Poesia, com a ternura,
Daquelas ternuras que não tem fim...
Como se fosse uma infusão que cura...
Gosto de fruta... Cheiro de alecrim...

E fica, assim, comigo, poesia...
Clareza misturada à luz do dia...
Delicadeza misturada ao vento...

Cuida de mim como quem cuida a cria...
Fica comigo e em minha companhia...
Descansa e brinca no meu pensamento...

19.10.03

O Poema
Revisado

Quando estou triste o poema me alimenta...
Desesperado, o poema me contém...
Se estou carente, o poema me sustenta...
Quando estou mal o poema me faz bem...
Se o dia é feio, o poema o reinventa...
Se falta todo mundo, o verso vem...
A minha garrafinha de agua benta...
Meu lugarzinho no trem...

Quando estou bem, o poema me acalanta...
Feliz da vida, o poema é quem me traz...
Se estou em paz, a palavra se agiganta...
Se estou mais leve, a palavra me refaz...
Se tudo em volta é luz, o verso canta...
Se tudo é só sorriso, o verso é mais...
O meu tapete voador... Meu mantra...
Meu pedacinho de paz...

17.10.03

Voce é assim
Poema revisado.
Ao rever alguns poemas escritos há algum tempo, encontrei este.
O que a principio era só uma cantada ganhou um verso no final que acaba sendo um elogio e uma defesa da amamentação.
Eis ai duas das varias funções do aleitamento que não estão nos livros.
A cantada.
E o poema.
E cada vez que se estudar esse tema, a amamentação, e se propuserem novos angulos de visão e entendimento de sua complexidade, ainda assim a cantada e a poesia surpreenderão os que consideravam o assunto esgotado.
Aos bebes, às suas nutrizes e a seus particisuperpais meu agradecimento e minha poesia...
Ou quasepoesia...


Mais deliciosa que escrever poesia.
Mais limpa do que a voz de João Gilberto.
Voce é mais gostosa que a Bahia.
Mais clássica que um Lawrence no deserto...

Mais fotogenica que o Rio Guaiba.
Mais delicada do que chuva fina.
Melhor do que um forró na Paraiba.
Taquicardiza mais que a adrenalina.

Mais firme do que o som de Luiz Gonzaga.
Melhor do que escutar Chico cantando.
Bem mais desconcertante que Ipanema.

Possui mais poesia que Passargada.
Mais vida que um bebe amamentando.
Por isso é que eu te fiz esse poema.

13.10.03

O Coração
O Coração tem um sereno jeito... Fado Tropical/Chico Buarque-Ruy Guerra

O Coração tem um sereno jeito
E ao mesmo tempo um jeito intempestivo...
Vive buscando achar o amor perfeito
Enquanto perde-o, mesmo sem motivo...

O Coração, Nação sem preconceito...
Incoerente... Persuasivo...
Ao mesmo tempo que vai dentro do peito
Se atira ao mundo, quase obsessivo...

O Coração, com seu jeito sereno,
É feito o soro contra o veneno,
É o que há por trás de toda conclusão...

Sereno jeito, Coração insano,
Que busca o céu e que é tão leviano...
Terra misteriosa, o Coração...

9.10.03

Torpedo

Você mora no meu pensamento.
Você vive no meu coração.
Carrego seu nome escrito nas linhas
Da palma da minha mão...

8.10.03

Embuçado

Em que lugar mora o verso não escrito?
Deita as palavras em que lugar?
Em que pedaço intocado do infinito
Que não se deixa ver nem desvendar?

4.10.03

Autonomia

As vezes a poesia fica assim:
Presa na minha alma, que é ruim,
Ou solta, esparsa, na imensidão...
Quero tomá-la de volta...
Não consigo...
Acho que ela é como é o meu coração
Desencontrado

A poesia, sem contar, saiu
Levando os versos que eu tinha pra escrever...
Deixou meu coração cheio de estórias
Mas sem palavras de poder dizer...
Quando o verso vai embora a alma fica
Como um navio quando se perdeu...
Estou sentado... Beira do porto...
Espero a volta do verso que era meu...

28.9.03

A forma leve de amar você
Tati é um anjo. E anjos são livres por definição. E mesmo os anjos que não tem asas nem vestidinhos brancos nem tocam trombetas nem moram nas nuvens, mesmo estes, são livres, porque voar e ser livre é coisa dos anjos. Amar um anjo não pode ser amar assim, de qualquer jeito. Amar um anjo deve ser leve feito espuma, embora imenso feito o mar. Amar um anjo é aprender a forma leve que há de amar.

É não precisar se ver a toda hora:
Pode ser se ver agora
Mas pode ser ficar uma semana sem se olhar...
É não cercar seu caminho...
É ter que às vezes ficar sozinho
Pra ficar sempre
Sem se cansar.
É não passar torpedo o dia inteiro
Porque o amor, quando é verdadeiro,
Não depende de um torpedo
Pra durar.
E se chegar sexta feira
E der vontade de fazer besteira,
Andar a toa,
De passear,
E justo nesse dia você resolver voar,
É ter paciência...
Tomar um gole de tolerância...
Amar é mais que estar na sua presença...
Amar é imenso, mesmo que à distancia...
É não ficar preso.
Nada dessa coisa de fixação...
É como dar um pouco de desprezo...
É dar um pouco de desatenção...
Mas é amar também com lealdade,
Amar é feito de fidelidade
E de vontade de ser feliz...
Mas o caminho da felicidade
É feito as ruas da grande cidade:
Tem setas, placas, pontes, guardas, curvas,
E a contramão,
E o fino por um triz...
Amar assim é leve feito a espuma
Embora enorme feito o grande mar.
É quase nada, feito um grão de areia,
E ao mesmo tempo imenso feito o ar...
Quase apagado, como a lua nova,
Que é a mesma lua cheia das noites de luar...
É aprender a não ser pra ser...
Não precisar dizer pra dizer...
Não precisar tocar pra tocar...
É aprender a forma leve que há de amar.
O perfume
Ontem pela manhã eu tive a nítida impressão de um fim de história.
Um fim tão delicado quanto seu inicio.
E como todo fim delicado deixa um perfume, também este fim deixou um aroma suave de perfume.
Um poema?
Ah... Uma estória que começa em poesia não pode ter um fim, ainda que suposto, sem poesia...
Mas foi apenas uma impressão que não se cumpriu...
E que deixou um poema que aqui segue.


Vivi dias felizes do seu lado...
(e eu nem sonhava quando te encontrei)
Foi algo assim como um tempo encantado...
Eu era um pária e me tornei um Rei...

Olhei para um futuro iluminado
E eu quis ter o futuro que eu sonhei...
Mas o futuro passou... virou passado...
Passou... mas foi verdade o que provei...

Saboreei poesias deliciosas...
Um mar de rosas maravilhosas
Depois de tanto tempo sem carinho...

Passou. Não quis ficar. Voou, que pena,
Deixando o seu perfume em meu poema
E as marcas dos seus pés no meu caminho...

Passou. Não quis ficar. Mas o perfume
Traz o sabor suave do seu nome...
De um tempo bom quando eu não fui sozinho...

26.9.03

Voce é um anjo...

Você é um anjo? Responde...
Caiu do céu? Diz pra mim...
Conta-me: foi quando? aonde?
No meio de que jardim?
Caiu do céu por acaso
Ou veio aqui cumprir uma missão?
Chegou bem na hora? Houve atraso?
Alguma antecipação?
Como cruzou meu caminho
Descobrindo onde é que eu tava,
Oferecendo o carinho
De que eu tanto precisava?
E porque não foi embora
Logo depois que me viu?
Porque mudou minha estória?
Porque é que não desistiu?
Porque é que não sentiu medo?
Porque ficou do meu lado?
Porque contou seu segredo?
Porque aprendeu meu passado?
Porque fez planos futuros?
Porque tentou me ajudar?
Brilhou meus dias escuros
E me ensinou a voar...
Porque me estendeu seu braço?
Porque tocou minha mão?
Porque curou meu cansaço
Da vida, da ingratidão?
Porque pediu um poema?
Porque me olhou delicada?
Porque essa voz tão serena
E essa pele amorenada?
Você é um anjo, confessa...
Caiu do céu feito um passe...
Como quem chega sem pressa...
Como quem pousa com classe...
Disse-me coisas de um jeito
Saboroso de falar...
Tomou conta do meu peito
De um jeito bom de tomar...
Ficou comigo. E, brincando,
Transformou a minha vida...
Eu nem vi você chegando...
Eu nem penso em despedida...
Um anjo bom, certamente...
Um anjo que me envolveu...
Entrou na minha vida lentamente...
Um anjo bom... Que bom que Deus me deu...
Amigas
Para Tati e Silvana

Basta um olhar. E é como a frase inteira...
Basta um sorriso, mais nada...
Amigas: Deus as fez dessa maneira...
Amigas: donas da mesma risada...
Gostosa essa amizade verdadeira...
Cumplicidade compartilhada...
Amigas: Deus as quis dessa maneira...
Amigas: que expressão mais delicada...

22.9.03

A Palavra Ruim

Eu disse coisas que não deveria...
A hora errada... a palavra errada...
Eu falhei justo quando não podia...
Eu fiz a coisa toda desastrada...

Em vez de me alegrar na sua alegria,
Em vez de participar da sua risada,
Eu fui indelicado aquele dia
Deixando a sua alma magoada...

Naquela hora, eu não percebia,
E, sem perceber, eu quase te perdia
Como quem perde uma jóia lapidada...

Minha indelicadeza te ofendia...
Minha palavra ruim te entristecia...
Eu fiz besteira aquela madrugada...

19.9.03

Os Sonetos Imperfeitos
Já há algum tempo eu comecei a tentar escrever sonetos. O máximo que consegui foi escrever estruturas imperfeitas que apavorariam Bilac. Chamei-os uma vez de sonetos imperfeitos, dado o numero abusivo de quebra das regras da criação dos sonetos. Como não escrevo seguindo mapas, decidi continuar a escreve-los assim, barbarizando as regras sem me arvorar a contesta-las. É apenas um modo de escrever poemas. Me desculpem os puristas mas arriscar é essencial. Este poeminha nasceu hoje entre as consultas de um ambulatório do SUS em Tocos, Distrito de Campos. Não sei porque exato esse tema veio me caçar ali na roça. Mas ai esta mais um soneto imperfeito feito de supetão...

Sonetos imperfeitos, como os faço,
Com cada verso escrito em um tamanho...
É essa a característica do meu traço...
E eu confesso: já nem acho estranho...

Sonetos imperfeitos como escrevo...
Que vem naturalmente de onde vem...
Depois de prontos é que eu percebo
A graça que cada um deles guarda e tem...

Sonetos imperfeitos. Nem sonetos,
Nem imperfeitos. Simplesmente feitos
Sem dar aviso... De supetão...

Sonetos imperfeitos que me cercam...
São feito gotas de óleo que não secam
E lubrificam meu coração...

17.9.03

As três formas de amar

Amar
Primeira forma

Primeiro eu. Segundo eu. Depois você.
Você me pediu pra amar assim.
Mas como, se eu não sei como fazer
Deixar você pra cuidar de mim?

