24.9.02

Por Amor

Por amor eu deixei minha vida de lado,
Fui julgado e acabei condenado no fim.
Por amor me entreguei e fui abandonado.
Por amor eu cheguei até o fundo de mim.
Por amor eu errei onde não poderia.
Escrevi poesias sem nenhum valor.
E por noites a fio bebi chuva fria
E o que não deveria, isso eu fiz por amor.
E nos dias cinzentos, por horas a fio,
Cantarolei canções dissonantes demais.
Eu vazei minha vida. Vivi meu vazio.
Por amor fiz o que nunca e nem ninguém faz.
Por amor transformei água em pão, pão em vinho,
E os olhos de Medusa tornei mãos de Midas.
Por amor eu vivi muitas vezes sozinho
Outras vezes eu multipliquei minhas vidas.
Por amor rabisquei rimas muito idiotas...
Frases que certamente jamais foram lidas...
Fiz um sambinha feito com todas as notas
Que um dia eu cantei, mas não foram ouvidas.
Sufoquei, por amor, minhas próprias revoltas,
Escondi meus segredos no fundo do Mar...
Eu dei voltas e voltas e voltas e voltas
E acabei quase sempre no mesmo lugar.
Esperei por respostas que nunca chegaram.
Fui atrás de razões que fugiram de mim.
Não cansei quando todos em volta cansaram.
Continuei quando todos diziam: “É o fim”.
Por amor viajei por lugares distantes.
Eu neguei os meus medos. Matei minha dor.
Destruí, por amor, coisas interessantes.
Eu troquei minha vida e vivi por amor.
Desprezei aventuras e dias mesquinhos.
E carinhos idiotas. E beijos levianos.
Eu lutei com ternura por novos caminhos.
E dos planos que eu tinha eu tracei novos planos.
Eu mudei as palavras que o verso pedia.
Eu planejei Cidades de ninguém morar...
Tentei poesia. Escrevi poesia.
E tudo que eu fiz eu só fiz por amar:
Poemas, projetos, e-mails, cantigas,
Viagens, estórias, segredos, palpites,
Segredos, presságios, delírios, intrigas,
E as festas, e as fotos, e os loucos convites,
Palavras, pretextos, desculpas, acenos,
Discursos, desenhos, sonetos de dor,
E as coisas enormes, e os gestos pequenos,
E todas as coisas eu fiz por amor...
Criei e vivi novecentas estórias...
Tratei inocências com penas perpétuas.
Neguei as medalhas. Recusei as glórias.
Fiquei com as letras e as formas discretas.
Segui por riachos distantes dos rios,
Quebradas e atalhos além das estradas,
Passei por lugares desertos, vazios,
Recantos sombrios e águas paradas,
E assim, por amor, sem cansar, fui seguindo
Caminhos sem ver onde é que iam dar...
Por amor, como as águas de um rio fluindo...
Por amor, como um rio a caminho do mar...
Por amor eu sonhei e morei nos meus sonhos.
Segui por caminhos da imaginação.
Eu me apavorei... Pesadelos medonhos...
E acabei me escondendo no meu coração.
Por amor eu neguei as três vezes que pude.
Perdoei sete vezes setenta e bem mais.
Eu fui fraco. Fui seco. Fui grosso. Fui rude.
Eu crucifiquei Jesus e soltei Barrabás.
Por amor muitas vezes fui tolo. Outras, bravo.
Outras triste demais. Outras mais que feliz.
Muitas vezes Senhor. Outras vezes escravo.
Outras, ao mesmo tempo Doutor e aprendiz.
Muitas vezes estúpido. Frio. Mesquinho.
Fui, por vezes, carinho, outras vezes rancor.
Tantas vezes fui junto. Fui tantas sozinho.
Fui do Céu ao Inferno e fugi por amor.
Percebi filigranas. Ignorei cordilheiras.
Muitas vezes não soube dizer Sim ou Não.
Cometi, por amor, as mais tolas besteiras
E gestos mais cheios de erudição.
Desvendei os caminhos por dentro das matas
E os ventos eu soube dizer de onde vinham.
E as contas confusas tratei como exatas.
E os enigmas imensos eu vi o que continham.
Por amor eu deixei meus pudores de lado.
E as dores que eu tinha eu tratei, por amor.
Por amor eu pequei. Abusei do pecado.
Completamente errado. Infeliz pecador.
Eu gritei por socorro como um afogado.
Supliquei por clemência na condenação.
Eu clamei por perdão quando fui condenado.
Fiz das mortes que eu tive a minha absolvição.
Por amor eu cantei canções que eu nunca havia...
Eu varei por caminhos que nunca pensei...
Experimentei gostos que eu não sabia...
Disse muitas palavras que nunca escutei...
Eu pensei que eram noites coisas que eram dias
Coisas muito terríveis percebi tão belas...
