29.11.02

Oração pelos jovens médicos

Para Cibele Durães, Fernanda de Paula, Juliana Starling, Kellen Dalla e Rachel Cunha.
Amigas que o carinho da vida me permitiu conhecer e cujos corações amorosos e cheios de delicadeza me sensibilizaram desde o primeiro momento.
Hoje, 29 de novembro de 2002 estas meninas superpoderosas recebem seu Diploma de Médico.
É para elas hoje o meu carinho e a minha poesia.


Senhor,
Abençoa estes filhos incansáveis do teu amor...
Já médicos, ainda tão moços...
Fazei com que o tempo que hoje se inicia
Reafirme em seus corações diariamente
A convicção de seus ideais
E de sua vocação
E a coroação de seus esforços e de seus sacrifícios.
Provê, Senhor, os seus cinco sentidos,
Com a beleza e com o mistério da arte da cura,
Fazendo com que estejam sempre preparados para perceber
A palavra não dita,
O sintoma insidioso e não revelado,
Ou sinal que ainda não apareceu...
Permite que, como novos magos
Embriagados de ciência e coração,
Manipulem a dor, ainda que tamanha,
Devolvendo serenidade ao aflito
E alegria ao triste.
Alimenta os seus corações
Com a paz e a serenidade diante dos teus desígnios...
Preserva o sorriso de cada um destes rostos, Senhor,
Já médicos, ainda tão moços.
Protegendo-os da intolerância,
Dos maldizeres,
Das mentiras e queixas e intransigências
Com as quais o seu trabalho se defrontará diariamente...
Seca-lhes as lágrimas das suas tristezas
Para que tragam sempre na alma a serenidade necessária
À difícil tarefa
De combater a dor
E as lágrimas dos que os procurarem...
Concede-lhes a verdadeira alegria,
Fruto do bem estar de propiciar a cura...
Mas quando esta, por algum motivo não for possível,
Permite que mantenham-se serenos e obstinados
Na busca do equilíbrio e da estabilização
Daqueles males ditos incuráveis,
Daquelas dores ditas incessantes,
E dos martírios sem fim...
E naquelas vezes em que também esta estabilidade se perder
E parecer impossível,
Faz com que se vistam de perseverança e determinação
E assim, imensamente alimentados dessa grandeza invisível,
Lutem, como guerreiros incansáveis,
Contra a constatação da morte...
E
Mesmo quando a morte, com sua certeza implacável, vier chegar
Permite que se utilizem ainda de alguma insistência incompreensível
E de uma fascinação inexplicável,
A reanimação,
A fim de vencer a morte
Mesmo quando ela está aparentemente estabelecida.
Mas nos dias em que o insucesso e o fracasso de suas tentativas
Transformar em nada os seus esforços
E em coisa alguma a sua luta,
Seus dias a fio,
E suas noites em claro,
E o óbito ocupar o lugar da cura,
Permite, Senhor,
Que os seus corações se mantenham vivos em sua serenidade e em sua inquietude
Como é sereno o coração dos justos
E como é inquieto o coração dos que procuram o caminho
Da cura,
Do equilíbrio,
Da reanimação
E da aceitação da morte...
Insufla o coração destes meninos, Senhor,
E destas meninas,
Já médicos, ainda tão moços,
Com o signo da paciência
E com a bandeira da tolerância.
Hoje eles sabem que o caminho em que agora se iniciam,
Como pássaros iniciam o seu vôo na amplidão,
É um caminho que se renova
Em um animo que se remultiplica.
É mais que uma profissão.
E proporcionará muito mais que a conquista de empregos, status, nome, títulos e glória.
O caminho que hoje se lhes apresenta é como a energia
Que se mistura a cada parte de seus corpos
E invade cada pedaço de seus pensamentos,
Fazendo com que o respirem quando andarem
E o pronunciem cada vez que conversarem.
Vai se revelar cada vez que se vestirem.
Em cada pedaço de cada coisa que comerem.
E em cada vez que amarem.
E cada vez que cantarem
E chorarem
E sorrirem,
E a cada vez que brincarem,
E a cada vez que durmirem,
Vibrará em cada um destes meninos,
Destas meninas,
Já médicos, ainda tão moços,
O caminho que hoje se inicia.
E este caminho que se inicia passará a fazer parte de seus dias
Como um nome numa certidão de nascimento,
Como uma família,
Como um filho
Do qual em tempo algum será possível
Recusar reconhecer-lhe a consangüinidade.
Nunca permite, Senhor,
Por conta disso,
Que seus amores se afastem
Ou os deixem
Queixando-se egoisticamente de desatenção
Ou falta de tempo.
Faz com que cada um destes corações delicados,
Já médicos, ainda tão moços,
Contaminem suas companhias com a força desse caminho que hoje começa
E recebam delas o apoio e o carinho necessário
Para essa tarefa solitária
Intima
E profunda
Que é ser médico.
Que a alegria que transborda hoje de cada um destes corações delicados
Seja tão gloriosa quanto o futuro que espera por cada um deles.
Ah, Senhor...
Agradeço a felicidade de em algum tempo no curso da minha vida
Ter cruzado com estes corações tão meigos,
Sorrisos tão delicados,
E vozes tão gentis.
Guarda-os Senhor, na tua paz
E os abençoa na tua grandeza.
Hoje e sempre.
Amém.