Se o seu sorriso é que me faz sorrir
E a sua paz é a minha felicidade,
Falta aprender como não sentir
Tanta necessidade

De entregar tudo pra você primeiro
Para que assim sobre o mundo inteiro
Pra conquistar do seu lado.

Primeiro você. Isso é tão verdadeiro.
Segundo nós. Tem mais sabor e cheiro.
Terceiro eu. É bem mais reservado.


Amar
Segunda forma

Primeiro você. Segundo você. Depois eu.
Você falou que é assim que sabe amar.
Eu aceitei. Você me convenceu.
Ninguém entrega o que não pode dar.

Ninguém garante nada sem certeza.
Não compra nada sem ter pra pagar.
Sua verdade, a sua delicadeza...
Foi como isca de me pescar.

E não me importo em ser o terceiro.
O ultimo, às vezes, chega em primeiro.
Tem tantas voltas pro mundo dar...

Aceito o seu amor. Ele é sincero.
Sabor do doce que há muito espero.
Te amar é bom em qualquer lugar.


Amar
Terceira forma

Primeiro nós. Segundo Nós. Depois nós.
É aí que eu quero poder chegar.
Como duas vozes cantando a mesma voz.
Como a areia da praia guarda o mar.

Primeiro nós. Segundo nós. Depois o mundo
Inteiro só pra gente conquistar.
Nem um nem outro em primeiro ou em segundo,
Mas feito as duas asas de voar...

Mas feito a tinta e a tela... O carro e a estrada ...
A lua e a viola enluarada...
A rima e o poema pra rimar...

Num tempo quase sem diferença.
Entrega inteira... Integração imensa...
Num tempo suave que se chama amar...
A batida do coração

O coração de toda gente
Bate assim: tum-ta... tum-ta...
E é nesse batucar
Que segue em frente...
Mas a batida do meu é diferente:
Batuca assim: tum-tati...
E nesse ritimo ele bate
Enquanto eu vou tateando o que ele sente...

12.9.03

O passo do tempo
Escrevi esse poemito tolo há mais de 20 anos. Fazia parte de meu caderninho de versos dos tempos da Medicina no Fundão. Tolo, jamais o publicaria. Uma foto-imagem guardada em www.dialomagem.blogger.com.br me o fez recordar. Nada. Quase nada. Um canto de um garoto ainda. Atonito com a velocidade da vida. Não fosse a imagem deliciosa do blog visitado, permaneceria comigo. Eu o reparto. Como quem dividia biscoito Maria e ki-suco no primário. Nada demais nesse verso. So comunhão.


O tempo passa depressa...
Tão depressa... Ninguem vê...
Pergunto: Que pressa é essa?
E o tempo, com muita pressa,
Não para pra responder...

11.9.03

A fração de um segundo

Ontem voce me disse assim: te amo...
Foi sem querer. Mas aconteceu.
Tentou mudar. Pode ter sido engano.
Mas voce sabe bem: falou, valeu...

Ontem voce escapou dizer: te amo...
Trocou pra eu te adoro assim que percebeu.
Mas depois que a bomba explodiu, causando o dano,
Não tem mais jeito... Já aconteceu...

Não era pra dizer. Mas voce disse.
Falou como quem diz uma tolice.
Eu te amo. Escapou. Foi de repente.

Quem sabe alguma coisa ai dentro
Ta balançando seu pensamento
Modificando o que voce sente?

Voce me disse eu te amo . E num segundo
Eu me senti como quem ganha o mundo.
Voce me deu a vida de presente.

8.9.03

Razão nenhuma

O coração, astuto e arredio,
Passeia livre da exatidão.
Vive desafiando o desafio
Com seu comportamento sem razão.
O coração... Que nunca está vazio...
Que nunca tem razão... O coração...

7.9.03

O Retorno
Em 6 de setembro comemorei 44 anos de idade. Era o momento de tornar registrado um pedaço da estória do meu pensamento. O registro da infancia. O descaminho após a separação. E o retorno. Lento. Leve. Mas definitivo. Uma festa de aniversário que a vida me preparou e tem me oferecido com graça. O Retorno não é um poema. É um relato. E, mais do que um relato, é uma reverecia à vida a que retorno e que retorna à mim. Navegar é preciso. Viver não é preciso. Retornar é estar de volta ao paraiso.

I
De onde eu vim era frio.
O vento assoviava uma canção ruim.
As cores eram cinzentas.
As vozes odientas,
As ruas eram toscas de onde eu vim.
O ar cheirava a ozena.
De onde eu vim não havia nenhum poema,
Nenhum alento.
De onde eu vim morava o pensamento
Estranho.
Vinagre era água de banho
E era a mesma água que tinha pra beber.
Era um lugar chamado desprazer
Onde comida era resto.
De aspecto abominável feito o incesto.
E não havia boa companhia no lugar de onde eu vim.
Só gente estranha. Gente disfarçada.
Maledicente, mal-intencionada,
Interesseira e desinteressada...
A ingratidão era a marca registrada.
Ninguém sorria pra mim.
A figueira era seca. Não frutificava.
A dracma, perdida.
A idéia era fragil. Não se sustentava
E a vida parecia não ter vida.
O vento ali não soprava
O fogo nem aquecia.
O sono jamais descansava.
A comida não alimentava quem comia.
E feito a morte quando não avisa,
E feito o câncer que não se anuncia,
Também a escuridão, lá de onde eu vim, não se anunciava.
Simplesmente se aproximava
E me abraçava
Como se fosse grande amiga minha.
Mas era só maçã envenenada.
Bruxa na pele de fada,
De olhar tranqüilo e aparência mansinha.
Mas era como a pele infectada
Disseminando a doença obscura
E sem cura
Do desespero...
E se divertia...
O desespero alheio, sua alegria.
E assim era a escuridão quando ela vinha...
Estúpida, insensível, erva daninha...
Covarde, fria, seca, podre, ruim...
E assim era o lugar de onde eu vim...
II
Mas de onde eu vim não era o meu lugar
Nem minha casa ou meu ninho...
Foi por descuidos e descaminhos
Pisando em flores, colhendo espinhos,
Feito uma nau perdida em alto mar,
Plantando estupidez, colhendo enganos,
Somando perdas, coletando danos,
Feito uma embarcação a naufragar.
Foi desse modo que eu fui parar
Nesse lugar que não me pertencia
E nem à minha vida e a meu destino.
Foi tão somente onde eu cheguei um dia
Por desacerto meu. Por desatino.
Não era meu lugar, mas de onde eu vim.
Fazia frio. Era um lugar ruim
Aonde eu cheguei quando eu perdi meu sim...
Onde eu quase morri...
Mas não era o lugar onde eu nasci
III
Onde eu nasci tinha musica, poesia,
Amor de pai e mãe, nome de irmão.
Um violão dedilhava a canção que eu escolhia
E um professor me ensinava a tocar violão.
Onde eu nasci tinha comida que satisfazia,
Tinha um quintal do tamanho da imaginação,
Tinha vovó Maria,
Bolas de gude só por distração,
E tinha as coisas erradas que eu fazia,
Pecados que de tão tolos já nem são...
Onde eu nasci tinha afeto.
Tinha o pai sempre por perto.
Beijo na testa. Aperto de mão.
Eu tinha casa boa de morar.
Brinquedo bom pra brincar.
Roupa lavada. Café com pão.
Tinha descanso e suporte,
Escudo e escora,
Ensinamentos da vida além da morte.
Lições de vida pela vida afora.
Eu tinha um quarto pra descansar.
Tudo de bom para acontecer.
E muitas musicas pra cantar.
E vários versos pra se escrever.
E quando o tempo fechava
E a noite absurda
Era a anunciação do temporal,
Havia a proteção que não faltava,
O aconchego, o colo, o braço, a mão...
A boa palavra
Que não chegava impondo condição...
E mesmo quando a dor era mais forte
Havia alento,
Refazimento,
Havia ungüento pra dor do mal...
Onde eu nasci era assim:
Repouso e pasto,
Caminho longo ao sol, porem seguro.
Havia o mundo, mundo, vasto mundo... Vasto.
Que eu observava de cima do meu muro.
Um muro alto que me protegia...
Um muro imenso que me preservava
Das tempestades de hipocrisia,
Do mau juízo, da má palavra...
E ali de cima do alto do meu muro
Que era como se fosse um pai pra mim
Eu respirava ar puro...
Onde eu nasci era assim...
IV
Mas
Um dia quando tudo deu errado
E nesse dia eu descuidei de mim
Eu fui, feito um cartão extraviado,
Desembocar nos rumos de onde eu vim...
Um dia, feito um rio extravasado,
Um dia, feito um temporal ruim,
Ruim feito um feitiço encomendado,
Ruim feito a crueldade que é sem fim,
Um dia, quando tudo foi quebrado,
Ou quase tudo, melhor assim,
Eu capotei... Cai desacordado...
Tive o meu rosto inteiro deformado...
Meu santuário usurpado...
Um dia, quando tudo deu errado...
Um dia, quando eu descuidei de mim...
V
Hoje
Há os que julgam que eu nunca fui.
Há os que acreditam que eu não voltarei.
Há ainda os que estão certos de que eu sou
Do lugar pra onde eu fui quando eu nem sei
Por que motivos, com que interesses,
Quando eu morri, quando eu me descuidei...
E ha os que me enxergam tão perdido
Que quase não conseguem acreditar
Que eu resolvi voltar pra minha casa...
Que eu tenho rumo e pernas de voltar...
Há os que me evitam,
Os que me procuram,
E os que só se aproximam pra roubar
Não a moeda, a vida...
Não o sonho...
Mas a capacidade de sonhar...
Ha os que sabem,
Os que nem supõem,
Os que se negam a acreditar...
Os que criticam,
Os que observam,
E há os que não sabem disfarçar:
Condenam,
Executam,
Discriminam
E cobram mesmo sem ter o que cobrar...
Enganam mesmo sem nenhum motivo,
Escondem sem ter coisa pra ocultar.
E mentem mesmo sem necessidade.
E falam coisas de não se falar.
Gentes...
Inúmeras pessoas.
Muita gente.
Quase impossível pra mim determinar
Tudo que falam,
Tudo que pensam,
Tudo que teimam em acreditar...
VI
Enquanto eu sigo o rumo do retorno
E cruzo pontes e matas e quebradas
E varo dias, e cruzo noites,
E passo acordado as madrugadas,

Enquanto eu varo noites sem sono
Cujo único objetivo é o de chegar
Eu cruzo gentes pelo caminho...
Como é imenso o meu caminhar...