E as quase completas julguei tão vazias
E as cores azuis tomei como amarelas...
As coisas distantes eu vi tão de perto,
As muito difíceis eu facilitei...
E da mesma maneira que faz o Arquiteto
Criei ruas sem fim onde nunca pisei...
Eu suei minha própria camisa pisando
As uvas que um dia transformei em vinho.
E fui pouco a pouco me embriagando
E assim desenhando meu próprio caminho,
Traçando meu carma, bebendo meu copo,
Dizendo meu nome, criando meu eu.
Meu jeito de ser que eu não mudo, não troco.
Meu modo de dar luz ao meu próprio breu.
Nunca tive razão. Nunca quis. Nunca pude.
Cada coisa que eu fiz foi só pela emoção.
Nunca soube se era defeito ou virtude...
Era a voz que gritava no meu coração...
Ofereci meu nome pra morrer primeiro
E segui caminhando na linha de tiro.
Eu fiz do silencio meu bom companheiro
Recusei respirar o ultimo suspiro.
E por isso, assim como os Rabinos e os Magos,
E os Navegadores de tempos atrás,
E os Padres e os Monges e os Abençoados,
E assim como as Mães que não cansam jamais,
E assim como os Náufragos desesperados,
E os Abandonados que não tem ninguém,
E bem como a determinação dos Soldados
Que lutam sem saber por que nem com quem,
E assim como a garra dos Sobreviventes,
E a força invisível que há nos Prematuros,
E assim como a aura que envolve os Videntes
E o arrependimento dos atos impuros,
E assim como a força que move os suicidas
E a fé dos Romeiros, dos Crentes em Deus,
E as Mães das crianças desaparecidas
Que esperam pela volta dos filhos seus,
E a sede da Moça que espera no Porto
O retorno do amado que sumiu no Mar,
E assim como o filho perante o Pai morto,
E a dor da Viúva, em silencio, a chorar,
Eu guardei em mim, sem que eu compreendesse,
Sem que eu pelo menos soubesse explicar,
Sem que eu controlasse, sem que eu escolhesse,
Em mim sem que eu fosse capaz de notar,
Tomei como se não houvesse mentira,
Ou como se eu não soubesse negar,
Do modo que é o ar quando a gente respira,
Do jeito que é o rio correndo pro mar,
Guardei, como se fosse um rio correndo,
Guardei sem que eu fosse capaz de evitar,
Ainda que às vezes não compreendendo,
Ainda que às vezes tentando ocultar,
Mais certo que o Rio que passa correndo,
Mais forte que o vento, mais farto que o ar,
Mais vivo que a vida que foi me vivendo,
Mais definitivo que a morte ao chegar,
Conservei comigo, carreguei comigo,
Tal como se fosse a minha confissão,
E, mesmo sabendo que corri perigo,
E, mesmo sabendo não haver perdão,
Eu tomei pra mim como fosse meu marco,
Eu tomei pra mim como fosse o meu lar,
Eu tomei pra mim como fosse meu barco,
E como se houvesse mais nada a tomar,
Tomei o amor como meu companheiro,
Tomei o amor como único par,
Tomei como se eu fosse o seu passageiro,
Tomei como se fosse o meu despertar,
O Amor, esse às vezes tão mau conselheiro,
O Amor, esse às vezes tão cheio de dor,
O Amor, esse às vezes que é tão sorrateiro,
O Amor, que por vezes nem parece Amor.
E assim eu vivi os meus dias inteiros,
As minhas viagens, as minhas paixões,
E assim foi que eu descobri meus paradeiros,
E assim foi que eu criei as minhas canções...
E nunca nem coisa nenhuma nem nada,
Nem pedra, nem chuva, nem desilusão,
Nem Contos de medo, nem Contos de Fada,
Nem Contos de Sonhos, de Imaginação,
Nem nada me fez separar dessa força
Que eu trouxe em segredo no meu coração
E como se fosse uma peça de louça,
E como se fosse um desenho num grão,
Guardei essa força comigo em segredo,
Guardei em silencio aqui dentro de mim,
Como uma criança carrega um brinquedo
Ou como um segredo carrega o seu fim,
O Amor, absoluto, e sempre primeiro,
O Amor, verdadeiro, e sempre estrondoso,
O Amor, poderoso, e sempre por inteiro,
O Amor, companheiro, e sempre carinhoso.
Por amor eu larguei minha vida de lado,
Fui julgado e cheguei bem no fundo de mim.
Por amor eu fui Rei. Eu vivi meu Reinado.
Por amor eu tentei escapar do meu fim...
Por amor, como as cartas de amor do passado...
Por amor, como o beijo da moça que vai...
Por amor, como um verso de amor delicado...
Por amor, como era o amor do meu Pai...