13.11.02

Poeminha meio injuriado
Em Campos uma mesma Fundação que gere dois Hospitais decidiu dobrar o valor do salário de um deles e preservar o do outro, criando para médicos com a mesma função salários completammente diferentes.

Se o meu trabalho não é meia-sola
E se eu não fiz só meia-faculdade
E se salário é direito e não esmola,
Porque é que o patrão que me controla
Insiste em me pagar pela metade?

8.11.02

Segunda Feira
Manhã de segunda feira, 28 de outubro de 2002...

Era manhã de segunda feira.
A expressão da face brasileira
Era a expressão natural de quem sorria
Como se fosse a manhã de um novo dia...
Como se fosse o começo de um futuro,
O fim de um tempo ruim, de um tempo escuro,
A redenção que de tanto anunciada
Era chegada.
Era manhã de segunda.
A treva parecia moribunda.
A dor se desmanchava em agonia.
O desespero se diluia.
O medo, tantas vezes decantado,
Padecia, indefeso e assustado
E sem saída...
Segunda feira cheia de vida.
Parto sem dor da Nação revigorada.
Conto de Fada
De um povo proletário:
Um Presidente operário
Redescobrindo a Nação...
A esperança vencendo a escuridão...
Era a manhã de segunda que trazia
A Anunciação. A luz da Estrela-guia.
Era a manhã de segunda feira
Lavando enfim a alma brasileira...
...

E eu devo ter percebido nesse dia
A cor vermelha da flor que parecia
A Pátria apaixonada. A mãe gentil.
Era segunda feira em meu Brasil...
O meio do caminho

No meio do caminho
Tinha um poeta.
No meio do poeta
Um coração.
No coração do poeta
Uma palavra.
Correta.
Pura.
Mansa.
Doce.
Brava.
No meio da palavra
Uma emoção.
No meio do caminho do poeta
Tinha um poema
Sem definição,
Como a palavra
Escrita e incompleta,
Como a poesia
Da imaginação.
Imensa ao mesmo tempo
Que é discreta.
Quieta ao mesmo tempo
Que é trovão.
No meio do caminho a descoberta
Da poesia,
Musica sem som...
No meio do caminho
Havia um poeta
Magrinho
Chamado Carlos Drummond.

A vida como ela dói

Febre. Tosse. Prenhez Tubária.
Parada cardio-respiratória.
Sarampo. Coqueluche. Miliária.
Bronquiolite. Artrite migratória.

Conjuntivite. Dengue. Hemorragia.
Pseudoparalisia de Parrot.
Ptiríase. Escabiose. Mialgia.
Fratura. Entorse. Congestão. Tumor.

Glomerulonefrite. Asfixia.
Claudicação. Angina. Pneuomia.
Hemangioma. Choque. Afogamento.

Nenhuma relação de dores drásticas,
Palavras mórbidas ou dramáticas.
Somente um Boletim de Atendimento...

4.11.02

A Minha Irmã...
Escutando uma canção de Tom Jobim...

Se todas flores iguais a voce
Fossem iguais a voce
Do jeito que voce é para mim,
Eu poderia escrever,
E adoraria poder,
E arriscaria dizer
Um verso assim:
Que maravilha viver
Por toda vida
Colhendo Margarida
Em meu jardim...
Testemunho

Eu nunca escrevi nenhuma poesia...
Não sou poeta e nunca fui, portanto...
Eu tento é amenizar minha agonia
E às vezes me esconder da chuva fria
No meu canto...

Jamais eu escrevi nenhum poema...
Não tenho o dom da escrita absoluta...
Mas quando o acre da vida me envenena
E o meu desequilibrio me condena
Somente a minha letra é quem me escuta...

Não sou portanto o ilustre literato...
Não faço versos como quem conhece...
Porém se o tempo é cruel e é insensato
E é rude e é insensível e é ingrato
Eu faço da poesia a minha prece...

Não sei fazer sonetos, redondilhas,
Não trago em mim a alma parnasiana...
A rima me defende de armadilhas
E o ritimo me aponta novas trilhas.
No verso é que eu me escapo do meu drama...

Por isso eu nunca rascunhei poesia...
Não sou poeta. Um náufrago somente.
Mas se a grandeza do mar me desafia
Com sua furia audaciosa e doentia
A minha letra me faz sobrevivente...
Poema para Juliana
Minha amiga Juliana Starling, carioquíssima e apaixonada pelo Rio, se forma em Medicina nos próximos dias pela Faculdade de Medicina de Campos. Acompanhei, como pediatra, sua formação em Obstetricia. Sei o tamanho do sacrificio que ela fez para chegar até aqui. A voce, Juliana, nosso carinho e nossa torcida.

É só pra te contar dessa saudade...
É só pra descontar essa distancia...
É só pra recordar nossa amizade...
É só prá te saudar com elegancia...

É só prá te dizer do meu afeto...
É só pra te encontrar feliz da vida...
É só para tentar chegar mais perto...
É só prá não falar em despedida...

É só prá me alegrar da tua alegria...
É só prá estar na tua companhia...
É só prá ter lugar na tua torcida...

É só por conhecer a tua estória...
É só para aplaudir tua vitória
Suada, longa, limpa e merecida...