É o retorno à casa tão distante.
Retorno imprescindível e impressionante.
É meu caminho de volta ao lar

Onde ao chegar eu estarei cansado
Porem imensamente gratificado
Por ter conseguido chegar.
VII
Retorno.
Já posso ouvir a musica ao longe.
O som da casa que há muito deixei.
A arvore é a mesma. O cachorro
Acho que não. Talvez. Sei lá. Não sei.
Retorno.
Conheço, eu imagino, alguns olhares.
Algumas vozes. Lembro do portão.
Parece o mesmo. A rua, a mesma.
Acho que eu fui o único fujão.
Retorno.
Não tenho outra saída.
Definitivamente nenhuma outra razão:
Voltar somente. Retomar a vida.
Porque insistir andar na contramão?
Retorno.
É minha estória. Não tenho medo
É meu caminho. Parece minha canção:
Pra você ver: eu to voltando pra casa.
I wanna hold your hand. Me de a mão.
Retorno.
E não me esqueço da poesia.
Minha companhia de aflição.
Amou comigo. Sofreu comigo.
E não me impôs nenhuma condição.
Retorno.
As coisas não saíram do lugar.
Estavam exatamente onde ainda estão.
Retorno. É minha vida. É meu legado.
Minha alforria. Minha absolvição.
Retorno.
Deixo pra trás pecados e desvios.
A poeira nos sapatos. E a lição:
Partir diariamente. Seguir longe.
Voar em desvarios absurdos.
Atravessar descampados
E mares nunca dantes navegados
Mas não deixar morrer o coração
Que sempre volta. Mais cedo. Mais tarde.
Silenciosamente. Ou com alarde.
Surpreendendo quase sempre ou não.
Retorno.
A musica ao longe. A casa. A trilha.
O cão que já faz parte da família.
A minha mãe. Minha irmã. Meus dois irmãos.
E a criançada.
Meu Deus. Como essa turma ta levada.
Meu Deus. Quem me segura essa emoção.
Retorno.
Não há caminho mais verdadeiro.
Nada desviará minha atenção.
Coisa nenhuma. Nenhum dinheiro.
Nenhuma rota de distração.
Retorno.
É meu triunfo. E única ambição.
De volta à casa. Meu pouso certo.
Eu nunca estive tão perto.
Eu nunca andei com tanta determinação.
É minha casa. Discos. Livros. Poesias.
Os restos intocados dos meus dias.
Parece ate que estou nessa canção:
Eu tou voltando pra casa.
Nada me atrasa
Nada me faz perder a condução.
Tudo é igual
Ou parecido
Ou quase tudo
O cachorrinho não.
Retorno.
Trago na minha idéia uma canção.
E mil poemas de felicidade.
Eu tou voltando pra imortalidade.
Eu tou voltando pro meu coração.

5.9.03

Tudo que eu mereço

Às vezes tão sem modos, sem juizo...
Às vezes de um sorriso tão sincero...
Às vezes delicioso paraiso...
Às vezes o inferno que eu não quero...

Às vezes menos do que eu preciso...
Às vezes muito mais do que eu espero...
Às vezes calmo assim, quase indeciso...
Às vezes incendiário, feito Nero...

Às vezes me acalenta, cuidadoso...
Às vezes me encabula, escandaloso...
Às vezes nem parece o que eu conheço...

Às vezes tanto que me desmonta...
Às vezes real... Às vezes faz de conta...
Ah, esse amor é tudo que eu mereço...

3.9.03

Cinco Silencios


Primeiro Silencio
Um verso feito sem som
Escrito sem palavra de dizer.
Feito de coisa prá não ser mostrada,
Feito palpitação descompassada,
Feito sentir o coração bater...

Segundo Silencio
Existe um poema escrito sem palavras
De versos de não se fazerem à mão.
Palavras jamais datilografadas,
Um poema escrito além da compreensão.
Que é para alem dos olhos. Voz cantada
Para o deleite do coração.

Terceiro Silencio
Falar, mas sem usar palavra alguma...
Dizer das coisas sem pronunciar...
E assim dizendo sem dizer, assim,
Não deixar nunca de dizer nada
Perder a necessidade da palavra
Pra falar...

Quarto Silencio
A palavra que não tem som
Escreve o verso que não tem forma
Que é como o vento,
Que é como a luz,
Que é como o copo d´água quando entorna...

Porque a palavra inteira, sem tamanho,
Sem cor, sem vícios, sem definição,
É como o pensamento,
É como a idéia,
É como a forma do coração...

Quinto Silencio
A poesia não imaginada
Feita do verso que não se escreveu
Traduzindo a palavra não pensada
Feito a manhã que não aconteceu...
Tem gente que pensa que é nada...
Tem gente que traz a alma alimentada
Depois que leu...

1.9.03

A forma de amar assim...
Ouvindo Lulu Santos

Eu te amo calado
Como quem ouve
Uma Sinfonia...
Eu te amo agitado
Como quem anda
Na tempestade...
Eu te amo em silencio
Como quem
Escreve poesia...
Eu te amo imenso
Como quem acha
A Felicidade...

25.8.03

A Dúvida

Que graça tem, afinal, fazer poesia?
Passar o tempo inteiro escrevinhando?
E, ao transformar palavra em companhia,
Não reparar o tempo passando?

Que graça tem? Que toque de magia
Passar as horas rimando
Boneca com peteca, pia com tia?
Isso é comum desde quando?

Que graça tem que a tanta gente encanta?
Fazer poesia... Do que adianta?
Fazer poesia serve pra que?

Fazer poesia. Mania? Vicio?
Perda de tempo? Ócio? Desperdicio?
Para que serve escrever?

24.8.03

Soneto de amar demais


Eu vou fazer você gostar de mim.
Eu vou tentar fazer você gostar
Desse meu jeito de gostar assim...
Eu vou tentar fazer você me amar.

Você me procurar pra dizer sim.
Você lembrar de mim quando acordar.
E, pouco a pouco, sem achar ruim,
Você gostando até se apaixonar.

E ai provar do amor que te ofereço.
Fazer do meu amor seu endereço
E do meu coração sua morada.

Eu vou fazer você me amar de um jeito
Que seja pra você o amor perfeito...
Uma estória de amor apaixonada.
As canções de lembrar você


Demorou tanto esse caminhar,
Demorou tanto pra acontecer,
Tanta paisagem, tanto lugar,
Tanto prazer que nem era prazer,
Tantos lugares de viajar,
Tantas pessoas de conhecer,
Foi tanto tempo que deu pra pensar
Que eu já não tinha nada mais pra ver.
Até que um dia, sem eu planejar,
E sem que eu começasse a perceber,
Uma passagem para algum lugar
E algum poema que eu nem sei porque
Serviram como a chave de eu te achar,
Como um copinho de eu te beber.
E, sem que eu conseguisse me soltar,
E, sem que eu pretendesse me prender,
Aconteceu gostar. E de eu gostar
Aconteceu do coração querer.
E, como quem não sabe mais voltar,
E, como quem não escolhe o que fazer,
Foi algo assim como se aproximar,
Foi como um banho de bem-querer,
Foi como um cheiro de se encantar,
Foi como uma água boa de beber,
Foi como um gosto de despertar,
Foi como um pedacinho de prazer...
Demorou tanto tempo pra chegar,
Tantas palavras pra eu escrever,
Tantas conchinhas, tanta água do mar,
Tantas manhãs sem ver o sol nascer,
Que eu não sabia mais acreditar,
Que eu já pensava nem merecer...
Foi tanto Titanic a naufragar...
Foi tanta trilha de eu me perder,
Até que eu encontrei o seu olhar,
Seu jeito doce de ser...
Tanto custou pra essa manhã chegar...
Mas acabou por amanhecer...
E desde ai foi que eu dei de cantar
Canções que eu canto pensando em você,
Canções que eu canto pra te lembrar,
Canções que eu canto pra te dizer:
Demorei tanto pra te encontrar...
Não vou me dar ao luxo de te perder...

20.8.03

Como tocar o coração de Tati?

Qualquer canção de amor é uma canção de amor:
Não faz brotar amor e amantes
Porém, se essa canção nos toca o coração,
O amor brota melhor e antes.
Qualquer Canção - Chico Buarque/1980


E como tocar o coração de Tati?
Como fazê-lo vibrar quando me lê?
Que palavras devo usar no meu poema?
Que coisas devo dizer?
Que letra eu deveria que a acendesse
E a fizesse desejar me ver?
Como tocar o coracao de Tati?
E eu que pensei que eu soubesse escrever...
Eu faço rima e chamo de poesia
Mas o que eu quero isso eu nao sei fazer.
Ah, coração de Tati...
Como eu faço?
Eu tento e nao consigo tocá-lo...
Porque?

19.8.03

Nada não

Não fiz perguntas sobre o seu passado:
Como vivia,
Por onde andava
Ou o que fazia...
Não fiz pergunta nenhuma.
Ela sorria.
E me falou que gostava de poesia...

Nem quis saber sobre muita coisa:
Se trabalhava,
Se tinha estudo
Ou se gostava
De Roberto Marinho...
Ela me tratou, entretanto, com carinho...

Eu aprendi seu nome,
Fiz um verso
E dei, pra ela cuidar,
Meu corração...
E todo o resto
Foi só desimportancia...
Conversa...
Entulho...
Lastro...
Nada não...

17.8.03

Poesia Concreta
Ao poeta Haroldo de Campos

A linha reta traçada
No monitor de eletrocardiografia
Era ao mesmo tempo
A anunciação da morte do poeta
E a sua utima poesia...

Proposição

Quero ser seu
Mas não quero ser seu
Dono.
Quero cuidar do seu sono
E de voce acordada.
Quero poder dar tudo
E cobrar nada
E amar voce por toda a minha vida.
Quero ser sua porta de saida.
Ser o repouso da sua alma cansada.
Não quero saber seu segredo.
So quero
Chegar mais cedo
Do que voce precisar.
Quero ser como seu banho refrescante à beira-mar.
Quero ser seu companheiro.
Quero ser seu operário.
Mas não quero, nem por sonho,
Ser o seu proprietário.
Só seu par.
Mas se não acontecer...
Se essa proposição for recusada
E eu acabar não me tornando nada,
Nem dono, companhia, vicio, sede,
Nem cola, espelho, objetivo, grude,
Saida, acostamento, pasto, pouso, rede,
O seu maior pecado,
A sua maior virtude,
Se eu acabar me transformnando em nada
Do que eu pretendi
Um dia
Ser do seu lado,
Vou transformar voce em poesia,
Guardar seu nome muito bem guardado...
Voce, meu pedacinho de alegria...
Razão do meu coração descompassado.


15.8.03

Repetindo

A minha felicidade não é só minha.
É minha e é do vizinho que me cerca.
Felicidade quando vem sozinha
Não faz feliz o canto do poeta.

12.8.03

A função do poema
Eu hoje amanheci triste. O que ontem teve cor de delicadeza e brilho, nessa manhã me pareceu cinzento feito o breu e nuvem de chuva.
Corri para o poema e escrevi dois sonetos.
Algumas horas depois, as nuvens negras se dissiparam e o sol apareceu de novo.
Descobri que não se deve olhar para o amor de óculos escuros. A luz se confunde com as cores da lente e voce acaba pondo cores erradas nas cores exatas...
Era a função do poema naquele momento em que perdi o foco me proteger da minha desesperança...
Quando a desesperança se dissipou restou o poema. Ainda que triste, é mais suave que o alcool ou o tiro...
Viva a poesia.



Um verso só

Hoje, tenho certeza, fui mais um
Apaixonado, doce, dedicado...
Eu dei meu coração. Me abandonei.
Hoje sou só mais um abandonado.

Hoje, tenho certeza, não fui nada
Além de atenção e simpatia.
Fiz o que achava que era pra fazer
E no final sobrou só poesia.