17.9.02

A Tempestade
(Na madrugada de 7 de setembro, do apartamento na Praia do Flamengo, eu pude observar o Rio amanhecendo sob forte temporal...)

Da janela do apartamento,
Protegido,
Eu pude observar o temporal.
Eram rajadas de um vento
Ensandecido...
A Natureza em seu Carnaval:
Raios cruzando o céu a todo instante,
A chuva em sua força impressionante,
Os estrondos do trovão...
O apartamento me protegia
E, enquanto eu observava a ventania,
Quem protegia o meu coração
Da chuva forte da indiferença,
Da trovoada da intolerancia,
Da ventania da solidão?
De tantos raios da inimizade,
E dos destroços da iniqüidade,
Das tempestades de Não?
Da janela, protegido, eu vi o tempo
Como se fosse um tormento...
Como se fosse um tufão...
Talvez, por me encontrar tão protegido,
Por isso é que eu nem tenha percebido
O coração assustado e contraido
Clamando por proteção..

13.9.02

O lugar bom de viver

Segue o poeta, rabiscando linhas,
Cecilizando idéias indiscretas,
Gullarizando frases Manoelinas
Do modo como fazem os poetas...
Vai revolvendo novos sentidos,
Reinventando as coisas corriqueiras,
Teando ritimos parecidos
Como se as rimas fossem parceiras.
E vai, tendencia Marioandradina,
Criando seu estilo pessoal...
Redescobrindo a forma Guilhermina
Na perfeição do verso Buarquial...
Vai traduzindo a rima Caetana
Que se escondeu nos versos de Drummond,
Se misturou na letra Catulana,
E evaporou na música de Tom...
E, costurando sua Bandeira
Como fez Castro Alves nos seus dias,
Segue, como quem tece a sua esteira
Ou como quem protege as próprias crias...
Segue o poeta, imaginando frases...
Pescando idéias que não tem som...
Como quem sai em busca de um Oásis
Onde viver é bom...
O Mel e a Espada

O Mel adquirido pela Espada
Não serve como alimento...
Quando muito, como água envenenada...
Quando muito, como excremento...

O Mel adquirido pela Espada
E pelo signo do constrangimento
É feito a imponencia da fachada
Minutos antes do desabamento...

Como se fosse a morte anunciada,
O Mel adquirido pela Espada
É a condenação de quem o toma...

É como a pele suave e bronzeada
Que não percebe o detalhe da chegada
Do carcinoma...

4.9.02

Desabafo...

Eu me recuso a viver num mundo onde o meu sorriso seja feito da desconfiança do sorriso do meu vizinho...
Eu me recuso a viver num mundo onde eu não possa acreditar nas pessoas...
Em que eu precise desconfiar das pessoas...
Num mundo em que quem crê é um idiota...
Onde quem confia é um tolo...
A mentira não pode ser a regra e a verdade um crime...
A falsidade não pode ser o lema
E a decencia uma estupidez...
Eu me recuso a viver num mundo onde quem confia é portanto um delinquente e quem mente apenas se protege...
Eu não condeno Forrest Gump...
Eu acredito na água cristalina...
Eu quero o sol e me recuso a acreditar na sombra, na noite, no frio...
Até que
Quando um dia
Finalmente
Ciencia
Leis
Tratados
Fórmulas
Sabios
Entendedores
Antropólogos
Filósofos e
Bispos
Me convencerem
Do contrario
Entao
Nesse dia
Exatamente nesse dia
Certamente
Eu ainda assim
Definitivamente me recusarei
A acreditar na farsa como verdade
No erro como principio
No mal como fundamento
Porque dentro de mim
Acreditar
Será sempre
Ver a verdade
Onde ela deveria estar
Antes de ter sido
Violada...