Hoje, tenho certeza, estou sozinho...
Eu dei, prá quem não quis, o meu carinho...
Prá quem não aceitou, meu coração...

Hoje, tenho certeza, só me cabe
A palavra do verso que se sabe
Silencio, solitude, solidão...


O que vai ficar

Não vou mais esperar que voce goste de mim...
Que voce queira me entregar seu coração.
Ficar pedindo pra voce dizer sim
Quando o que voce quer é dizer não.

Não vou mais esperar em mim por seu carinho...
A hora de te ver à qualquer hora...
Eu sou sozinho. Eu sempre fui sozinho.
Por que tentar deixar de ser sozinho agora?

Por isso não vou mais esperar voce chegando...
Não mais imaginar voce me procurando...
Voce não quer ficar. Por isso some.

Mas guardo de lembrança o beijo recebido.
Lembranças do que foi, mas sem ter sido:
Seus olhos, seu sorriso, sua voz, seu nome...


Algumas horas após esses poemas tristes perderam o sentido e novas rimas os substituiram no lago dos versos cujos primeiros baldes de agua encantada serão derramadas aqui nesse blog nas próximas vezes...
Até que as proximas nuvens apareçam...
E assim continuamente...
Eis a função do poema...

11.8.03

Canção pra fazer Tati dormir

Descansa, anjo... Eu cuido do teu sono...
Repousa junto a mim teu coração.
Dorme tranqüila. Nada lá fora
Pode te ameaçar o sono agora.
Descansa. Fica leve. Sai do chão.

Descansa, anjo, que eu te protejo
Dos olhos da bruxa, do bicho papão.
Descansa enquanto aliso teus cabelos.
Descansa. Já não há mais pesadelos.
Descansa. Eu te dou minha proteção.

Esquece o teu cansaço. Deita o corpo.
Mergulha inteira no pensamento.
Eu faço a brisa soprar mansinho.
Invento um canto de passarinho
Pra que nada perturbe esse momento.

E dorme... Assim... Como quem perde a hora...
Como quem não tem hora pra acordar...
Dorme gostoso, moça morena
Do cabelo comprido, voz amena
E da risada boa de escutar...

Eu cuido pra que nada te aconteça.
Nada apareça de ruim que te incomode.
Nenhum barulho. Nenhum ruído.
Nenhuma coisa má. Nenhum perigo.
Nada te assuste. Nada te acorde.

Dorme tranqüila. Deixa que eu te cuido.
Nem muito frio. Nem muito calor.
Nenhum estrondo ou musica agitada.
Dorme. Eu me entendo com a madrugada.
Dorme. Eu me entendo com o Criador.

Mas nem que para isso eu me abandone
E até me esqueça eu mesmo de dormir.
E passe a noite te vigiando.
E passe a noite inteira te cuidando
E a noite passe sem eu sentir.

Então descansa. Eu cuido do resto.
Da dor. Do desconforto. Do cansaço.
Nada te preocupa mais. Descansa.
Dorme teu sono feito uma criança
E o que for preciso, deixa, eu faço:

Apago o Sol e reinvento a Lua.
Eu mudo as cores do meu País.
Eu troco o mar de lugar. Te trago a praia.
Levo a Bahia pro alto do Himalaia.
Misturo Guarapari com Paris.

Pego a Baia da Guanabara
E embrulho de presente pra trazer.
Chamo as estrelas pra cantar baixinho
Que é pra não amolar o teu soninho.
Preparo frases pra te dizer:

_Bom dia, Princesinha. _Dormiu bem?
_Sonhou alguma coisa especial?
_Ta descansada? _Quer pão com queijo?
_Quer bolo de fubá? _Café com beijo?
_Quer ser a musa do meu carnaval?

E fico imaginando coisas boas
Pra te esperar acordar:
Brinquedos, brincadeiras, passatempos,
Recortes, origamis, cataventos...
E muitas musicas pra cantar...

Descansa. Eu te preparo essa alegria.
Delicia. Poesia. Encantamento.
Invento coisa nova com tempero.
Talco. Perfume. Banho de cheiro.
E um chafariz feito de envolvimento.

Pra proteger teu sono delicado.
Pra te manter dormindo, distraída.
Eu redescubro o verso mais sublime.
Eu torço contigo contra o meu time.
Eu te ofereço toda minha vida.

E a Lua cheia se aproximando
Traz para mim, de prata, um violão.
So pra eu cantar serenata dedilhada.
Fazendo musica na madrugada.
So pra deixar feliz teu coração.

Por isso dorme, Tati. Delicada.
Nada de mal vai te acontecer.
Eu dou um susto na bruxa malvada.
Dorme tranqüila, Tati, porque nada
Eu vou deixar mais te fazer sofrer.

Descansa, Anjo. Eu cuido de tudo.
Descansa, Anjo. Pode deixar.
Descansa que eu te guardo, Princesinha.
Descansa. E guarda esse poeminha
Que é feito de um pedaço de eu te amar.

10.8.03

O Coração guardado

O coração guardado com carinho
Não se mistura com as coisas que ela faz...
Não toca nas lixeiras do caminho...
Não troca flertes com qualquer rapaz...

O coração guardado se preserva
Da dor, do mal, da podridão, do medo,
Feito uma luz que se guarda da treva...
Feito um Tesouro guardado e seu segredo...

O coração guardado permanece
Fonte de vida, lago de esperança,
Repouso de descanso e bem estar...

O coração guardado feito prece
Que faz dessa mulher uma criança
Que quer sorrir, pular, cantar, crescer, brincar...
Inalcançável

Cheguei bem perto. Vi o que havia dentro.
Aproximei-me demais tentando entrar.
Eu pude ouvir o som do pensamento...
Acreditei haver chegado lá.

Mas uma tranca na porta de entrada
E um muro alto por proteção...
Como uma Fortaleza resguardada...
Como uma Fortaleza, o coração...

Tentei tomar pra mim... Escorregava...
Trazer comigo. Em vão, pois me escapava...
Tentei correr atrás... Mas fui mais lento...

E desde então dei de escrever poemas...
Julguei ter sido um SIM o que era apenas
O ruído das palavras contra o vento...
A Menina do Poema

A Menina do Poema foi embora
E não lembrou de se despedir...
Levou as rimas
Levou os risos
Levou os beijos meus no seu partir...

A Menina do Poema foi pra longe
E não deixou aviso nem recado...
Tentei segui-la,
Mas me perdi...
Eu nunca compreendi
O meu pecado.

A Menina do Poema foi embora...
Não leu os versos que eu escrevi...
E pra que serve um poema
Atordoado
Que já não sabe pra onde ir?

A Menina do Poema foi embora
Levando a luz que imaginei ser minha...
Silencio...
Sombra...
Palidez...
Penumbra...
E a voz que já não canta mais,
Sozinha...

A Menina do Poema foi embora
Sem despedida.
Sem explicação.
Restou a letra
Quase inconformada
Dizendo:
Volta pro meu coração...

8.8.03

O Desejo...

No meio do caminho a palavra: interrompido...
Bandeiras vermelhas na beira-mar...
As frases do poema, sem sentido...
E tudo era um sinal: Vai devagar...

E toda gente a repetir: Cuidado...
E os mais experientes: Não vai não...
E tudo concluia: há algo errado...
Mas o poeta seguiu seu coração...

E caminhou, ignorando alarmes,
PERIGO escrito com letras enormes...
Passagem proibida... Ponte estreita...

E caminhou, sem dar ouvido a nada...
Resta aguardar, após a madrugada,
O amanhecer do Dia da Colheita...
Encantamento

Morar na praça do pensamento...
Beber da agua da bica do entrelace...
Surfar nas ondas do deslumbramento
Como se nada mais importasse...

Passar perfume de envolvimento...
Se alimentar das raizes do entregar-se...
Criar um mundo de sonho e ir morar dentro...
Isso é encantar-se...

Como nas Fábulas Encantadas,
Viver um Conto de Fadas
E Mil e Uma Noites de alegria,

Para que na milésima segunda
O encanto acabe feito um mar que afunda
A Embarcação construida de poesia...

A unica forma

Eu passo o tempo escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo
Sem perceber a hora de parar...
As vezes eu chego a caminhos delicados,
As vezes me canso dos meus pecados
Que eu passo o tempo fingindo ignorar...

E continuo escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo
Palavras imensas de não terminar...
Às vezes eu me espanto quando leio...
Às vezes nem lembro que existe freio...
Às vezes nem sinto a chuva chegar...

E permaneço escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo,
Escrevendo, escrevendo
Feito uma frase de não se bastar...
Tem dias que nem vejo anoitecendo...
Tem dores que nem sinto mais doendo...
Tem vezes que eu nem sei continuar...
O beijo de Tati
Tati me pediu um poema...
Acho que acabei escrevendo uma cantada...
Vc me desculpa, Tati?



Como é que será o gosto
Do beijo que vem de Tati?
Terá sabor de chiclete?
De bala de chocolate?
Terá sabor de veneno?
Terá gosto de suspiro?
Será gostoso e sereno
Ou perigoso delírio?
Se o beijo for como o gosto
Do seu rosto delicado
Será um beijo suave
Com tempero de pecado.
Se for como a cor morena
Da sua pele macia
Será um beijo sereno
Feito truque de magia.
Se for como a cor bonita
Do seu cabelo ondulado
Terá o sabor que excita
Só em ser imaginado.
Que gosto terá o beijo
Que vem da boca de Tati?
Será que terá gosto de aventura?
Será que terá gosto de paixão?
Será daqueles que deixa a gente mole
E entrega sem pensar o coração?
Terá sabor de coisa que apaixona?
Terá sabor de coisa duradoura?
Será que é relaxante feito espuma?
Será que é coisa assim, provocadora?
Se for gostoso feito o seu sorriso
Ou delicado feito a sua voz
Terá sabor de coisa sem juízo...
Terá um gostinho de quero mais...
Ah, Tati,
Não me maltrate,
Me deixa experimentar o beijo seu...
Me deixa descobrir o gosto dele...
Me mostra, como se ele fosse meu...
Quem sabe eu o descubra delicado
E de outra vez eu o perceba intenso
E de uma outra cheio de pecado
E de outra vez desarme o meu bom senso,
E cada vez assim, de uma maneira
Suave e intempestivo, água e vinho,
Discreto e delicado, outras nem tanto,
Por vezes mais levado, molhadinho,
Por vezes, comportado, quase santo,
E assim todos os beijos num só beijo
E cada vez um sabor diferente
Eu possa descobrir cada um deles
Como quem lê um livro lentamente...
Até que o tempo passe e eu compreenda
Que o gosto do beijo de Tati é mais que um gosto...
É alguma coisa linda, além da lenda...
Além da delicadeza do seu rosto...
E nesse dia, maravilhado,
Como quem descobriu o que queria
Eu possa te dizer, apaixonado,
Tati, teu beijo tem gosto de poesia...

31.7.03

Gritos e Sussuros

Há sussuros que são mais que gritarias
E há barulhos que parecem sussurrados...
Bastou um sussuro: _Faça se a Luz!
Para que à Luz fossemos condenados,
Enquanto os barulhos imensos que nos cercam
Já um segundo depois nem são lembrados...

30.7.03

Epitáfio

Um catador de conchinhas que passava o tempo entre o aqui e o ali buscando o além...
Um catador de conchinhas que viveu a vida inteira assim, intensamente...
Um catador de conchinhas que catava conchinhas prá que nunca se soube bem...
Um catador de conchinhas que catava conchinhas por catar, somente...
O Caminhar

Caminho pelas ruas da Cidade.
Não sei exatamente onde parar.
Reduzo a velocidade.
De repente
Uma vontade enorme de voltar.
Prossigo.
Eu acelero novamente.
Alguma coisa teima em me levar
Adiante, além, ali...
Possivelmente
N´alguma estrada de continuar...
E vou seguindo.
Agora, acelerado.
Nem nada e nem ninguem me faz parar.
Eu sigo o meu caminho não traçado
Como que me pedindo pra eu traçar.
Caminho pelas ruas.
Já é tarde.
Parece que a cidade já não há.
Só descampado,
Velocidade,
Só mata ,
Lago,
Vento ,
Rio,
Mar...
E assim eu sigo
Como quem procura
Sem conhecer o que,
Porque buscar...
Caminho pelas ruas da Cidade...
Como é moroso o meu caminhar...

13.7.03

Iber
O menino Iber, filho dos amigos Joca e Beatriz, foi vitima de um acidente fatal quando, ao subir no muro para tentar repor uma bola em jogo, tocou sem querer num fio de alta tensão... Um segundo foi a distancia entre o menino e o anjo. Menino bom que tive a opotunidade de conhecer em seu primeiro choro na sala de parto... Que o menino-anjo nos proteja a partir de agora dos muros e das bolas e dos fios da vida... Que Deus nos abençoe.

Foi só por brincadeira, sem maldade...
Mais uma levadice de menino...
Nada demais... Nenhuma leviandade...
Nem foi pecado... Foi só desatino...

Pegar a bola no muro... Deu vontade...
E entre o jogo e a morte, um fio fino:
No caminho da bola a eletricidade...
No caminho da eletricidade, o seu destino...

E assim, por brincadeira, sem pecado,
Sem que se compreendesse o significado
E sem que houvesse alguém para explicar,

Além do muro alto, outros gramados
Onde o menino, quase sem pecados,
Inexplicavelmente foi morar...

4.7.03

A minha felicidade...

I
A minha felicidade não é só minha.
É minha e do vizinho que me cerca.
Felicidade, quando sozinha,
É poesia incompleta.

A minha felicidade não é só minha.
É minha e de cada um que me rodeia.
Quanto mais minha, mais da minha vizinha,
Como se eu fosse um ponto numa teia.

A minha felicidade é feito o cheiro
Que a cozinheira põe em seu tempero
E abre o apetite de quem cheira...

A minha felicidade não é só minha.
É como o vôo livre da andorinha.
É minha e é também da Terra inteira.

II
A minha felicidade é verdadeira.
Distribuida, permanece inteira,
E não termina, mesmo quando dada.

Fica pequenininha se trancada,
Quando é sozinha, fica abandonada,
Se eu guardo só pra mim, vira poeira.

E assim, feliz, sem ser feliz guardado,
(que diigam: coisa de poetinha)
A minha felicidade é o meu legado.
Achei quando pensei que já não tinha.

Quando eu já me sentia um derrotado
Chegou, sem eu notar de onde é que vinha.
Mas sei que só tomei ela emprestado:
Porque a minha felicidade não é só minha.

28.6.03

Poeminha em tres partes para as Criaturas Felizes


Parte I

As criaturas felizes se procriam,
Multimisturam-se na multidão.
Estão nos bares, estão nas baladas,
Estão na estrada cheias de paixão.

As criaturas felizes e seus sonhos
Possuem a Chave da Felicidade.
Passeiam distraidas pelas ruas.
Sorriem sem grande dificuldade.

As criaturas felizes não tem lágrimas.
Sao feitas de sorrisos. Só de beijos.
É bom ver criaturas tão felizes.

As pedras do caminho não perturbam
E basta um creme da cor da pele
Prá maquiar as suas cicatrizes.


Parte II

Entre os felizes há, entretanto,
Os que se bastam. Os autosuficientes.
Como se fossem cada instrumento
Que faz o som da Banda dos Contentes:

Violão, guitarra, baixo, bateria,
Pandeiro, luz, backing vocal. O show.
E tudo mais fosse quinquilharia.
E tudo mais fosse o que sobrou.

Entre os felizes há os egoistas
Que se embriagam nas pistas
Sem reparar a véspera da ressaca.

Como se a sua felicidade fosse eterna,
Ignoram o fim do querosene da lanterna
E não percebem a luz mais fraca.


Parte III

Já vi muito São Jorge cair da montaria,
Muito Albert Einstein perceber que errou.
Vi muito Hobin Hood errar a pontaria,
Já vi muito Pelé perder o gol.

Já vi muito Picasso errar a tinta,
Muito Drummond rasgar o que escreveu,
Muito Joãozinho esborrachar nos trinta,
Muito Cabral descobrir que se perdeu.

Já vi muito Armstrong desafinando.
Vi muito Príncipe mendigando,
Muito astronauta tropeçar na lua...

E compreendi que a felicidade
É um instantaneo da eternidade...
Eu aprendi que a vida continua...

13.6.03

Quase

Quem toma a parte
Como se fosse o todo
Faz como o bobo
Em seu ledo engano
Que nao percebe a perola que dorme sob o lodo
No fundo do Oceano.

11.6.03

A Caixa Guardada

O lider comunitario
De discurso influente
Tem uma filha deficiente.
O garoto viciado
Tem um pai que é Delegado.
O Presidente da Multinacional
Passou o fim de semana no Hospital.
O Cirurgiao Cardiovascular
Comprou um violao
Mas ainda nao aprendeu a dedilhar.
O poeta parnasiano
Salgou demais o bife por engano.
O filho do Rabino...
Trejeitos de menina em um menino...
A Cartomante
Nao esperava ser traida pelo amante.
A moça pobre, feia e favelada
Tem uma caixa guardada
Que ela nao mostra a ninguém.
(O que sera que contém?)
O Diretor da Escola Batista
Frequenta a casa da prostituta.
O velho bobo que não escuta
Fez uma musiquinha de ninar.
O Equilibrista
Bateu com o carro. Derrapou na Dutra.
O Terrorista
Viu um dos filhos se tornar budista.
A moça louca e desequilibrada
Deu de comer a uma criança abandonada.
O professor de Lingua Estrangeira
Jogou o lixo fora da lixeira.
O professor de Geografia
Nunca foi à Bahia
E o de Historia
Esta perdendo aos poucos a memoria.
O Lider Sindical
So ouve musica internacional.
O Presidente da Naçao
Passou as férias no exterior
E o guardiao
Perdeu para um sobrinho o seu amor.
A outra face da lua.
Os outros lados da rua
E da moeda.
A outra parte da Historia, a nao contada,
Tudo que ha por tras do anjo da guarda
E além da entrega.
Nunca se sabe.
Ninguem garante.
Ninguem pode afirmar
Com segurança.
Ha sempre alguma coisa além
Que o olhar,
Por mais atento,
Nunca alcança...

9.6.03

A Palavra Empenhada

Quando a palavra empenhada
É confirmada
E assumida
E é dada como garantia
(E presume-se que a palavra
Uma vez dada
É palavra garantida)
E se a palavra firmada
Confirmada
E definida
Não é cumprida
E é quebrada
E torna-se palavra desgastada,
E torna-se palavra destruída
Como se fosse letra sem palavra,
Promessa desprezada, nau perdida,
Caverna obstruída, voz calada,
Sentença anunciada e não cumprida,
Como se não significasse nada,
Palavra extraviada, escapulida,
Como se fosse coisa evaporada,
Como se fosse coisa proibida,
Assim,
Quando a palavra empenhada
(E a palavra empenhada
É dívida assumida)
É tratada como coisa destratada
E é tomada como coisa subtraída
Então
Quem oferece a palavra
E não assume a letra concedida
É como a doidivana tresloucada
Que desrespeita a sua própria vida,
Madeira ruim de árvore condenada,
Cesta de fruta nobre apodrecida,
Fonte de luz apagada,
Titanic no fundo do oceano,
Taça de cristal espatifada,
Certeza com gosto de engano...
Oferecer a palavra em garantia
E desonrar a palavra que se empenha
É como reinventar a hipocrisia,
É como desprezar a luz do dia,
É como perder a senha...

31.5.03

A Unha
Ao Mestre Baden Powell

Tocando as cordas do violão,
Fazendo o som que sai tão delicado...
Ditando o ritmo da canção
Pros versos de Vinicius musicado...
A unha tocando as cordas... Ah... Purissima...
Delicia incomparável. Nada imita.
A mão precisa. A nota afinadissima
Como se fosse a voz quando recita.
A unha toca a corda do violão.
O violão responde impressionando.
Ah, Mestre Baden Powell, a tua mão
E a tua unha me emocionando...
E o violão dizendo serenatas
E sambas que parecem surreais.
Impressionante o modo como tratas
A confusão das notas musicais.
E dessa confusão o som inteiro.
O cheiro de escutar satisfação.
As tuas unhas carregam o roteiro
Do bem-impressionar o coração.
Tocando as cordas. Delicadeza.
Tecendo ritmos com malemolencia...
Ah, Mestre... Tua canção... Minha surpresa...
E esse poema por reverencia...
Receita para Tainá

Em vez da pinga com mel
Ou do Prozac,
Em vez da dose dulpa de conhaque
Para espantar essa melancolia,
Experimente poesia:
Ler poesia,
Tentar fazer poesia
Ou quasepoesia,
Ouvir poesia,
Pegar no sono e despertar poesia...
Talvez a vida fique bem mais leve
E a cuia da tristeza mais vazia...

28.5.03

A Palavra Dada, o livro...

Foi um trabalho de seleção.
O segundo em 1 ano.
80 poemas em um livro de 5 cadernos.
Divididos por temas porque alguma ordem era necessario ser determinada e esta me pareceu mais coerente que a simples ordem alfabética ou a ateatória.
A Palavra Dada.
Titulo de um de meus quaseversos.
Um dos oitenta que meu coração selecionou.
Sim.
Porque se o coração escreveu não é justo deixar que o raciocinio e suas regras atrapalhem a escolha.
São os 80 que mais me tocam, somente isso.
Entreguei cópias a duas amigas que amam poesia e são professoras de Literatura.
Aguardo, confesso, as suas opiniões e suas palavras de apresentação como quem aguarda um resultado da prova.
Deverei publica-lo assim que receber estas paginas amigas.
Será o primeiro volume de poesias de um médico que nunca alimentou pretensão nenhuma além da de cuidar de seus prematuros e febres e dores e crises de asma e gastar as madrugadas prescrevendo, examinando e seguindo dessa maneira.
A Palavra Dada.
Que o papel que a receba se espalhe e gere frutos e novos poemas...
Porque uma nova seleção começa a ser desenhada...
A Palavra Boa...


26.5.03

O perfume da palavra


A poesia, palavra dada...
Depois de dita, não tem jeito nem volta...
Lida em voz alta, escrita, declamada,
Louca de paixão, ou quase morta,
É a poesia palavra dada...
Perfume da palavra que se solta...
O próximo minuto

Nada definitivamente é mais exato
Nem mais impressionantemente absoluto
Do que o próximo minuto.
Talvez porque contenha o mapa do caminho
E a rota torta da escravidão,
A porta para o amor, que é com carinho,
E o convite para a perdição.
O próximo minuto
Guarda consigo a escuridão do oculto
E o azul claro da felicidade.
A dor, o sofrimento, o tempo bruto,
E a delicadeza, e a suavidade.
Ao mesmo tempo a próxima armadilha
E a tábua da salvação,
O mapa desvendando o fio da trilha
E a bala que transpassa o coração.
O próximo minuto.
A chave para o próximo poema
Ou para a imensa culpa e miserável,
A solução impossível do teorema
E a dor que se apresenta insuportável.
Portanto não há nada que o supere
Nem nada que por direito o subestime
Porque é ele, sem que se espere,
Quem livra o condenado e faz o crime,
Contém o germen da solidão,
Possui a cura do sofrimento,
A letra já esquecida da canção,
O nome do medicamento.
O próximo minuto: inesperado.
Como quem tece com delicadeza,
Traz do futuro e leva pro passado,
Contém a formula do acre e da beleza,
E traz a solução, a senha, a cura,
E a palavra maldita que condena,
A escuridão sem fim, soturna, escura,
E a manhã de sol em Ipanema.
E como um gesto rápido e astuto,
O próximo minuto
Nunca falha,
O próximo minuto nunca avisa,
Impositivo, nunca se atrapalha,
E é imperceptível, como a brisa.
O próximo minuto,
O mais sonhado,
A solução de tudo, o beijo, o tiro.
As vezes feito um gesto planejado.
As vezes, súbito, o ultimo suspiro.
Nunca te esqueças, portanto: ele é implacável.
Ele não deixa de ser um só instante
Absolutamente abominável
E inexplicavelmente impressionante.
O próximo minuto. O mais discreto.
A única certeza alem do luto.
O mágico minuto. O mais completo.
O mais temido: o próximo minuto.

22.5.03

Poeminha sem Significado

..."És belo, és forte, impávido"... Espere...
Uma palavra... E a frase deu errado...
Tentei compreender... Nada confere...
Impávido... Perfeito! ... Mas truncado...

Se fossse intrépido eu compreenderia...
Ou impetuoso... Talvez impressionante...
Mas impávido... Quem fez essa poesia?
Quem foi que a escreveu tão dissonante?

Eu sigo rápido pro Dicionário....
O que a palavra impávido significa?
O que ela traz guardado em seu poder?

Que coisa, que sentido extraordinário
Essa palavra carrega mas não explica?
O que afinal impávido quer dizer?

12.5.03

Mães
Escrito na manhã de Domingo das Mães, na hora improvável do descanso na madrugada, durante o plantão em uma UTI Neonatal da minha cidade.
À minha mãe.
À todas as mães do mundo.
No seu dia e para sempre.


Mães que nunca fracassaram.
Mães que nunca permitiram.
Mães que nunca despertaram.
Mães que nunca desistiram.

Mães que nunca engravidaram.
Mães que quase conseguiram.
Mães que por ter tanto medo nem tentaram.
Mães que por falta de medo nem sentiram.

Mães que partiram na hora do parto.
Mães que tornaram-se mães sem saber.
Mães que forjaram-se mães por contrato.
Mães que não precisaram de filhos prá ser.

Mães que não souberam escapar.
Mães que não puderam conhecer.
Mães que se tornaram saudades de chorar.
Mães que se transformaram em imagens de não ter.

Mães que se foram para outra vida.
Mães que jamais retornaram pro lar.
Mães que sentem ate hoje a dor comprida.
Mães que continuam a esperar.

Mães que não fizeram força pra ser.
Mães que fizeram questão de evitar.
Mães que não foram, por isso o sofrer...
Mães que não foram pra se poupar...

Que Deus as proteja, ilumine e suporte
E afaste delas todo mal e iniquidade.
Que Deus as acompanhe além da morte
E as guarde em luz por toda a eternidade.

Mães. Porque não há outro caminho.
Mães. Porque não há maior lição.
Nada que substitua o seu carinho,
Que se compare ao seu coração.

Mães. Porque não há outra saida.
Mães. Igualando nobres e plebeus.
Mães. Nada tão forte em nossa vida.
Mães. Nada mais próximo de Deus.

7.5.03

Soneto para Marilia

Disse assim Marilia sobre um verso que escrevi: ..."Eu sempre quis escrever sonetos, mas não presto pra isso, tem que ter muito talento"...
Para Marilia, esse soneto...


Tenta um soneto, Marilia...
Faz um verso e continua...
Segue o tino, cava a trilha,
Sai do canto e ganha a rua...

Não precisa ser Cecilia,
Bilac, Drummond, Pessoa...
Tenta um soneto, Marilia,
Feito de palavra boa...

Tenta, da palavra mais mundana...
Nada de anjos... Só coisa humana...
Não precisa ser a oitava maravilha...

Tenta Marilia, o soneto que te atenta...
E fica atenta, Marilia, bem atenta
E tenta logo um soneto, vai, Marilia...

3.5.03

A Diferença

Eu sou pior do que os versos que eu escrevo...
Eu tomo os meus poemas como guia...
Se eu tenho sede eles são a água que eu bebo
Se estou sozinho eles são minha companhia...

Eu sou pior do que os versos que eu escrevo...
Não tenho tanta rima e ritmo em mim.
Meu verso é o meu chapéu que me protege
Do homem que hoje eu sou... fraco... ruim...

Eu sou pior do que os versos que eu desenho...
Em mim carece haver mais poesia...
Em mim a rima se desajustou...

Eu sou menor do que os versos pois não tenho
Em mim as cores leves da harmonia...
Por isso a poesia me adotou...

2.5.03

A Derrota

Não há derrota nenhuma em ter perdido,
Em não ter sido chamado...
Não há derrota em ter sido vencido...
Não há derrota em ter sido derrotado...

Nem é derrota ter sucumbido...
Nem ninguém perde por ter falhado...
Não há derrota em ter sido destruido...
Não há derrota em ter sido goleado...

Derrota sim, é ter desistido...
Derrota é ter, sim, se acovardado...
Não ter lutado por ter fugido...

É deixar de ser sem nem ter sido...
É morrer antes de ter nascido...
É cair antes de ter sido derrubado...
90 anos
Essa letra de canção foi escrita em 31 de dezembro de 1996. Inspirada na dramatização do poema Tintino de Francisca Clotilde, psicografado por Chico Xavier. Achada casualmente ao revirar papéis, já não me lembrava mais dela. Considerei pronta para ocupar lugar nesse nosso caderninho eletronico. Tintino é a estória de um palhaço que aos 90 anos passa sua vida à limpo. Dedico aos nossos velhinhos de todas as idades.

O velho, que já foi moço, curva-se ao tempo, se inclina ao chão.
O corpo, cansado, dobra. A pele se enruga. O seu coração
De tanto bater, cansado, bate sem pressa e suave. A mão
É tremula , tenue... Quase que não sossega. Quase que não

Se acalma. E a voz é calma. Sibilo doce. Doce canção.
Encarquilhado, cansado, mão no cajado, parece tão
Diminuido, acabado, desanimado, sem condição...
Sem ter ninguém do seu lado, vai ladeado da solidão...

O velho, que já foi moço, curva o pescoço... Sua alma não...
Serena, segue liberta. Desperta. Leve. Com decisão.
Dispensa cansaço, dores, rugas na face, tremor na mão...
Suave, segue sem medo, bate suas asas, vai n'amplidão...
A calunia

A calunia
É a propriedade
De fazer da mentira
Uma verdade
A intriga

A intriga
Tem o dom impressionante
De transformar formiga
Em elefante.
A fofoca

A fofoca
Tem o poder extraordinario
De transformar o A
No abecedário

30.4.03

Como não diz o ditado...

Diz o dito popular
De modo claro e preciso:
Manda quem pode.
Obedece quem tem juízo.

E quem manda, geralmente
Faz questão de seu mandato.
Como se o sabor do peixe
Dependesse da cor do prato.

E há mandares tão imensos
Que nem deixam seu mandante perceber
Que não haveria mando
Se não existisse alguém pra obedecer...

E há mandares tão tolos
De consistência tão vã
Que não percebem, na sua tolice,
A inevitável chegada do amanhã

Onde quem hoje manda e domina
E determina o que está certo e está errado
Será como o homem que desce a colina
E mergulha no alagado.

Vai meu verso, de improviso
Muda o dito popular...
Manda quem tem juízo.
Obedece quem já não tem necessidade de mandar.

23.4.03

Beatles
Após assistir maravilhado aos DVDs da serie Antology dos Beatles. Após escutar o novo CD duplo de Paul McCarntey quase só com musicas dos Beatles.

Um espaço de tempo
Entre continuar
E deixar de existir,
Permanecendo...
Como um concerto num telhado imaginário,
Um Yesterday lendário,
Um album branco e um Blackbird impressionando....
Uma batida, um piano, uma guitarra e um baixo
Dizendo Let it Beatles...
Strawberry Beatles forever...
While my quasepoema gently weeps.

20.4.03

Eu li num blog

Ainda que se crie
Ou se transforme
na vida,
tudo se perde
.
www.marcoscaiado.blogger.com.br

Ainda que tudo se perca
Como a água se perde do balde
Quando o balde entorna,
Ainda assim, mano Marcos,
Eu diria
Sem querer tentar fazer poesia:
Na vida nada se perde,
Nada se cria,
Posto que a vida é somente tudo que se transforma...

Os caminhos do coração

Aos pediatras do Brasil

Vai, menino,
Fazer Pediatria,
Vai tratar tosse,
Calcular hidratação,
Vai conferir as doses de vacina,
Prescrever Penicilina,
Ou escolher alguma Cefalosporina
De terceira geração,
Vai, meu amigo,
Trabalhar muito
E sempre
E todo dia,
Vai dar consulta,
Vai fazer plantão,
Passar a noite acordado,
Atendendo resfriado,
Não custa nada,
Ou quase nada, acredite,
Pelo menos pro bolso do seu patrão,
Vai, garoto,
Vai dar duro,
Vai cuidar de prematuro,
Falar de amamentação,
Vai, menino,
Com persistência,
Com paciência,
E com overdose de abnegação,
Sem esperar reconhecimento,
Vai trabalhar só pro teu sustento
E pra tua própria satisfação.
Vai, tonto,
Fazer Pediatria,
Vai diagnosticar apendicite,
Reconhecer rapidamente a difteria,
Vai aprender a tratar infecção,
Cuidar de criança com febre,
Cuidar de criança com gastrenterite,
Cuidar de criança com convulsão,
Vai pra batalha,
Mas vai preparado:
Um pequeno deslize,
Tudo errado,
Qualquer engano,
Grande confusão,
Não há lugar para falha ou distração...
Vai, teimoso,
Fazer Pediatria,
O teu destino está na tua mão.
Tu poderias
Ter escolhido Endoscopia,
Neurocirurgia,
Ou ir cuidar dos males do coração,
Ou porque não
Ter tentado Nutrologia,
Dermato,
Fisiatria,
Ter se especializado em Doenças do Pulmão,
Mas por descuido do teu anjo guia,
Ou por defeito de fabricação,
Por insistência, por teimosia,
Por desacerto ou por distração
Escolheste fazer Pediatria,
Vá em frente,
Honra com fé a tua decisão,
Leve o bom senso como companhia,
Faz do trabalho a tua obrigação,
Mas não te assustes
Se qualquer dia,
Por arrogância,
Por prepotência,
Ou por qualquer outra disritmia,
Te ameaçarem com Ordem de Prisão,
Custa um leão por dia a tua liberdade,
Não abre mão, porém, da tua dignidade,
Não cede um palmo da tua convicção,
Esquece o dano.
Recorda-te sempre do soldado iraquiano
Lutando contra um gigante,
E segue adiante,
Sempre radiante,
Sempre na mão,
E ainda quando a febre não abaixe,
E o dado clínico não se encaixe,
E o resultado do exame só aumente a indecisão,
E ainda que o cliente nunca volte,
E ainda que o cinismo nunca falte,
E ainda que te ofendas
Quando um dia sem motivo te chamarem de furão,
Não desanimes,
A fibra e a persistência não são crimes,
Não é pecado a obstinação,
Vai menino...
A tua vocação é a tua chave.
É a tua escolta.
Segue, portanto, a fazer Pediatria,
Mas segue sempre adiante,
Vá,
Não volta,
Porque não há retorno
Para os Caminhos
Do Coração.

14.4.03

Resposta
(À um coração que após a leitura de A Prostituta me escreveu: Lindo poema social por um dia melhor... mas caro menino, não sei não! )

Não sabes?
Também não sei.
Se não sabemos, porque julgar?
Porque a lança no peito?
A pedra?
Ao invés disso, porque não observar?
Porque não aprender com a tempestade
A lição unica de saber se abrigar?
Se a mão obcecada da maldade
É a mesma mão que ensina a perdoar,
E se não sabes, e se não sei, e se talvez ninguém possa afirmar,
Porque não tentar ver com os olhos de ver
E tentar ouvir com os ouvidos de escutar?
Não sabes?
Também não sei...
Por isso preferi só poemar...

12.4.03

A prostituta

Talvez por gosto,
Talvez por necessidade,
Talvez curiosidade
Ou por falta de opção,
Ela emprestava seu corpo,
Ela alugava sua boca,
Oferecia seus olhos,
Mas guardava só pra si seu coração.
Talvez por medo,
Talvez por covardia,
Talvez por não se dar à luz do dia,
Talvez por sede
Ou experimentação,
A prostituta se prostituia
Com qualquer companhia,
De qualquer maneira
E por qualquer quinhão.
Roçava a sua pele
E os seus cabelos,
Mostrava sua barriga,
Passeava a sua mão.
Ela só não entregava o coração.
A prostituta
Da via Dutra,
Da Vialagos,
Do Vidigal,
Da Avenida Atlântica,
Da Lapa,
Do Largo do Machado,
Da Central,
A prostituta de Copacabana,
A prostituta do fim de semana,
A prostituta de ocasião,
A prostituta universitária,
A prostituta ordinária,
A salafrária,
A prostituta de caminhão,
Que dava a boca,
Que dava os dentes,
Que dava beijos cheios de paixão,
Era a mesma que por preço nenhum
E nem por nada
Oferecia seu coração.
E não negava por talvez um dia
Querer casar, ter filhos, mudar de profissão,
Ir morar em São Paulo, em São Francisco,
Em Pindamonhangaba ou Ribeirão,
Nem por noção nenhuma de pecado
Nem por arrependimento,
Por cautela, qual nada, nem cuidado,
Mas talvez porque por dentro
Da sua alma desalinhada
Permanecia guardada.
Sem que ela se desse conta, essa noção:
Vender o corpo,
Emprestar a pele,
Tocar a boca,
Passar a mão,
Meter os dentes,
Morder a carne,
Soltar o grito
De satisfação,
Feito uma fabrica de pecados
Feito uma fonte de gestos impensados,
Mas permanecer guardado
E absolutamente imaculado
O coração,
Como quem gasta as moedas
Com tolices
E deixa uma guardada pra voltar
Quando acabar a festa no salão.
Ah, prostitua,
Vadia,
Que se entrega fria
Por qualquer quinhão...
Tanta coisa pra aprender,
Tanta conduta,
Tanta culpa,
Tanta negação,
Tanta coisa errada
E condenada,
Tanta incorreção
Que quem diria
Que a poesia
Um dia te renderia
Carinho
Graça
E admiração:
Ninguém se gasta,
Ninguém se perde,
Ninguém capota na contra-mão
Quando se perde na vida
Mas não deixa destruir
Seu coração...
A única forma inconteste da verdade,
O único caminho de saída,
A única virtude,
A única formula da salvação...

11.4.03

O amor engrandecido
(Carta a uma amiga)

Amiga.
Foi bom o curso sobre os Cangurus.
Teremos, eu e o grupo, muito trabalho pela frente.
Dificuldades.
Imensas.
Mas são elas o que nos move o coração.
Gostei de ver você.
Parece menos magra.
Uma aparência mais suave.
Mais pausada na conduta.
Mais centrada.
Que Deus ilumine seus caminhos nessa sua reaproximação com seu amor.
Só o conhecia através da sua voz.
Vê-lo de perto, assim, transformou-o para mim em um homem bem fisicamente e com suas estabilidades financeiras à mostra.
Tenho acompanhado seus caminhos, minha linda amiga.
Tenho percebido o tamanho da sua luta.
A imensidão das suas dificuldades.
Amanhã, quando aqui no Hospital perceberem a mudança no atendimento de nossos prematuros, poucos terão idéia do custo que foi chegar até aqui.
Do mesmo modo, hoje, quem te observa o sorriso e o andar suave e delicado não faz idéia do tamanho do leão que você precisa matar por dia para demonstrar essa delicadeza.
Das roupas que você precisa, sozinha, lavar passar e cuidar.
Dos cachorros que você ama e conversa e trata como amigos e ainda tem que administrar incompatibilidades entre eles.
Mas você encara de frente esses leões, rasga-lhes a boca diariamente, e sem se respingar, segue deliciosa e intrigante para sua vida.
Chico Buarque tem uma letra que diz muito do que é você e a sua vida:
Cantando e sambando na lama de sapato branco; glorioso
Um grande artista tem que dar lição
Quase rodando, caindo de boca
Mas com um pouco de imaginação
Sambando na lama sem tocar o chão
... diz ele...
E enquanto ele canta você vive.
Assim.
Como quem samba na lama sem tocar o chão.
Você, amiga.
Grande artista dando a quem tem olhos de ver e ouvir a sua lição.
Volto ao momento em que conheci pela primeira vez o seu amor.
Percebi aquele homem vistoso e seu processo de reconquista.
Percebi em você a mulher de princípios sensatos, que nunca cedeu a delitos e descaminhos que a vida oferece, ali, cedendo com cuidado e cautela àquele anseio de retorno.
Amiga:
Acho que não sou ninguém para fazer esse tipo de comentário.
Por isso, se não quiser, não me leve a sério.
Não sou a pessoa indicada para falar o que a caneta tenta escrever agora.
Mas acredite:
Cabe ao que ama engrandecer a pessoa amada.
E, engrandecer por amor, significa proteger, sustentar, dar apoio, resguardo, carinho e resposta.
E ainda que o mundo chova e a vida troveje, quem ama e engrandece por amor a pessoa amada se transforma para ela no seu tempo de estio, seu arco-íris, seu sol.
Engrandecer, portanto, contém mais que simples exaltar, espalhar por ai que ama e faz e acontece.
Engrandecer e quase um pouco deixar de ser si mesmo.
Tornar-se um pouco o outro.
De modo que a vida de um e a vida do outro seja cada vez menos duas vidas, uma de cada um, mas uma só, uma vida dos dois.
E se há sintonia, porque há engrandecimento, a dor de cabeça que você sente e a roupa que você lava e os cães de que você cuida devem e precisam necessariamente ser a roupa e o cão e a dor que o homem que te ama e te engrandece sente e vive.
Do mesmo modo o cuidado com os filhos, a pressão alta, a pesca ou o parente doente que precisa dos cuidados do homem que você ama devem ser os filhos, a hipertensão, a pesca e o tio que morre de dor e que dessa hora em diante também é seu.
Não há seu trabalho nem dinheiro dele.
Não há limitação dele e facilidade sua.
E mesmo a idade, não há a dele e a sua.
Há uma única idade.
Uma única vida.
A idade do engrandecimento.
A vida engrandecida.
Desse momento em diante, amiga, o tolo que passa na rua e te chama de gostosa e a tola que cruza o caminho dele e o chama de gostoso serão como cegos.
Cegos porque tocam a ostra com as mãos.
Ficam com a casca.
Desprezam a pérola por ser pequenina e escondida.
E seguem por ai, colecionando cascas de ostras.
E desprezando perolas.
Perola que o amor que engrandece transformou seu coração para aquele que a ama.
Perola que seu coração que ama transformou o coração do amor que amas.
Daqui da minha vidazinha só me resta pedir a Deus para que essa reconquista seja calcada no engrandecimento.
Que esse engrandecimento seja construído com mãos desarmadas.
Com coração motivado.
E que o passado nunca seja desprezado para que se evite repetições perigosas.
Gosto de você com o mesmo carinho de sempre.
Com o mesmo respeito de sempre.
E admirando mais cada vez a sua estória e sua integridade.
Você, menina que mora em subúrbio e que tem alma de princesa.
E há tanta princesa idiota por ai com alma suburbana...
Fica com meu carinho e admiração.
Beijo irmão.
Lembranças ao seu novo velho amor .
Seu amigo sempre e em qualquer tempo,
Luis.
Constatação
(de uma carta para uma amiga)

Uma hora se percebe que as nuvens escuras passaram,
E que as que assustavam se dissiparam,
E que só ficaram as mais claras...
Dai prá diante basta se cuidar nas tempestades...
Seguir vencendo dificuldades...
Arborizando saaras...

9.4.03

Aos pais que Amamentam
O estudo da amamentação revela a figura do pai como incentivador do processo e o chama carinhosamente de Pai que Amamenta. Durante o I Seminário Nacional do Método Mãe Canguru estive com o Professor Marcus Renato (www.aleitamento.com.br) que me perguntou se eu tinha algum poema que falasse sobre o incentivo ao pai que amamenta. Confesso que nem sei se eu tinha. Mas agora eu sei que tenho. E dedico a meu professor e amigo Dr. Marcus Renato por seu papel e empenho nessa luta branca e pura. Que Deus te ilumine sempre, Professor.

Participai!
E sede assim como o seio materno.
Um funcionário exemplar.
Um mês inteiro a mais no calendário.
Um Missionário
Que não conhece o tempo de parar.
Portanto,
Participai!
Trazeis no nome o nome da força que nunca cai.
Do sono que nunca vem.
Da fidelidade infinita que não trai.
Por isso
Participai!
Doando força, particisuper-pai.
Participai pra toda obra. Essencialíssimo.
Participai-herói. Quase que o máximo.
Participentapai.
Décimo-quarto salário pago em dia.
Surpreendente feito poesia.
Exato feito um Hai-kai.
Participai!
Ocupando os espaços feito um gás
Até que não se reconheça mais
Onde começa, na letra, o estribilho,
Quem é o pai, quem a mãe, quem é o filho,
Numa interessantíssima trindade,
Consolidando a solidariedade
E a possibilidade de um novo tempo
Delicado e sutil feito um bonsai.
Portanto
Não recuseis a própria natureza.
Exercitai essa que é a vossa nobreza:
Participai!



4.4.03

A chave da felicidade
(carta à minha amiga Vanessa)

Anjo,
Li tua carta.
Recebi tua pergunta:
...se alguém pode ser tipo "responsável" por nossa felicidade...
Percebi, por tras dessa frase, um tom aflito.
Uma sede de resposta.
Hoje, revendo tuas observaçoes a respeito de tuas conversas com tuas colegas de estudo, posso reafirmar com a certeza que meu coração me gritä: Vanessa. É dado a cada um, de modo intransferivel e definitivo, a chave da própria felicidade.
E não há atenuantes para essa lei.
Disposições em contrário foram revogadas.
Sobrou o homem e a responsabilidade imensa que ele mesmo tem de se fazer feliz.
Nunca te apaixonaste de verdade?
Gostas de sofrer?
Te entregas inteira?
És impassivel feito pedra?
Fria feito o frio da noite de inverno de Campos do Jordão?
Quente feito o verão de Pernambuco na beira da praia de Boa Viagem?
Cearense? Paraibana? Pernambucana?
Iraquiana? Americana?
Preta? Branca? Amarela? Albina? És ariana?
Não importa.
A lei impassivel de falhas e que não admite acordos te diz:
Vanessa...
És a unica responsável por sua própria felicidade.
Pelo simples motivo que esta felicidade é o ponto de sua chegada.
O objetivo de sua vida.
Como a planta busca o sol, ainda que não julgue, compreenda ou mesmo saiba, e apenas busca, também assim buscas ser feliz.
Apaixonada pelo carinho do homem que amas?
Julgas por isso estar entregando a ele a chave de teu ser feliz, porque é a presença dele que te faz sorrir e é a distancia dele o que te faz perder o sorriso e empalidecer sua cor?
É por isso que presumes estar entregando a ele a tua chavinha de ser feliz?
Tolice.
As tuas amigas, em treinamento para a profissão de médico, que mais que uma profissão, é um modo de vida, um treinamento da alma, estão incorrendo num erro primário, Vanessa.
Confundir o sinal com a doença.
Desprezar o diagnóstico diferencial so porque associaram os sintomas ao primeiro quadro que imaginaram, ao imediato que conheciam...
Cuidado, anjo.
Um dia em minha vida também entreguei todo amor que havia em mim a quem, por cansaço, por tédio ou por falta de sede ou sede de outros mares, o desprezou.
Esse desprezo me conduziu quase ao meu fim.
Ao poço do fundo do oco de mim.
No dia, em que percebi que não morreria, sobrevivi.
Pode se dizer, de modo superficial, que transferi por muito tempo a responsabilidade da minha felicidade a quem amei e entreguei meu amor...
E que a perda daquele carinho me roubou a paz.
Pode se dizer isso.
E se dizendo assim, acabar compreendendo somente a metade.
Mas exames detalhados e mais apurados são capazes de mostrar, ao invés disso, uma alma que, por imperfeita, presumiu a entrega como saida.
Julgou ter entregue a chave da felicidade a dominio alheio .
Julgou ter encontrado seu caminho de felicidade indizivel.
Quando um dia, por descuido ou falta de poesia, a chave presumidamente entregue tornou-se chave jogada fora por quem presumidamente a recebeu e se cansou de guardar e tomar conta, então, nesse dia, descobri-me, embora assustado e quase sem saber acreditar, ainda de posse dela, da chave da minha felicidade.
Guardada em mim.
No fundo da alma.
Quase escondida sob lembranças e coisas quase esquecidas.
Palavras quase já nem faladas.
Ela, a chave, estava ali.
Era minha.
Ainda.
Inteira.
Onde a entrega?
Onde o dominio da sua posse passado?
A aparente transferencia da chave da felicidade para outro era só a aparencia.
Já aprendeste que o tamanho do sopro não significa o tamanho da lesão cardiaca?
Já aprendeste que um dos comemorativos da difteria é a dissociação incomum entre o pulso e a temperatura?
Já aprendeste que lingua geográfica e mancha mongólica assustam mas não sao doença?
Já aprendeste que um simples impetigo pode ferir mortalmente o rim?
Já aprendeste que um corte na lingua imenso pode sangrar assustadoramente e cura sozinho e não se sutura?
Aprender tudo isso não te faz pensar que o todo é maior que a parte?
Compreender que o todo é maior que a parte não te faz aceitar que a aparente entrega é só o desejo dela?
Que quando se diz: fulano me faz feliz e eu não seria nada se não fosse ele na verdade o que esta ocorrendo é uma imensa sensação e desejo de que isso seja verdadeiramente verdade?
Entrega-te, Vanessa.
Guarda-te.
Apaixona-te desesperadamente.
Torna-te dependente absoluta do homem que amas.
Ou simplesmente brinque com a paixão encantadora dos tolos a teus pés.
Vive do teu modo.
Do modo como te pede a razão ou te chama o coração.
Mas nunca te esqueças, anjo.
Ainda que infelizmente.
Ainda que: _ Que Pena!
A tua e a minha felicidade são coisa de nosso dominio.
Definitivo.
Pessoal.
Intransferivel.
E ainda que o entregues.
E te entregues.
E te des.
Fiel a toda prova.
Ainda assim
Restará dentro de ti.
Num canto guardado da tua alma.
Num gesto intocado do teu pensamento.
Na beira de tua idéia.
Na semente de ti,
Ela.
A chave.
Da tua felicidade.
E descobrirás nesse dia
Que ela nunca se foi.
Esteve sempre contigo.
E serás, então, dessa vez, ainda que unicamente dessa vez, verdadeiramente então feliz.
Beijo.
O amigo,
Luis.

16.3.03

Carta ao Prefeito de Campos dos Goytacazes
Carta escrita para representar a equipe médica da Emergencia do Hospital Geral de Guarus em Campos, RJ, junto à Prefeitura após fracassarem inumeras tentativas de contato. Publicada na edição de hoje da Folha da Manhã, um dos principais jornais de nossa região.

Sr. Prefeito,
Desculpe-nos a forma inusitada e incomum de comunicação.
Mas reconheça:
Um Prefeito é mais difícil de ser encontrado
Do que um médico de plantão.
A gente bem que tentou, Sr. Prefeito,
Mas em vão.
Até documento assinado e carimbado
Foi devidamente por seu Gabinete protocolado
Mas nenhuma resposta chegou à nossa mão.
Por isso é que arriscamos essa carta inusitada
E nos organizamos para que fosse publicada
Nesse jornal de grande circulação.
É a sua ajuda que pedimos, Sr. Prefeito,
E a sua compreensão.
A gente tem trabalhado com presteza
Tentando estar à altura da grandeza
Do Hospital Geral de Guarus,
A menina dos olhos da sua gestão.
Mas não tem sido fácil, Sr. Prefeito.
É imenso e complicado e desgastante
O atendimento à população.
É gente grave que chega à cada instante
Precisando de atenção.
E a eficiência na forma do atendimento
Nem sempre é reconhecida
E nem sempre é tratada com gratidão.
É mais fácil para um Prefeito receber o reconhecimento
Do que para um médico de plantão.
Mas se é aqui que se diagnostica e trata, Sr. Prefeito,
O infarto, a arritmia, a hipertensão,
A hipofonese das bulhas,
A precordialgia e a fibrilação,
Se a gente não pode contar com o apoio
Daquele que é conhecido como o Prefeito do Coração
Com o apoio de quem a gente poderá contar então?
E não é muito o que a gente quer, Sr. Prefeito:
Somente conversar sobre a nossa complementação.
Um adicional qualquer sobre o salário
Que é ganho com tanto trabalho
E que merece uma compensação.
Por ser sincero nosso pedido
E delicada a nossa situação
Já recebemos o apoio da nossa Direção.
Igual apoio tivemos
Do Presidente da Fundação.
Todo esse apoio legitima nossa luta, Sr. Prefeito,
E reconhece que o salário que recebemos
Precisa de uma injeção.
Mas sem a sua palavra, Sr. Prefeito,
Sem a sua aprovação,
Tudo dito, nada feito,
Não há solução.
Por isso essa forma inusitada, Sr. Prefeito
Merecidamente eleito
Publicamente merecedor do conceito
De melhor Prefeito da Região,
Por isso esse pedido: Sr. Prefeito
Recebe nossa Comissão.
É de uma boa conversa
Que muitas vezes
Nasce a tranqüilidade e a harmonização.
Recebe nosso respeito,
Sr. Prefeito,
Nosso colega de profissão.
Agradecemos sua paciência
E desde já aguardamos a sua convocação.

6.3.03

A primeira vez que eu vi um anjo...
Ao meu irmão Carlinhos
Perdi de alguma maneira o meu irmão Carlinhos em fevereiro de 1973 aos 17 anos de idade. Aos 7 meses, de uma queda acidental de seu carrinho, foi ao chão. Acudiram-lhe dois anjos incansáveis: meu pai e minha mãe. Em 3 de março Carlinhos estaria fazendo 47 anos. Foi a primeira vez que vi um anjo...

I
Foi a primeira vez que eu vi um anjo.
Cabelos negros. Pele clara. E ria.
Ele falava sem usar palavra.
Trazia em seu olhar a sua energia.

E quase não se mexia e nem andava.
Não pronunciava as coisas que dizia.
Era a linguagem dos anjos que ele usava.
Era a voz do seu coração que a gente ouvia.

Talvez a linda negra cabeleira
E a pele branca e leve feito pêra
Deixassem sugerir fragilidade...

Foi a primeira vez que vi um anjo.
Eu sempre vi meu irmão dessa maneira.
Sem culpa. Sem pecado. Sem maldade.


II
Foi a primeira vez que vi um anjo.
De nome Carlos, mas que poderia
Chamar-se luminosidade, cântico,
Delicadeza, abnegação, poesia...

E numa madrugada, fevereiro,
Sobressaltado, acordei. Meu pai chorava.
Jesus chamou nosso anjo... ele dizia...
E a madrugada, longa, não passava.

Naquela noite eu pude ouvir um anjo
Chorando um outro anjo que partia,
Esvaziando aquela madrugada.

A noite mais cruel. A mais comprida.
A derradeira dor da despedida.
A curva anunciando a nova estrada.


III
Foi a primeira vez que vi um anjo.
Como era doce a cor do seu olhar.
Falava a língua dos anjos. Parecia
Que não precisava da voz para falar.

Que era a sua alma que sorria.
Que percorria tudo sem andar.
Um pássaro sem asas que sabia
Como voar e para onde voar.

Foi a primeira. A mais desconcertante.
A mais especial e impressionante.
Um sonho sem dormir nem acordar.

Foi a primeira vez que vi um anjo.
E hoje eu trago em mim a sua estória.
E guardo dentro de mim o seu olhar.